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quarta-feira, 31 de agosto de 2005

Soares, nada de novo

Possivelmente não haveria muito a esperar de uma apresentação pública de uma candidatura presidencial. Mas o que mais surpreende (ou nem tanto...) é o vazio de ideias com que se saldou o discurso de Soares, a falta de uma visão de futuro para o país (não necessariamente para a governação), um esboço de preocupação para além do que lhe é há muito conhecido. Não é a idade que conta, é o peso do passado que não o liberta, a falta de sentido de futuro.

terça-feira, 30 de agosto de 2005

Uma certa soberba

Ouço Manuel Alegre a anunciar o que já se sabia, que já não se candidata.
Nenhuma novidade, sendo todavia estranha a atenção que alguns dos media dedicam às não intenções dos não-candidatos.
O que verdeiramente começa a irritar é a incontida soberba com que Alegre se conduziu e conduz neste assunto das presidenciais. O mesmo se pode dizer de Soares. Ouço na SIC pela enésima vez Mário Soares a responder a um daqueles jornalistas-analistas-comentadores (que tocantemente não esconde o enlevo quase hipnótico pela vetusta figura!), que só se candidata para travar o passeio que Cavaco Silva preparava para a Avenida da Liberdade (infeliz imagem, a de ver alguém ser impedido de passear pela avenida que é da liberdade...).
Mas um e outro escondem mal a enormidade dos respectivos egos e a irresistível ambição que os move. Acham que o destino é de esquerda e são eles os predestinados.
Enfim, pode a esquerda não estar à míngua de candidatos. Mas que está cada vez mais velha, e com tiques de decrepitude, ai lá isso está!


Gato por lebre, ou o caso TVI

gato por lebre


Muito se vem falando do caso da venda a uma empresa espanhola de uma participação importante do capital da TVI e, ao mesmo tempo, da prorrogação das licenças de emissão dos operadores privados por mais 15 anos.
Conheço razoavelmente o enquadramento da questão, até porque, conjuntamente com Proença de Carvalho, Carlos Barbosa, Maria Elisa e Nuno Sintra Torres, fui um quatro subscritores do Projecto TV1, que se apresentou a concurso, em 1991, para a concessão de 2 novos canais de televisão privada, projecto esse que foi vencido, em benefício dos projectos SIC e TVI.
Nos termos da Lei, a Alta Autoridade para a Comunicação Social pronunciou-se, então, sobre os projectos, considerando que todos eles reuniam os requisitos mínimos necessários e que tinham a ver com a programação, tempos de emissão, origem dos programas, nacional ou estrangeira, cobertura do território, meios técnicos, equilíbrio financeiro e outros.
Será curioso recordar que, na sua apreciação, a AACS considerou o projecto da TVI, entre os três, como o “projecto mais modesto, quantitativamente moderado e qualitativamente menos exigente, em que a predominância da defesa dos valores do humanismo cristão influencia coerentemente o conteúdo e o estilo dos programas”.
Embora esta característica da programação não contasse da Resolução referente à concessão, ninguém duvidou de que a atribuição da licença teve tudo a ver com o facto de serem Instituições ligadas à Igreja Católica o seu principal promotor e os garantes do perfil da programação.
Passados alguns, poucos, anos os accionistas promotores da TVI, face à fragilidade financeira revelada, foram obrigados a encontrar novos accionistas. Mercê de sucessivos processos de reconstituição do capital, os accionistas fundadores vieram a dar lugar a outros accionistas que em nada participaram no projecto da fundação.
Como resultado, da TVI apenas ficou o nome, porquanto a linha de programação foi totalmente alterada, face aos novos objectivos traçados para a empresa.
A nova linha de programação em nada passou a corresponder àquele que esteve na base da concessão da licença.
Face a tão completa transformação, o facto seria, na opinião de muitos, motivo suficiente para a cessação da licença de emissão.
Não me lembro de alguém, na altura, pedir a cessação da mesma, com base em que o projecto nada tinha a ver com o que foi licenciado.
No meio da turbulência gerada com a venda aos espanhóis, foi, agora, suscitada a questão da renovação da licença por mais 15 anos.
É óbvio que tal teria que acontecer.
Terminando as actuais licenças em 2007, ninguém iria investir com o horizonte temporal de 2 anos e, para mais, sabendo que o tipo de emissão em nada se identificava com o que tinha sido proposto.
Do meu ponto de vista, e mais até do que a questão da nacionalidade do capital, interessará saber qual o perfil de programação que estará na base das novas licenças e como é que elas serão acompanhadas.
Pois, se tal não acontecer, estar-se-á, novamente, a licenciar lebre e a servir-se gato.

À martelada…


Novo instrumento para estudar a biodisponibilidade...


Ultimamente, temos assistido à publicitação do consumo dos genéricos em Portugal versus o Reino Unido, além de alguns debates e comentários sobre o seu uso e não uso, quer dentro, quer fora da classe médica. Um dos principais problemas dos genéricos prende-se com a confiança nos mesmos.
Afinal, os genéricos são ou não de confiança? Podemos, nós, prescritores e utilizadores confiar nos mesmos? A autoridade responsável pela introdução no mercado é ou não credível? O ministro da Saúde (seja ele quem for) garante ou não a eficácia e a eficiência dos genéricos?
Pessoalmente, desde há muitos anos, tenho optado, sempre que possível, pelo fármaco mais barato e nunca tive qualquer preconceito contra os genéricos, porque parto do princípio de que há garantias absolutas sobre as suas características e propriedades. No entanto, são inúmeras as histórias que se contam entre os médicos a este propósito. E, muitas delas não abonam nada a favor de alguns. Também tenho as minhas, e uma delas é absolutamente incrível. Expliquei a uma doente de idade que lhe ia prescrever um genérico em vez do medicamento de marca, porque era mais barato. A doente perguntou-me logo: - E é de confiança, senhor doutor? Disse-lhe, naturalmente, que era o mesmo medicamento. Passadas cerca de quatro semanas, entrou-me no consultório e disse-me de chofre: - Senhor doutor, não quero tomar mais o último medicamento que me prescreveu, quero o anterior! Fiquei surpreendido e perguntei-lhe quais as razões para o pedido que, digo com toda a franqueza, achei insólito. Respondeu-me da seguinte maneira: - Olhe senhor doutor, eu ainda tinha dois ou três comprimidos do medicamento anterior e coloquei um num copo de água. Sabe o que aconteceu? E eu respondi surpreendido: - Não minha senhora! - Pois bem, ao fim de um quarto de hora estava desfeito. - Ah! E depois? – Depois, coloquei o comprimido novo e sabe o que aconteceu? Nem respondi. Continuou a minha simpática velhinha: - Ao fim de 48 horas ainda não se tinha desfeito! E sabe o que tive que fazer para o desfazer? Cada vez ficava mais atrapalhado. - Pois bem! Tive que utilizar o martelo do meu marido, senhor doutor. Só assim é que o transformei em pó. E, agora diga-me se tenho ou não razão. Fiquei numa situação de verdadeiro “embaraço científico” perante tamanha técnica caseira de “biodisponibilidade” utilizada por uma doente muito curiosa. Balbuciei qualquer coisa tal como: - Com certeza a fábrica que fez o medicamento deve ter “apertado” demais o comprimido… Não sei se ficou convencida com a resposta, mas eu não fiquei!
Resta saber se, relativamente aos genéricos em causa, os estudos efectuados garantem ou não a eficácia dos mesmos, porque a saúde dos doentes é sagrada e merece todo o respeito. E, já agora, deveríamos sacar as devidas responsabilidades relativamente a algumas situações, nem que seja à martelada…

segunda-feira, 29 de agosto de 2005

Dos revolucionários tempos da Constituinte republicana

Colhida no Diário da Assembleia Nacional Constituinte, esta representação do cidadão feito tenente.

"SESSÃO N.° 22 DE 17 DE JULHO DE 1911

Cidadão José Cordeiro Junior.- Tendo visto nos jornaes de hontem que nas Constituintes foi apresentado um projecto de lei pelo Exmo. Sr. Innocencio Camacho, para que fossem contemplados com a pensão animal de 300$000 réis todos os sargentos que foram promovidos a officiaes no movimento revolucionario de 5 de outubro, peço a V. Exa. para em meu nome declarar peremptoriamente á Exa. ma Camara, sem desprimor para ninguem, que não acceito tal pensão, por achar em primeiro logar que, no momento actual em que o país atravessa uma crise financeira tão aguda, não deverei concorrer para o aggravamento d'essa crise recebendo pensões, e, em segundo logar, porque, tendo tomado parte nos movimentos revolucionarios de 28 de janeiro, de que V. Exa. é fiel testemunha e no dia 5 de outubro, todos os meus insignificantes serviços prestados, quer num quer noutro movimento, em beneficio da nossa tão querida Patria, já foram largamente recompensados pela honrosa promoção ao posto de tenente que me foi conferida por decreto de 22 de outubro do anno proximo passado.

