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terça-feira, 14 de junho de 2005

A propósito do referendo italiano sobre a “procriação medicamente assistida”

O referendo realizado em Itália sobre a procriação medicamente assistida teve fraca afluência. Os referendos são, por natureza, pouco susceptíveis de atraírem os eleitores, a não ser para votarem “Não” sobre o Tratado da Constituição Europeia.
Na Itália, a influente Igreja Católica actuou como promotor da abstenção invocando que a “vida não se vota”.
O referendo tinha como objectivo criar na legislação, aprovada recentemente, um certo grau de flexibilidade. De facto, a lei italiana limita o acesso a técnicas de procriação assistida apenas a casais estéreis e proíbe a congelação e a investigação em embriões humanos, assim como a procriação heteróloga e o diagnóstico pré-implantatório.
A Itália assume assim uma das posições mais radicais relativamente a este assunto.
Em Portugal ainda não existe legislação. Na última legislatura por pouco não foram discutidos e votados diplomas dos vários grupos parlamentares.
Tive oportunidade de dar o meu contributo para a elaboração de um projecto-lei. Houve todo o cuidado em respeitar princípios éticos. No entanto, ficaria sempre em aberto a possibilidade de serem contemplados casais que, embora não fossem estéreis, pudessem usufruir destas técnicas (casos de graves doenças infecciosas). Também ficaria contemplado que não deveriam ser criados embriões em excesso. Mas, sabemos, por razões óbvias, que, desde o momento da fecundação à implantação do embrião, pode ocorrer muita coisa. Sendo assim, o embrião deveria ser congelado. A preocupação na adopção dos embriões estava contemplada. Acontece que, caso não se consiga a adopção, não se pode eternizar esta condição, facto que levaria à possibilidade de serem utilizados para efeitos de investigação científica. A discussão ao redor do uso de dador fora do casal levantou vários problemas, mas havia possibilidade de vir a ser contemplado. Quanto ao diagnóstico pré-implantatório não fazia parte do diploma, mas havia uma corrente forte para a sua aprovação posterior.
Sem desrespeitar princípios éticos tentou-se elaborar um projecto-lei que colocasse o nosso país dentro da esfera da modernidade e de um futuro promissor.
Estou convencido que, com o tempo, estes aspectos acabarão por ser contemplados na maior parte dos povos ocidentais. Entretanto, noutras partes do globo, pautados por formas de ser e de estar próprios, verificamos uma evolução extraordinária nestas áreas.

3 comentários:

O Reformista disse...

Tenho para mimn que os referendos que implicam delicadas questões éticas, são pouco concorridos porque as pessoas não sabem como optar.
Por exemplo penso que no Referendo sobre o aborto as pessoas colheram os argumentos dos dois campos. E não querendo aprovar o aborto nem querendo penalizar as mulheres que o fazem opataram por não votar. Não me parece que tenha sido por desinteresse, foi mesmo por não saberem (ou não quererem) como optar.

Massano Cardoso disse...

Concordo com a interpretação. Certos assuntos, colocados sob a forma dicotómica, não permitem que as pessoas se identifiquem totalmente com um delas. São assuntos que se distribuem por uma longa linha e, na qual, cada um estabelece o seu ponto de corte. Só os radicais é que não têm problemas na escolha da resposta. Sim ou não!
No caso do referendo em Itália, além dos aspectos que já analisámos, o apelo à abstenção agravou a situação. Por este motivo não posso deixar de fazer uma crítica.

Suzana Toscano disse...

E não caberia aos governos ou aos Parlamentos tomarem decisões sobre essas matérias depois de as terem incluido com clareza nos seus programas eleitorais e discutido com seriedade e sem "clubismos partidários" nos debates que antecedem as eleições? Os poderes políticos são cada vez menos capazes de rasgar horizontes e liderar novos caminhos, usando o poder que lhes foi conferido como representantes da vontade popular.Tenho muito respeito pelos gestores, mas acho que um Governo deve ser muito mais do que isso...Talvez a abstenção signifique que as pessoas não confiam em quem vai executar as mudanças e prefiram deixar tudo como está.