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terça-feira, 12 de julho de 2005

Tremendismo Semântico

O Prof. Adriano Moreira, no programa Prós e Contras desta noite, usou a expressão que agora uso como título deste post para ilustrar o abuso das palavras para qualificar acontecimentos que deviam merecer a nossa atenção mas que são desvirtuados, na sua dimensão ou no seu significado, pela força excessiva do vocabulário utilizado.
No caso concreto, referia-se ao "arrastão" da praia de Carcavelos, depois envolvido em dúvidas sobre a sua dimensão e, por fim, tenuemente apresentado como um episódio que afinal não teria merecido tão grande alarido. Mas o mal estava feito. A palavra distorceu o acontecimento e, o que é mais grave, ocultou com o seu falso dramatismo o fenómeno que devia ter merecido reflexão cuidada e serena - a inquietação nascente entre os imigrantes, a desconfiança crescente sobre os seus perigos, enfim, a necessidade de se encontrarem as medidas mais adequadas ao acolhimento e inserção social dos que procuram trabalho em Portugal e as regras que têm que ser estabelecidas para que esse movimento se faça com o devido controle.
A palavra tem um papel a desempenhar e não pode ser usada como quem atira pedras ou consegue efeitos bombásticos. Tem que estar suportada em informação, em estudo, em reflexão. E depois pode então ser proferida.
O tremendismo semântico invadiu os nossos jornais, sustenta discursos políticos, colonizou o nosso pensamento. Impede o juízo claro e mina a confiança, pois tudo aparece carregado de cores escuras para logo desaparecer dos écrans da novidade, deixando apenas um rasto de temor, de dúvida, sem que se consiga avaliar de facto o que é que afinal nos queriam dizer. Talvez não nos queiram dizer, talvez nos queiram fazer crer, as palavras que não são usadas com seriedade não querem comunicar mas manipular.
Ouvir o Prof. Adriano Moreira em debate com o Prof. António Barreto devolve-nos o gosto pelas palavras claras, sabedoras e preocupadas em comunicar, em transmitir, dando espaço a quem ouve para escolher o seu campo e formular o seu juízo.
Um lição rara mas que ainda é, felizmente, possível.