Saude e Fraternidade.

Lisboa, 14 de julho de 1911. = Artur Celestino Sangreman Henriques, tenente da Guarda Nacional Republica, ex-sargento ajudante de artilharia n.° 1".

Dos preciosos tempos da Constituinte de 1975

Colhido no Diário da Assembleia Constituinte, nº 91 de 1975-12-05:

"Solicito a seguinte rectificação ao n.º 89 do Diário da Assembleia Constituinte: na p. 2877, col. 2.ª, l. 34, a seguir à expressão «meu amigo», acrescentar, além de uma vírgula, o seguinte: «comemos da mesma gamela».
Lisboa, 5 de Dezembro de 1975. - Fernando Barbosa Gonçalves (Deputado do PPD)"

:)

Déjà vu...

Enquanto uns comem a carne os outros roem os ossos. C'est la vie ... triste!

A "golpada" do referendo e as presidenciais

A pressa com que o PS e a restante esquerda querem agendar o referendo sobre a IVG para o período compreendido entre as autárquicas e as presidenciais só pode ter uma leitura: golpada. O PS sabe que a única forma de capitalizar politicamente a candidatura de Mário Soares é sustentá-la num debate "fracturante" esquerda-direita. Sabe também que a seguir às autárquicas têm um mês "horribilis" com a contestação sindical e o debate sobre o Orçamento de Estado para 2006. Sabe também que os indicadores da actividade económica vão "saltar do pote" com cores muito negras. Sabe também que é muito incómodo para a candidatura de Mário Soares centrar o debate para as presidenciais sobre a governação, a crise e o futuro pouco risonho que se perspectiva para o país. Um referendo sobre a IVG cai como mel na sopa.
Paulo Gorjão viu muito bem este cenário e Vital Moreira entretem-se a mandar poeira para os olhos de quem o lê. Somos todos parvinhos...

domingo, 28 de agosto de 2005

Autarquias: uma agenda para o debate político – 3

A ingenuidade "independente" de Carmona Rodrigues revelada pela negociação abortada de lugares nos órgãos de gestão das empresas municiais, recebendo em troca o apoio político do PND e do PPM, é pretexto para um novo ponto da agenda para o debate político sobre as autarquias. Já abordámos este tema das empresas municipais em posts anteriores (consulte-se aqui, aqui e aqui), mas pelo que aconteceu entretanto julgo que vale a pena voltarmos ao assunto.

A participação dos Municípios no capital de empresas cujo fim é o de satisfazer de forma mais eficaz e com valor acrescentado as necessidades de defesa do interesse público e a qualidade do serviço prestado às comunidades locais, é, a meu ver, benéfico e vantajoso para esses mesmos municípios, desde que a gestão empresarial, em confronto com a gestão administrativa, se traduza em vantagens iniludíveis para o interesse público. Esta última condição é decisiva para a viabilidade de uma empresa municipal.

Neste contexto, não é compreensível que a designação dos gestores dessas empresas se submeta ao primado da lógica política. Aceito que essa nomeação se oriente por critérios de confiança política, mas é indispensável que eles se sujeitem prioritariamente a critérios de competência de gestão.

No caso da nomeação de vereadores para os órgãos de gestão das empresas municipais o efeito parece-me ser ainda mais perverso: um membro de um órgão (Câmara) que tutela a empresa é ao mesmo tempo tutelado, gerando uma promiscuidade pouco saudável. É razoável a nomeação de vereadores para órgãos de representação dos accionistas (AG’s) ou de fiscalização (CF’s), nunca para órgãos executivos.

Infelizmente não é este o princípio que orienta as nomeações para cargos executivos de empresas municipais nem a sua lógica tem a ver com a defesa do interesse público.

Seria bom que os diferentes candidatos às presidências camarárias das mais importantes autarquias pudessem ser questionados sobre esta opção. Esclareceriam decerto muitas dúvidas que por aí andam.

O efeito placebo

Recentes investigações têm permitido conhecer melhor o efeito placebo dos medicamentos, inclusive as bases biológicas, graças às novas tecnologias. Ao conhecermos melhor o poder do placebo, cientistas e filósofos poderão caracterizar melhor a velha questão cartesiana da divisão corpo – espírito. Os seus efeitos têm sido utilizados de forma consciente ou não, pelos diversos agentes envolvidos na procura da saúde e na solução dos problemas que afectam as pessoas. A história da doença – saúde está repleta de casos paradigmáticos. Apesar de ter existido desde sempre, o reconhecimento "oficial" do placebo ocorreu em 1890, quando um médico britânico foi condenado pelo tribunal a indemnizar uma doente por lhe ter administrado água em vez de morfina. A senhora exigiu uma indemnização, a qual o tribunal reconheceu como legítima, não obstante ter igualmente reconhecido que as dores tinham cessado com a medicação. A senhora não considerou correcto ter pago um tratamento à base de água, quando devia ter recebido injecções de morfina. A água é de borla!
Ninguém sabe qual dos três cientistas; Thomas Sydenham, Armand Trousseau ou William Osler, é o responsável pela afirmação: quando aparece um novo medicamento, o melhor será aplicá-lo o mais rapidamente possível e no maior número de pessoas.
Todo o fármaco tem também um efeito placebo e o mesmo não pode ser ignorado, já que, quando aparece, está aureolado de enormes expectativas. Os médicos são os primeiros a entusiasmarem-se e anseiam por utilizá-lo. Quando iniciam a prescrição, transmitem aos seus doentes expectativas de melhorias significativas. Os doentes "sentem" isso. É durante o período de introdução que se irá observar resultados muito positivos, os quais constituem o somatório do "verdadeiro" efeito do produto e do efeito placebo que acarreta. Por este motivo, os autores citados já afirmavam que se devia tratar o máximo número possível de doentes, enquanto a nova droga tenha ainda poder para curar.
Os políticos utilizam o "efeito placebo" de uma forma abusiva. Convinha saber um pouco mais dos efeitos reais e biológicos do mesmo. A associação dos efeitos "terapêuticos" reais das medidas, com o efeito placebo, poderia criar "bem-estar" individual e colectivo, circunstância que deveria ajudar a curar muitas maleitas sociais. Mas, não podem esquecer que devem tratar o máximo número possível dos problemas, enquanto as novas terapêuticas ainda tenham poder para curar...

“Similia Similibus Curantur”

O trabalho publicado no The Lancet sobre o valor terapêutico da homeopatia confirma mais uma vez que estamos perante um efeito placebo.
Samuel Hahnemann, médico alemão, com base no princípio “Similia Similibus Curantur”, de que “o semelhante cura o semelhante”, originou uma corrente à qual muitas pessoas se apegaram com fé e determinação propiciando o nascimento e o desenvolvimento de uma indústria lucrativa.
A busca de uma teoria, que garantisse a idoneidade científica, levou ao dislate de aproveitar um trabalho célebre, publicado na revista Nature, em 1988, pelo francês Benveniste. Neste artigo, o imunologista definiu aquilo que poderia ser considerada como a “memória da água”. Após o desaparecimento do princípio activo, através de várias diluições, a água ficava com a memória da substância e, deste modo, continuaria a originar os efeitos. Posteriormente, foi verificada a ausência da reprodutibilidade das experiências pelo próprio editor, John Maddox, auxiliado pelo mágico e denunciador de pseudo-cientistas James Randi e o investigador de fraudes Walter Stewart.
Caiu em descrédito a tão desejada base científica da homeopatia.
Apesar das críticas a esta corrente terapêutica, que já vem desde os tempos de Hahnemann, são incontáveis as pessoas, muitas com nível cultural elevado, que defendem as virtudes das medicinas ditas alternativas. Pessoalmente sinto uma tremenda dificuldade em debater, e em tentar mudar, o comportamento destas pessoas. A explicação é muito simples: as pessoas que as praticam invocam motivos que mergulham mais na fé do que na razão. Ora, fé e razão, apesar de poderem conviver, não são miscíveis. Sendo assim, não vale a pena argumentar cientificamente contra quem nos responde com a fé. O pior é que muitas doenças não são compatíveis com o efeito placebo da homeopatia e, ao fim de algum tempo, desaparece o entusiasmo e a crença é substituída pelo desespero obrigando-os a regressarem ou a procurarem os convencionais, os alopatas.
O respeito pelo ser humano impede, naturalmente, de fazer qualquer crítica ou comentário. Mas, o mal apresenta-se, muitas vezes, em fases avançadas e, ao que eu saiba, até agora, nenhum homeopata foi acusado de erro médico ou de negligência por má prática.
Praticar homeopatia é uma forma segura de ganhar a vida, estar protegido de algum litígio legal e permanecer imune – como é óbvio – a imperativos morais.
Carl Sagan afirmou um dia que “a má ciência combate-se com a boa ciência”. Parafraseando-o, podemos afirmar que a má medicina combate-se com a boa prática médica.
Há, no entanto, necessidade de realçar um aspecto ligado à homeopatia que pode ajudar a explicar o efeito placebo: o facto de saberem ouvir as pessoas. Todos temos consciência deste pormenor que é saber ouvir e dar atenção às pessoas. Só este facto, praticado pelos homeopatas, amigos, familiares, padres, bruxas, astrólogos, psicólogos, assistentes sociais e até médicos, entre outros, contribuem para a saúde de muitos. É imperativo reintroduzir a nobre forma de actuar que é ouvir e dar importância às pessoas que, na classe médica, atendendo ao cada vez mais elevado tecnicismo, se está a perder.
Quanto aos aspectos científicos, os homeopatas afirmam que, no seu caso, as regras utilizadas pela ciência convencional não se lhes aplicam. Conceito interessante. Também não se aplicam às bruxas.
A crendice é violenta e por vezes irredutível. Quanto a mim lá terei de limitar a sorrir e a dizer que não são assuntos do meu rosário, quando sou confrontado pelas afirmações categóricas dos seus defensores. É uma forma de respeitar a liberdade de cada um e, ao mesmo tempo, evito ser estiolado perante situações que acabam, algumas vezes, em dramas terríveis.
Qual é o médico que não tenha uma ou mais histórias que comprovem certas desgraças?

sexta-feira, 26 de agosto de 2005

Notícias de Portugal, lá fora

Portugal não é notícia, por regra, nos telejornais das cadeias internacionais e na imprensa estrangeira. Salvo quando ocorre algum escândalo, alguma desgraça.
Sente-se isso quando saímos do País e estamos mais atentos ao que relatam sobre nós os meios de comunicação locais e internacionais.
É triste a sensação de ver Portugal ser notícia pelas piores razões. Sentia-a de novo. Em finais de 2002 estava longe e foram as cheias a notícia. Tempos depois, recorrentemente, a ideia de que eramos um País onde campeava a pedofilia. Agora as imagens do horror da floresta em chamas, do desespero e desnorte de gente simples, da ajuda de outros países a pretexto de não termos os meios de combate à situação. Nenhuma referência ao heroísmo de muitos.
Estive estes últimos dias fora. Foram dias de notícias sobre os incêndios nas principais cadeias internacionais. Dir-se-á que nada aconteceu neste rectângulo que merecesse honras de notícia nos media transnacionais. E talvez nada tenha acontecido de relevo. Lidos alguns dos posts deste e de outros blogues, de facto parece que "tudo como dantes, quartel-general em Abrantes"...
Notícias de portugueses, lá onde estive, de dois somente. Um comentário ácido à fraqueza da liderança - no meio de uma pouco honrosa comparação com Prodi - de Durão Barroso numa Europa alargada que exige lideres fortes e com ascendência sobre os políticos nacionais . E uma reportagem - muito simpática para o próprio, extensa e pormenorizada - sobre uma deslocação de António Guterres a campos de refugiados.
Tirando isso, sobra o produto nacional de que nos fala o Pinho Cardão e que vende bem lá fora: o futebol. Deu até para ver uns resumos e uns comentários divertidos sobre a entrada de algumas equipas no campeonato...

Não perdi porém a esperança de, numa próxima deslocação, elevar o som da TV no dia em que for noticiado que a economia de Portugal cresceu bem acima da média europeia.

Só espero que me deixem gozar suficientemente o sabor desse momento, e não me acordem intempestivamente...

As Três Parcas


As Três Parcas (Christoph Steinmeyer)



As três Parcas

As três Parcas que tecem os errados
Caminhos onde a rir atraiçoamos
O puro tempo onde jamais chegamos
As três Parcas conhecem os maus fados.

Por nós elas esperam nos trocados
Caminhos onde cegos nos trocamos
Por alguém que não somos nem amamos
Mas que presos nos leva e dominados.

E nunca mais o doce vento aéreo
Nos levará ao mundo desejado
E nunca mais o rosto do mistério

Será o nosso rosto conquistado
Nem nos darão os deuses o império
Que à nossa espera tinham inventado.

(Sophia de Mello Breyner)


Desde que o homem é homem sempre procurou viver mais anos. E, continua a procurar, incessantemente, a imortalidade e a eterna juventude.
Na sua interpretação das causas e efeitos, criou as parcas ou as moiras, colocando o futuro nas suas mãos.
Enquanto Clotho fia o fio da vida, Lachesis decide o seu destino e Atropos espera, avidamente, o momento de o cortar.
As experiências e a investigação na área do envelhecimento têm sofrido impulsos enormes nos últimos anos. A ponto de nalguns animais se ter conseguido duplicar o tempo de vida.
As melhorias das condições de vida e do comportamento humano aliadas à intervenção deliberada das ciências da saúde foram determinantes para o aumento da sobrevivência da nossa espécie verificada em alguns cantinhos privilegiados deste planeta. Mas, os factores genéticos são, sem sombra de dúvida, essenciais na compreensão deste fenómeno.
Se as descobertas feitas até ao momento passarem a ser aplicadas nos seres humanos, ainda nos arriscamos a viver muito mais e, consequentemente, a ter de trabalhar até mais tarde adiando a idade da reforma lá muito mais para a frente.
Mário Soares na sua entrevista à SIC, a propósito de ter a idade que tem, disse: - Não tenho culpa da idade que tenho. É uma graça ter chegado aqui e com as minhas faculdades a actuarem. É uma graça!
É verdade, é uma graça e, muito provavelmente, Clotho soube, no seu caso, fiar bem o fio, enquanto Lachesis vai decidindo o seu destino. Sinceramente espero que Atropos ande distraída não só em relação a este gerontocrata assim como a todos nós.
A existência de um gene denominado Clotho parece suprimir o envelhecimento nos ratinhos. O homem também tem este gene. Assim, é muito provável que genes modificados possam aumentar a sobrevivência nos seres humanos à semelhança do verificado nos ratinhos. Como este gene está na origem de uma “hormona” específica, veja-se o que poderia acontecer nos próximos tempos: várias individualidades (à excepção dos que tem genes Clotho de primeira água) a correrem diariamente para as salas de chuto assistidas onde, prazenteiramente, se injectam com a hormona anti-envelhecimento dirigindo-se logo a seguir para os seus gabinetes de trabalho a fim de decidirem o futuro do país. Ou, então, a obrigação de os contribuintes terem de tomar a sua dose diária – de preferência sob vigilância directa de um superior – para que possam permanecer activos e, deste modo, adiar a reforma.
Um dia, ainda poderá acontecer alguém candidatar-se aos 100, ou aos 110 anos a qualquer cargo, basta que tenha a graça de ter bons genes. No caso de não os ter, então, use e abuse de “Clotho”, a hormona anti-envelhecimento.
Coitada da Atropos…

O futebol - produto internacionalmente competitivo


Futebol do F.C.P- produto competitivo internacionalmente

Está a começar a época futebolística.
A par das paixões que suscita, o futebol também carrega o ónus de ver os seus dirigentes todos os dias na praça pública, muitas vezes por motivos menos recomendáveis.
No entanto, e apesar disso, o futebol vem constituindo um dos produtos portugueses internacionalmente mais competitivos.
A Selecção Nacional é vice-campeã europeia e ocupa um dos lugares cimeiros do ranking da FIFA(Federação Internacional do futebol association).
O produto futebol da Futebol Clube do Porto venceu a 2ª maior competição da UEFA(União Europeia do futebol association), em 2003 e a maior competição europeia de clubes, em 2004(Liga dos Campeões).
Ainda no final do ano passado ganhou a Taça Intercontinental, o que lhe dá o direito de ainda ostentar o título de Campeão do Mundo de Clubes.
Tal se deve à reestruturação pela qual passaram os clubes, após a sua organização em empresas promotoras de espectáculos de futebol.
Os clubes já são grandes empresas em Portugal.
Por exemplo a SAD (Sociedade Anónima Desportiva) do F.C. Porto é uma das maiores empresas portuguesas.
O seu volume de negócios, da ordem dos 55 milhões de euros, coloca-a nas 350 a 400 maiores empresas portuguesas, na companhia de empresas bem conhecidas como a Têxtil Manuel Gonçalves, os STCP ou a RTP.
Em termos do valor acrescentado que a sua actividade gera, a SAD do F.C.P. encontra-se nas 150 maiores empresas do país, a par de outras como a Nabeiro, a CIN, ou a Lisnave.
A SAD do F.C.P. é também, e aqui o espanto poderá ser maior, uma das maiores exportadoras portuguesas: com 100 milhões de euros de vendas ao exterior, materializadas na cedência de direitos desportivos de futebolistas, em 2004, é uma das 50 maiores exportadoras nacionais, com dimensão semelhante, no ano, à das exportações da Siemens ou da Lameirinho.
A exportação tem sido uma actividade consistente nos últimos anos.
Só neste defeso (Junho a Agosto) a cedência de direitos desportivos por parte da SAD doF.C.P. atingiu os 32,5 milhões de euros.
O futebol deixou de ser só paixão e tornou-se uma actividade económica relevante, devendo também ser apreciado por este ângulo.

quinta-feira, 25 de agosto de 2005

"Homens, mulheres e inteligência"...

Foi publicada, hoje, uma notícia, segundo a qual os homens estão mais propensos a ganharem mais prémios Nobel e a alcançarem um nível de excelência do que as mulheres, porque são mais inteligentes.
Volta e não volta vem à baila a problemática das diferenças sexuais e “rácicas”. Aliás, um dos co-autores deste estudo, Richard Lynn, já foi alvo de críticas pelas suas posições eugénicas.
Em 1994, o livro de Richard J. Herrnstein, The Bell Curve, apontava para a inferioridade intelectual dos “afro-americanos”. Os trabalhos de Richard Fynn constituíram algumas das principais referências bibliográficas de Herrnstein.
Em 2002, Fynn publicou um artigo intitulado “Skin color and intelligence in African Americans”. Neste trabalho, o autor fez a afirmação de que os “afro-americanos” com pele mais clara eram mais inteligentes do que os tinham a pele mais escura!
O facto de os homens terem cérebros mais pesados ou serem capazes de realizarem certas tarefas com mais facilidade que as mulheres não é suficiente para tamanha descriminação e muito menos fazer quaisquer afirmações de superioridade.
Quando li a notícia recordei-me de algumas ex-colegas parlamentares que não se iriam calar perante estas conclusões.
Só muito recentemente é que as mulheres começaram a ter oportunidades. Veja-se o caso da frequência do ensino superior. Num passado recente era predominantemente masculina. Hoje, está “feminizada”. Recordo-me que há alguns anos os meus alunos eram maioritariamente homens. Agora, até fico “inibido” perante tamanha plateia de meninas. São tantas e tantas que quando aparece um rapaz até parece um milagre!
Depois digam que os homens são mais inteligentes do que as mulheres…

Autarquias: uma agenda para o debate político – 2

As recentes declarações de Paulo Morais à revista Visão (não há link, mas como alternativa consulte-se uma síntese aqui) são pretexto para mais este post sobre política autárquica. Esclareça-se, antes de mais, que tenho uma profunda admiração e uma já antiga relação de amizade com Paulo Morais, ainda que não fale com ele vai para três anos.

Paulo Morais ao afirmar que “existe uma preocupante promiscuidade entre diversas forças políticas, dirigentes partidários, famosos escritórios de advogados e certos grupos empresariais” não está a revelar-nos nada de novo. Todos sabemos que, infelizmente, assim acontece. O problema está em saber em que se traduz essa promiscuidade: benefícios ilícitos? Ilegalidades? Delapidação do património público? Corrupção? Financiamento e branqueamento de capitais?

Paulo Morais não pode acusar na generalidade e remeter para as suas memórias a identidade dos referidos casos. São perfeitamente compreensíveis as reacções de Fernando Ruas (se conhece essas situações que as denuncie a quem de direito) ou mesmo de João Teixeira Lopes solicitando intervenção do PGR.

Mas o que se deduz das declarações de Paulo Morais é bem mais importante: na Câmara do Porto, com em tantas outras por esse país fora, a decisão política tem um elevado poder discricionário de aprovar ou não projectos imobiliários. Eu não creio que possa competir a um vereador com o pelouro do urbanismo a capacidade de aprovar ou não um projecto só porque é um “mamarracho”, porque se acha agradável a arquitectura, ou porque entende que deveria ter mais um piso ou menos dois. Das duas uma: ou o vereador está a exorbitar a sua competência ou o sistema de planeamento e gestão urbanística não funciona (ou funciona mal), deixando à decisão política a margem de intervenção discricionária que não deveria existir.

Quem tem conhecimento e experiência autárquica sabe que a qualidade desse sistema de planeamento e gestão urbanística está na relação inversa do risco de discricionariedade e este na relação directa com o poder de conceder favores.

Dos oito anos que passei numa autarquia retenho uma frase de um grande urbanizador que reagiu assim às críticas que eu dirigia sobre alguns projectos imobiliários: “Senhor Professor, nós só fazemos o que a lei e os senhores nos deixam fazer”. Se a “lei” é fraca e os “senhores” também, é natural que surjam denúncias como a de Paulo Morais.

quarta-feira, 24 de agosto de 2005

“Intelligent Design”: neo-creacionismo ou pós-evolucionismo?

As declarações de George Bush no princípio deste mês relativas ao direito de nas escolas americanas se poderem ensinar “diferentes ideias e teorias” sobre a origem e evolução da humanidade reacendeu o debate na sociedade americana entre creacionistas e evolucionistas. Os primeiros desejosos de validar a “cientificidade” de uma concepção religiosa, os segundos cerrando fileiras em torno da diferença entre crença e ciência.

Mas o que o discurso de Bush traz como novidade para a opinião pública é a alusão à chamada “intelligent design theory”, uma visão que desafia o adquirido científico e promove a ideia da existência de uma força “invisível” por detrás do desenvolvimento da humanidade.

Aparentemente, poderíamos pensar que se trata de uma espécie de neo-creacionismo, um segundo fôlego mais sustentado e verosímil dos creacionistas no eterno combate pela afirmação das suas posições, maioritariamente identificadas com os grupos cristãos. Só aparentemente!

Num artigo publicado em 2004 nos Proceedings of Biological Society of Washington, mas só recentemente tornado acessível na net, o Dr. Stephen C. Meyer argumenta que nenhuma teoria materialista da evolução dá qualquer contributo para identificar a origem da informação necessária para construir novas formas animais. Ele propõe o “intelligent design” como uma explicação alternativa para a origem da informação biológica necessária. O próprio título do artigo é elucidativo: “Intelligent design: the origin of biological information and the higher taxonomic categories”.

Vale a pena ler.

terça-feira, 23 de agosto de 2005

Informação, ou arte de encher chouriços?


fábrica de encher chouriços
.Pivot do telejornal:
Dezenas de fogos continuam incontroláveis em todo o país. A situação mais grave é em Coimbra (ou em Viseu, ou em Abrantes…). Já arderam dezenas de milhar de hectares de mata, há casas queimadas, culturas perdidas e o fogo já chega a alguns dos bairros novos da cidade.
No Governo Civil está a decorrer uma reunião, com vista a estudar a criação de um Gabinete de Crise.
Vamos ligar ao Serviço de Protecção Civil.
.Serviço de Protecção Civil: Boa Noite. De facto, três dezenas de fogos continuam incontroláveis em todo o país. A situação mais grave é em Coimbra, onde já arderam dezenas de milhar de hectares de mata, há casas queimadas, culturas perdidas e o fogo já chegou às imediações da cidade.
Está em estudo a entrada em funcionamento do Gabinete de Crise.
.Pivot de um telejornal:
Muito obrigado. Vamos agora ligar ao nosso colega presente no local, em Coimbra.
.Jornalista presente no local:
De facto, continuam incontroláveis os incêndios ao redor de Coimbra. Segundo a Protecção Civil, já arderam dezenas de milhar de hectares de mata, há casas queimadas, culturas perdidas e o fogo já chegou às imediações da cidade.
Está neste momento a terminar a reunião no Governo Civil, onde esteve sobre a mesa a entrada em funcionamento do Gabinete de Crise.
Muito boa-noite, Sr. Governador Civil. Pode fazer-nos o ponto da situação dos incêndios em Coimbra?
.Governador Civil:
A situação é grave e, apesar do trabalho meritório dos bombeiros, continuam incontroláveis alguns focos de incêndio no distrito de Coimbra.
A prioridade são as pessoas, mas os prejuízos materiais são elevados: já arderam dezenas de milhar de hectares de mata, há casas queimadas, culturas perdidas e o fogo, como é visível, já atingiu a própria cidade.
Estamos a estudar a implantação de um Gabinete de Crise.
.Jornalista: Muito obrigado. Está assim dado o ponto da situação em Coimbra.
Atenção Estúdios.
.Pivot do Telejornal:
Muito obrigado.
Prosseguindo neste tema, vamos ligar à Direcção Nacional dos Bombeiros.
Sr. Director: pode-nos informar sobre a real situação dos fogos?
.Director Nacional dos Bombeiros: A situação é grave…….
Pivot do Telejornal: Tem interesse agora ouvir o Sr. Presidente da Câmara de Coimbra, um concelho dos mais atingidos pelos fogos. Ele encontra-se junto ao nosso posto de reportagem. Sr. Presidente: como avalia a situação?
.Presidente da Câmara: A situação continua dramática, já que o fogo atingiu casas da própria cidade. Faltam meios aéreos e nota-se descoordenação, pese o meritório e esforçado trabalho dos bombeiros…por isso, arderam milhares de hectares de floresta, perderam-se culturas e muitas casa foram destruídas...

Assim vai a ”informação” sobre o flagelo dos incêndios
O objectivo não é, obviamente informar, mas encher tempo de telejornais, utilizando a desgraça das populações para, sem escrúpulos, fixar audiências…
Os telejornais transformaram-se em fábricas de encher chouriços!...

Ecocídio


E de repente...



Acordar às 3 horas da manhã com a sensação de afogamento em pleno ar é de por em pânico qualquer um. Tive vontade de fugir para Coimbra para ver se conseguia respirar. Mas se tivesse ido àquela hora não teria melhor sorte. Também ardia. De manhã quando entrei na cidade foi como se tivesse entrado num mundo diferente. Uma nuvem castanha dourada tapava completamente a cidade. Ao longo da nova circular, de um lado, emergiam colunas de fumo em terrenos completamente devastados, do outro, chamas e mais chamas. Ao chegar a casa olho para a encosta já queimada e, mesmo assim, as labaredas, obstinadamente, começaram a destruir mais uma habitação.
As pessoas andam tristes e sentem-se impotentes face ao drama que nos atinge de norte a sul. Apontam-se como causas: as condições climatéricas, a falta de limpeza das florestas, o mau ordenamento, os interesses económicos ligados às madeiras e à construção, os pirómanos (muitos deles alimentados pelas notícias), a falta de meios de luta contra os fogos, insuficientes medidas políticas de prevenção florestal, mão leve ou levíssima da justiça e negligência grosseira. Enfim, causas perfeitamente identificadas e que não podemos por em causa. Mas há uma – tem de ser – que deve ser equacionada e sem a qual não é possível explicar esta peste: maldade. Há um verdadeiro terrorismo nacional. Se virmos bem, o acto mais simples de realizar, em termos de terrorismo, é foguear. Basta andar pelos mais variados caminhos do país para verificar que, deitar fogo, capaz de destruir riqueza e vidas, é de uma simplicidade atroz. Não precisam de tecnologias de ponta para fazerem bombas químicas, biológicas ou convencionais.
Esta causa – terrorismo – tem de ser tomada em linha de conta, até, porque está a tomar conta das populações. Nas minhas conversas por estes lados já muitos me disseram: - Está a ver? Eles já cá estão! - Mas eles quem? Pergunto. - Os da Al Quaeda, ou lá como se chamam. - Qual Al Quaeda, qual quê! São terroristas, sim, mas são nossos.
Importa saber o que leva algumas pessoas a provocarem verdadeiros ecocídios. Tem de haver factores sociais susceptíveis de desencadear comportamentos anómalos nalguns indivíduos mal estruturados.
Aos gritos de desespero das pessoas associam-se os sons explosivos das árvores a serem vitimadas, verdadeiros gritos de morte.
Alguns povos do Norte da Europa acreditam que nas árvores habitam bons espíritos e têm muito respeito, resquícios das épocas em que os adoravam. Em Portugal, o diabo, que anda à solta, acaba por expulsá-los. O inferno reina entre nós.

O que representa a candidatura de Mário Soares?

Já os meus amigos republicanos dissertaram sobre a candidatura de Mário Soares, na blogosfera o tema é recorrente, nos jornais sucedem-se as cartas de apoio. Regressado de férias até me sinto mal se não escrever qualquer coisa. Aqui vão cinco ideias (nada inovadoras) mas que poderão ajudar a perceber a valia actual do candidato Mário Soares:

  1. Mário Soares é um candidato de terceira escolha – Primeiro foi Guterres que se “refugiou”, o segundo foi Vitorino que se “encolheu”, Alegre poderia ser a quarta e para não dispersar ainda há Almeida Santos. Freitas do Amaral foi claramente descartado.
  2. Mário Soares é o candidato da situação – A sua indicação, perante a opinião pública, partiu da iniciativa do Secretário-geral do PS e Primeiro-ministro José Sócrates, foi validada e saudada pelo aparelho do partido (Federações), os seus apoio estão a ser recrutados a partir dos Governadores Civis e dos notáveis de esquerda. É claramente uma candidatura partidária.
  3. Mário Soares gostaria de ser o candidato da “Esquerda” – para centrar o debate na oposição esquerda/direita, mas, pelo que tenho ouvido não o será: o PCP quer apresentar candidato próprio e o BE não andará longe da mesma opção. Só o receio de uma vitória de Cavaco à primeira volta os faz tremer.[Actualização]O PCP avança com Jerónimo de Sousa o que limita as hipóteses de Soares. Neste contexto não é crível que o BE dispense a apresentação de candidato próprio (Fernando Rosas?). Pode não ser um "passeio" de Cavaco Silva pela "Avenida da Liberdade", mas acho que vale a pena apostar na vitória à primeira volta.
  4. Mário Soares será o candidato da Velha Europa – Quer externa quer internamente são os paradigmas da Velha Europa que são personificados pela candidatura de Soares: tudo o que há de mais retrógrado e que faz travar o ressurgimento europeu estará presente no seu programa. Basta recensear os temas e as posições políticas dos últimos seis anos.
  5. O que vai Mário Soares prometer à base social de apoio do PS que entretanto se zangou com o Governo? O que vai prometer aos funcionários públicos, aos professores, à classe média das vilas e cidades que se sente enganada por José Sócrates? Nada, resta-lhe acenar com o espantalho do “cavaquismo” e da direita autoritária, ou seja, uma campanha por baixo. Julgo que Cavaco Silva saberá lidar com esses estratagemas.

segunda-feira, 22 de agosto de 2005

“Não quero que morra sozinha”…

O problema da SIDA exige um permanente debate. Nota-se, sobretudo no Ocidente, um certo grau de adormecimento. Em Portugal a situação é muito preocupante. Muita retórica, muitas promessas e muito desconhecimento sobre a realidade e a evolução do fenómeno no nosso país.
A SIDA, quer queiramos quer não, tem uma componente política muito forte que não devemos ignorar. A este propósito revi um pequeno texto escrito na sequência da minha participação numa reunião internacional.


Numa conferência internacional dedicada ao tema SIDA em África, patrocinada pela Associação Europeia de Parlamentares para a África, foi descrita e analisada o panorama actual neste continente. Situação dramática em que os milhões constituem a unidade básica da contagem dos mortos e dos que adoecem. Quando se entra nestas esferas quantitativas dos fenómenos, ficamos um pouco anestesiados, pois só com muita dificuldade é que somos capazes de “destrinçar” quatro de cinco ou seis milhões!
Um dos oradores, professor de economia de uma universidade do sul da África fez uma abordagem muito interessante sob o ponto de vista sociológico e científico. Mas, o que me tocou mais, além dos números e das taxas de infectados, que, nalguns países, ultrapassam os 30% foi uma pequena história. Contou o conferencista que, um certo dia, um reverendo encontrou uma anciã a trabalhar, transportando uma criança ao colo. Surpreendido, perguntou-lhe: - Avó porque é que está a trabalhar e ainda por cima com uma criança ao colo? A velha respondeu-lhe: - A criança tem sida e vai morrer. Quando morrer não quero que esteja sozinha.
Trata-se do mais evidente sinal de desagregação familiar, à qual se associa a falta de professores que vão morrendo, a morte de parlamentares e dos poucos técnicos, o não registo nos cadernos eleitorais, o comprometimento do próprio e incipiente sistema democrático, enfim a desestruturação total das sociedades, pondo em causa a própria essência da negritude.
A SIDA é um problema médico, com relevância particular em saúde pública, mas é, também, um grave problema político que urge resolver. Ao Ocidente compete contribuir de uma forma mais eficiente para a solução das graves dificuldades que vão pondo em causa a sobrevivência do continente africano.

Ave Maria Catholic Fund


cântico


Não, não se trata de qualquer iniciativa da Igreja Católica, mas da acção da economia de mercado, que tem a suprema qualidade de ajustar o tipo de produtos oferecidos aos desígnios das populações.
Na área financeira esse ajustamento é evidente em múltiplas situações, desde o crédito à habitação até à oferta de produtos financeiros muito sofisticados.
Tendo notado uma tendência de um número elevado de pessoas no sentido de condenarem práticas abusivas das empresas, os Bancos americanos lançaram os Fundos de Investimentos Éticos, que seleccionam as empresas em que propõem aplicações de acordo com exigentes padrões de responsabilidade social.
Assim, os Fundos Éticos não investem em empresas de tabacos ou de bebidas alcoólicas, que atentem contra o ambiente, que produzam armamento, que tenham comportamentos contabilísticos ou fiscais desadequados.
Acontece que os investidores não se têm queixado das rentabilidades obtidas!...
Ultimamente, também na América, foram lançados por diversas entidades financeiras os Fundos Católicos, cujas aplicações são orientadas pelos princípios da Religião Católica.
Estes princípios levam a excluir aplicações em empresas com actividades “associadas a práticas abortivas, à pornografia, ou que concedam benefícios especiais a empregados solteiros”, entre outras exclusões.
O Ave Maria Catholic Value é o melhor exemplo desta filosofia de investimento.
Trata-se de um Fundo criado em 2001, e que apresentou nos últimos 3 anos uma rentabilidade de 18%, uma excelente rentabilidade.
Com efeito, no mesmo período, o Standard & Poor,s 500, representativo das 500 maiores empresas cotadas na Bolsa de Nova Yorque teve uma rentabilidade de 12%.
Devido aos princípios em que assenta e às rentabilidades obtidas, o Ave Maria Catholic Fund tem sido um verdadeiro sucesso.
Ultimamente desinvestiu as aplicações numa empresa de “T-shirts”, pelo facto de esta ter começado a comercializar uma linha de camisolas consideradas "demoníacas", mas o desinvestimento traduziu-se em apreciáveis mais valias!...
Não tardarão muito estes Fundos em Portugal.

Fogos e Florestas, a propósito das “causas estruturais”

O Primeiro-ministro José Sócrates tem destas coisas: quando a contestação à actuação do Governo no combate aos incêndios começa a “queimar”, vira a agulheta para a contestação e deixa a floresta a arder. A peregrina proposta de debate em torno das “causas estruturais” dos incêndios não é mais do que tentar apagar a contestação quando o que se pretende é apagar os fogos.

No meio da manobra é curioso ver como reage o maior partido da oposição. Quanto à proposta, pelas palavras do seu porta-voz, “parece pouco”. Mas o mais curioso é o autêntico acto de contrição que se lhe segue (cito a partir da edição impressa do Público): Instado a comentar as palavras do Chefe do Governo, Azevedo Soares admitiu que os anteriores governos descuraram igualmente as políticas de prevenção dos incêndios: “É necessário reconhecer isso”. “As medidas tomadas pelos responsáveis não têm sido famosas e não se pode esconder esta realidade”.

Fico atónito com o que leio e fico com a impressão que não existiu um Ministro chamado Armando Sevinate Pinto, que não existiu um Plano de Prevenção e Protecção da Floresta contra Incêndios (das melhores iniciativas que se tomaram neste domínio e com as medidas estruturais todas lá metidas!) e que o PSD não esteve no Governo nos últimos anos. O remate final das declarações é esfusiante: O PSD não pretende transformar a questão dos incêndios “num terreno de combate político”. Chama-se a isto sacrificar o combate externo ao ataque interno.

Será excesso de humildade democrática a raiar a auto-flagelação?

Não, não é. É a incorrigível ambição de querer ganhar credibilidade descredibilizando os outros, mesmo os que são do próprio partido.

Já conheço esse truque.

Autarquias: uma agenda para o debate político – 1

É de uma pobreza franciscana o contributo das lideranças partidárias para a qualificação das políticas autárquicas e para a sua valorização no debate político. A iniciativa mais sonante terá sido a (diferida) limitação dos cargos executivos das autarquias. Para uns terá sido um “acordo histórico”, para mim foi mais uma forma de lançar “lama” sobre os presidentes de câmara, quando a iniciativa se justificaria para todos os cargos executivos. Ainda que não previsto na Constituição, sou defensor da generalização do princípio a todos os detentores de cargos políticos.

Se os partidos se querem credibilizar perante a opinião pública, antes de aplicar o princípio aos autarcas deveriam aplicá-lo nas estruturas partidárias aos dirigentes das Concelhias e Distritais de onde emana o poder de influenciar e fazer eleger delegados aos congressos, de propor e aprovar candidatos às autarquias e de elaborar as listas de deputados. Depois de o fazerem os partidos ganhariam crédito e capital político para o exigirem para os restantes cargos. Assim, mais tarde ou mais cedo, não há crédito, há descrédito.

A guerra surda (e suja!) de listas e de posições que antecede os actos eleitorais são um reflexo do enquistamento destas estruturas e um dos principais factores de descrédito da política partidária. Há dirigentes partidários que ocupam os mesmos lugares há décadas e isso só é possível porque o propósito da sua acção é o de reproduzirem esse poder e não o de incorporarem na política a dinâmica e os anseios das comunidades onde se inserem.

Nos primeiros dez a quinze anos do regime democrático português em que os partidos precisaram de recrutar aqueles que mais se distinguiam na sociedade, de forma a sustentar a sua implantação, houve crescimento e qualificação da classe política. A partir da altura em que se consolidou esse regime, as estruturas partidárias fecharam-se sobre si mesmas e qualquer novo recruta que se disponibiliza deixa de ser um valor acrescentado para se transformar numa ameaça a quem está no poder. A única forma de romper com esta lógica tem sido o recurso sistemático aos “independentes” que acabam por entrar “por cima” quando o deveriam fazer “por baixo”.

O que vamos votar no próximo dia 9 de Outubro, em grande parte, é o resultado deste estado da “coisa” partidária. Pois, votemos…

Triste espectáculo

Os post do Prof. Massano Cardoso sobre a corrupção levam-me a fazer aqui um breve comentário sobre o triste espectáculo a que estamos assistir (e ainda a procissão vai no adro) na campanha eleitoral para as autárquicas. O estilo mudou radicalmente e, em vez dos habituais "mais saúde para o concelho" ou mais "mais qualidade de vida" surgem, sem grande distinção de partidos - infelizmente - as acusações veladas ao adversário.
Parece que o melhor que cada um tem a esperar dos seus autarcas é que não sejam corruptos, por isso se proclama "Mãos limpas" ou "Em boas mãos" ou outras subtilezas parecidas, como o "Polvorosa" ou "Seriedade", como se no momento do ajuste de contas se possa dizer alto o que se calou até então.
Confesso que não gosto do estilo. Se há coisas a denunciar, que se denunciem com frontalidade, para que se não repitam e sejam punidas, mas dar a entender que todos sabem mas que ainda assim se convive bem com isso é que realmente me repugna.
A política não se credibiliza pela negativa mas pela afirmação clara de princípios de conduta que depois têm que ser evidentes para a população.
Quem ande pelo País fora fica com a ideia de que somos um povo de acusadores anónimos, de "não-sei-se-estás-a-perceber..." , aumentando o descrédito e a suspeição sobre todos os que se atrevem a entrar "no meio".
Pode ser que ainda se corrija esta tendência, mas o que está à vista já é suficientemente mau para nos alarmarmos.

Graffitis e obesidade

Investigadores britânicos apontam para a hipótese de haver uma ligação entre os graffitis e a obesidade.
Os que vivem em zonas com poucos espaços verdes, com graffitis e lixo são mais obesas relativamente aos que vivem em zonas mais convidativas. As diferenças são significativas. É óbvio que, neste estudo, possam haver algumas variáveis de confundimento. Mesmo assim, não deixa de ser preocupante que, em muitas zonas das nossas cidades, as taxas de construção e, consequentemente, de ocupação, sejam elevadas, ao passo que os espaços verdes começam a rarear. Também é verdade que, nestas áreas, em que o excesso de construção é uma realidade começam a aparecer mais graffitis.
A obesidade e o excesso de peso começam a tomar proporções epidémicas. Todas as medidas são bem-vindas. Se for possível, combater os grafitis, os lixos e o excesso de construção, talvez os nossos compatriotas disponham de mais espaços verdes para se exercitarem em ambientes agradáveis.
Quem diria que os autarcas – responsáveis pelo ordenamento – poderiam também ter a sua quota-parte de responsabilidade na obesidade? Alguns são “obesos”, mas as causas são outras…

domingo, 21 de agosto de 2005

Violência psicológica


mente
Há muita violência psicológica sofrida em silêncio, mas que afecta seriamente quem a sofre e não dignifica o ser humano.
No Futebol, cuja Super Liga está a começar, tal violência também existe, a recato ou à plena luz e de que maneira.
Apresento 3 exemplos, entre muitos.
Eles são expressivos, porque evidenciam da maneira de ser dos dirigentes, todos figuras públicas e considerados elite da sociedade portuguesa.

1. Caso Miguel

O jogador do Benfica, Miguel, queixa-se de que o seu contrato foi “violentado”, isto é, alterado pelo Benfica, pelo que o rescindiu, para negociar com um clube estrangeiro.
O Benfica nega, mas entra nas negociações e estabelece contratualmente com o clube interessado na cedência, o Valência, uma cláusula em que Miguel teria que ler um comunicado, obviamente feito pelo Benfica. Nesse comunicado, jogador afirma que o está a ler de forma livre e voluntária, pede perdão aos sócios do Benfica pelo seu comportamento e elogia até a actuação do Presidente da Instituição que o obriga a tal leitura.
Após a mesma, o jogador afirma, preto no branco, que fora obrigado a tal acto, como condição da transferência.
A violência de que se revestiu o acto de leitura do comunicado para o jogador foi visível nas diversas transmissões televisivas, que explicitaram o pouco que conta a dignidade humana.

2. Caso Ricardo Carvalho

O jogador do Chelsea, Ricardo Carvalho afirmou a jornais portugueses que não compreendia que o seu treinador, Mourinho, não o escolhesse como titular do Chelsea.
Face aos regulamentos do clube, foi multado em cerca de 150.000 euros, correspondentes a 2 semanas de vencimento.
Aconteceu, no entanto, que, no primeiro treino após as declarações, Ricardo Carvalho foi repreendido pelo treinador na frente de todos os jogadores do Chelsea, e ridicularizado o seu QI, por não ter capacidade de compreensão do treinador.
Disseram também os jornais que não lhe foi consentido esboçar sequer uma simples justificação para as suas declarações.

3. Caso Nuno Valente

O jogador do F.C.Porto Nuno Valente foi “aconselhado” pelo seu clube a desistir de representar a selecção nacional, com base no facto de o seu estado físico não aguentar a sobreposição de jogos.
Como Nuno Valente não seguiu o “conselho”, deixou, inicialmente, de ser convocado para os jogos do F.C.Porto e, ultimamente, tem sido “obrigado” a treinar sozinho.

Se tudo isto acontece com figuras conhecidas e ídolos do público, o que não se passará com a generalidade das pessoas?
O homem continua, verdadeiramente, lobo do homem!...

sexta-feira, 19 de agosto de 2005

“Cigarreira de ouro cravejada de jóias”

As notícias sobre corrupção e tráfico de influências têm sido uma constante e não abonam nada sobre o estado de saúde da sociedade portuguesa. É indispensável uma cultura de responsabilidade e um comportamento ético que nos possam colocar numa posição cimeira. Recordo-me de um ensaio de um cientista francês que, há muitos anos, afirmava: “a proporção de desonestos, mentecaptos e corruptos é uma constante em todas as classes sociais”. Certo. Pode ser uma constante, mas temos a obrigação de contribuir para a sua redução. A este propósito, não posso deixar de contar uma pequena história. Não se passou comigo, mas sim com um colega britânico.

Nos anos setenta, um famoso pediatra britânico, conhecido pela sua erudição e muito respeitado, quer pelos doentes quer pelos colegas (chegou a exercer funções ao mais alto nível, inclusive, como pediatra da corte), foi convidado para se deslocar a um determinado hospital a fim de participar como elemento do júri de exame de médicos. O local e as instalações onde iria permanecer eram particularmente convidativos. Na mesma altura, um segundo examinador, igualmente bastante prestigiado, foi também convidado para participar nas provas.
O local paradisíaco e o hotel reconhecido pelas características luxuosas auguravam uma óptima estadia, não obstante o trabalho. Na véspera do exame final uma alta e muito distinta personalidade visitou o pediatra revelando, através de uma conversa muito complicada, que o seu querido sobrinho iria fazer exame no dia seguinte. Aproveitou a oportunidade para testemunhar o seu elevado apreço e estima por estar presente perante uma grande sumidade e, no seguimento, quis presenteá-lo como uma cigarreira de ouro cravejada de pedras preciosas, uma verdadeira jóia. O pediatra, homem de valores e de uma ética irrepreensível recusou a oferta. No dia seguinte, sentiu forte ansiedade na expectativa de poder encontrar o “sobrinho” e, eventualmente, o prejudicar – involuntariamente – na sequência do episódio da tentativa da oferta da cigarreira. Ficou satisfeito quando se apercebeu que não iria examinar o candidato.
No regresso de avião, refastelado na primeira classe, repisava mentalmente o episódio sentindo-se tranquilo por não ter feito o exame ao candidato, porque temia não ter sido capaz de imparcialidade. Durante estas lucubrações o colega que o acompanhava perguntou-lhe de supetão: - Philip, eu não me lembro, mas fuma? Enquanto fazia a pergunta retirava do bolso uma soberba cigarreira de ouro cravejada de pedras preciosas…
Hoje, não seria possível ter acesso a esta história, não só porque os médicos britânicos deixaram de fumar – numa elevadíssima percentagem – como também não é permitido fumar nos aviões.
Bom, entretanto o ouro e as pedras preciosas deverão continuar a ornamentar outros artefactos…

O que diriam?

miragem s(o)ariana

Suponhamos, numa hipótese a raiar o absurdo, que Cavaco Silva tinha erigido, como o grande objectivo revelado da sua candidatura, o combate com Mário Soares.
E que, na sequência, tinha sido Cavaco Silva a dizer: ”…Havia a ideia de que a candidatura de Mário Soares ia ser um passeio na Avenida da Liberdade, um plebiscito. Isso é mau para a democracia…”.
Se tal tivesse acontecido, qual não seria a gritaria dos comentadores, jornalistas e todo o pessoal bem pensante, intelectuais “self made” e quejandos a denunciar o vazio de ideias e de projecto do potencial candidato?
O que diriam, pergunto eu?

Teixeira dos Santos: the dog is watching you

Eis um bom exemplo de como se publica uma não notícia cujo propósito não é informar, mas pura e simplesmente desencadear os sentimentos mais primitivos entre os leitores (repare-se nos comentários). Mereceu título a toda a primeira página de um dos diários mais lidos em Portugal.

[Actualização] Como seria de esperar, o tema foi apanhado aqui. O mesmo já não aconteceu com a notícia da primeira página de O Independente. Neste caso o silêncio é de ouro.

O drama das aldeias serranas

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A cada Verão de chamas e incêndios reaparecem as imagens de aldeias e minúsculos povoados cercados pela ameaça de se verem reduzidos a cinzas. As populações ora se resignam ora resistem irresponsavelmente ao avanço das chamas. São na sua maioria idosos, alguns já incapacitados para o amanho regular da pequena leira de terra que lhes forneceu durante vidas o parco alimento que os faz subsistir numa miséria prolongada. Outros defendem, até à última gota de água, a casa que construíram a custo de uma poupança amealhada por terras de França ou do Luxemburgo. Escolheram o terreno herdado dos pais, muitas vezes no meio da floresta desordenada, longe de uma fiscalização mais apertada ou bem perto do silêncio complacente de fiscais e autarcas.

Esquecem-se todos e muitos de nós também que há décadas que estes povoados vêm sendo pasto de um outro incêndio sem chamas que lhes levam as almas para bem longe. A hemorragia demográfica rouba-lhes as novas gerações que aspiram a melhores condições de vida, esvazia-lhes a escola das crianças, quando não mesmo o cura da pequena capela plantada no adro cimeiro. Tudo se transforma em menos, salvo a floresta e o mato que avança em redor da aldeia, por baldios e leiras abandonadas.

Este é o verdadeiro drama das aldeias serranas e de tantas outras que polvilham o território. São o testemunho de um Portugal esquecido que apenas emerge para a opinião pública, quando a desgraça das chamas e as cinzas da sua passagem se revelam para que as câmaras de televisão registem o espectáculo indecoroso da incúria e da resignação.

quinta-feira, 18 de agosto de 2005

KORO

O interessante post da Suzana Toscano sobre Hikikomori que tive oportunidade de ler e uma bela reportagem emitida alguns dias antes na TV, sobre o mesmo assunto, despertou-me a atenção para as chamadas síndromas culturais.
Quase todos os povos apresentam um ou outro tipo de problemas que se encaixam perfeitamente num vasto grupo de doenças ou sindromas ligados à cultura. De um modo geral os povos orientais são mais propensos.
Além do Hikikomori, uma outra síndroma diz respeito à morte por excesso de trabalho designado por Karoshi. O primeiro caso foi descrito em 1969 num jovem de 29 anos trabalhador de um importante jornal. Nos finais dos anos oitenta, com o avolumar de casos em jovens quadros superiores das empresas que morriam subitamente, sem qualquer história prévia de doença, acabou por ser considerada como morte súbita ocupacional. Claro que tudo isto acontece no Japão e não é por acaso.
Outra síndroma curiosa tem a designação de Koro (“cabeça de tartaruga” em malaio e que é muito apropriada!). É um fenómeno de massas, qual verdadeira histeria, e que leva os atingidos a entrarem em pânico com medo de que o pénis encolha e desapareça dentro do corpo provocando a morte. Os chineses são mais atreitos e a explicação tem a ver com feitiçaria ou a crença de que determinados actos sexuais tais como relações com prostitutas ou masturbação possam perturbar o equilíbrio yin/yang. Consequência: redução do pénis e o seu desaparecimento no interior do corpo. Volta e não volta manifesta-se sob a forma epidémica.
Recordo-me de um jovem que, desde cedo, revelava ansiedade nas mais diversas situações. Um dia, já adulto, solicitou-me que o ajudasse porque o meato urinário estava a ficar cada vez mais largo. Estava com medo de que o pénis se rasgasse ao meio e, então, o que seria dele! Claro que o meato urinário era perfeitamente normal. Mas ele dizia que não. Chegou a afirmar: - Então o senhor doutor não está ver que está muito largo? Não vê! Olhe que está. Perguntei-lhe quando é que tudo isto começou. - Foi já há alguns meses. Tive relações com uma rapariga e ela deu-me uma bebida para me fazer feitiço. Desde então o buraquinho está a alargar-se cada vez mais. Estou com medo senhor doutor. Lá tentei controlá-lo o melhor possível e prescrevi uma medicação sintomática adequada ao caso.
Passados uns tempos, apareceu-me, desta vez, para eu lhe dar uma purga. – Uma purga? Para quê? Respondeu-me: - Para quê? Ora essa! Para deitar fora o mal que me fizeram. Então o senhor doutor não se recorda de eu lhe ter dito que uma rapariga deu-me uma mistela para fazer mal? Lá tentei explicar que isso não era provável. – Não é? Ai isso é que é! Pois olhe eu fui a uma das tais mulheres, compreende senhor doutor? – A uma bruxa? – Sim… e ela disse que tinham-me dado uma mistela e só posso livrar-me desse mal com uma purga. - Ah! – E, sabe senhor doutor, ela deu-me estas sementes para eu fazer um chá – e vai daí abre um lenço com umas coisas esquisitas brancas que não consegui identificar – só que eu não consigo beber isto. Fico com uns saibros de boca, que o senhor nem imagina. - Não imagino não! – Como eu não consigo tomar isto, o senhor doutor tem que dar qualquer coisa para me purgar! Foi tal a insistência e o desespero do homem que acabei por ter de lhe prescrever uns laxantes a fim de o purgar. Era novo e bastante forte, pelo que não lhe deverá ter feito muito mal.
Penso ter sido a primeira vez que fui utilizado como alternativa ao sistema nacional da bruxaria…

Precipitações

Ontem ouvi, incrédula, uma conferência de imprensa de militares que davam conta da sua indignação com as medidas anunciadas pelo Governo e que, a serem concretizadas, atingiriam o seu actual estatuto. Perguntados pelo jornalista até que ponto iriam os seus protestos, um dos militares disse que isso se veria, enfim, ainda não podiam adiantar nada, mas que o Senhor Ministro da Defesa teria dito, à despedida da audiência que lhes tinha dado, qualquer coisa como "Os senhores é que sabem o que hão-de fazer. Os senhores é que têm as armas..." Esta inacreditável frase (que eu saiba, não foi desmentida) foi ionvocada como possível resposta à jornalista, ou seja, se o próprio Ministro admitia que eles tinham as armas, ele lá sabia o que podia acontecer!
Ouvi também a notícia bombástica da "corrida às aposentações" por parte dos funcionários públicos, antes que o Governo ponha em prática a tão anunciada mudança no regime. Supunha eu que isto estivesse previsto. Mais, pensei que fosse desejado, tal o ênfase ameaçador com que as eventuais medidas foram divulgadas.
Enganei-me. O Governo, em pânico, apressou-se a mandar uma cartinha aos serviços para acalmar os ânimos, dizendo que não há motivo para precipitações porque o assunto ainda está a ser negociado com os sindicatos...!
Depois da revoada de medidas que deixaram exausto o ex-ministro das Finanças só de as anunciar, temos o rescaldo - vamos com calma, não levem isto muito a sério, é para conversarmos, logo se vê.
Mas cada um usa as armas que tem...

quarta-feira, 17 de agosto de 2005

O desígnio de Soares


Belém

Segundo percebi do que foi publicado sobre o desígnio do candidato Mário Soares expressos no programa Sociedade Aberta da SIC, ele resume-se a um combate político com Cavaco Silva.
“Vai ser um combate político interessante…”, referiu Soares.
E mais disse:”Havia a ideia de que a candidatura do Prof. Cavaco Silva ia ser um passeio na Avenida da Liberdade, um plebiscito. Isso é mau para a democracia…”.
Julgo que Soares foi corajoso e lúcido.
Corajoso, porque pretende dar luta a Cavaco; lúcido, porque apenas esse é o seu desígnio anunciado e não o de ser Presidente!...

“Discrepância paterna”

A Suzana Toscano fez um comentário interessante ao post “Quimeras”. Tal facto originou esta reflexão.

A desconfiança quanto à certeza da paternidade é muito antiga e tem a sua explicação em termos evolutivos. O investimento na descendência exige um grande esforço e dispêndio de energia, pelo que o pai necessita ter a certeza de que o filho é mesmo seu.
Esta breve observação resulta da publicação de um estudo efectuado na Grã-Bretanha em que os autores concluíram a existência de “discrepância paterna” na ordem dos 3,7%. Ou seja, um em cada 25 pais britânicos está a criar um filho que não é seu. Outros estudos já efectuados permitem concluir que a taxa de “discrepância paterna” pode variar entre 1 a 30% de acordo com as culturas e povos deste planeta.
Hoje, com as novas tecnologias, é possível avaliar com elevada precisão o grau de parentesco graças aos estudos do ADN.
A possibilidade de criação de registos de ADN para fins criminais, doenças hereditárias, base de dados que permitam a identificação de vítimas em caso de acidentes e de catástrofes e dadores de tecidos podem provocar alguns “incidentes”, não obstante todas as “garantias” dadas nesse sentido. Além de mais, através de sites na Internet podem ser enviadas amostras que permitem provar se um filho é ou não seu.
O risco de paranóia sobre a incerteza da paternidade pode ser facilmente despoletada provocando situações delicadas.
A este propósito ou despropósito, recordo-me de uma situação ocorrida há alguns anos, quando uma senhora, acompanhada da sua irmã me apareceu com todos os sintomas de uma depressão. Como tinha acabado de dar à luz pensei que poderia tratar-se de uma depressão pós parto. E, comecei a explicar à senhora que estas coisas ocorrem com uma certa frequência. De imediato, respondeu que os seus problemas não tinham a ver com o parto, até, porque já tivera outros filhos, mas sim devido ao filho. A resposta pôs-me confuso. Mas não deu tempo para permanecer neste estado, porque adiantou de seguida: - Oh senhor doutor, eu não sei se o bebé é filho do meu marido! – Como? – É verdade, não sei se o meu homem é ou não o pai. Explicou-me, então, que o marido era uma boa pessoa, mas às vezes ficava bruto e dava-lhe cabo do juízo. Há uns meses atrás, na sequência de uma grave discussão acabou por se envolver com uma pessoa conhecida que lhe tinha dado boleia. – Sabe, fomos para aquela zona da estrada velha que já não tem uso. – O senhor conhece, não conhece? – Claro que conheço! Passei por esses lados durante muitos anos. – Oh senhor doutor, não sei o que me deu. Foi só essa vez! Agora tremo toda de medo se o miúdo vier a ser parecido com ele e o meu homem descobrir que não é o pai. – Mas olhe, minha senhora, muito provavelmente o pai da criança é o seu marido. Vai ver que o miúdo vai parecer-se consigo. Já viu que na sua família quase todos se parecem uns com os outros? E, se não apresentar quaisquer semelhanças nem consigo, nem com o seu marido, lembre-se do velho ditado que diz que, quando um filho não é parecido nem com o pai, nem com a mãe, então dizemos, “é parecido com o padre da freguesia”. Riu-se.
Passados alguns anos vejo-a acompanhado do filho. – Viva! O seu catraio está crescido. É mesmo parecido consigo! – É verdade, senhor doutor, é muito parecido comigo. Riu-se e foi à sua vida acompanhada do gaiato meio endiabrado. E, enquanto via a afastar-se, ri-me ao mesmo tempo que recordava o velho ditado: “Filhos das minhas filhas, meus netos são. Filhos dos meus filhos serão ou não”…

Mais uma a arder


Desta feita ardeu parte significativa da Serra do Alvão, integrada no Parque Natural do Alvão.
Mais um acervo biológico desaparecido, depois da Arrábida, São Mamede, Serra da Estrela, Montesinho, Serras d´Aire e Candeeiros...
Será que este ano algum parque ou reserva escapará incólume?
Gostaria de conhecer a capacidade de regeneração de habitats e espécies existentes nas áreas protegidas devastadas pelos incêndios deste e dos anos transactos.
Haverá espécies-relíquia definitivamente desaparecidas?
Existindo capacidades regenerativa dos ecossistemas, quantos anos levará a recuperação dos habitats, designadamente dos habitats prioritários que ali existiam?
A regeneração far-se-à por processo natural ou obriga à "ajuda" e intervenção do Homem?
São respostas urgentes que se pedem ao Instituto da Conservação da Natureza.
Em primeiro lugar para, perante elas, realinhar as políticas de conservação e de protecção da biodiversidade.
Mas também para que seja o Executivo confrontado com a necessidade de criação de mecanismos especialmente aplicáveis a estes espaços na prevenção e combate aos incêndios florestais, dada a importância de primeira grandeza que lhes é, pelo menos no papel, oficialmente reconhecida.

As Palavras



São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio de Andrade

terça-feira, 16 de agosto de 2005

Watchdog: the dog is watching you

Entre anúncios precipitados de recessão e declarações entusiásticas de voluntarismo, há quem deseje assumir na blogosfera o papel de “watchdog” (post 994) da política portuguesa e chegue a anunciar o “sexto poder”, o da blogosfera, afirmando-se por entre a incapacidade dos primeiros cinco em regenerar a vida política portuguesa. A ideia de escrutínio sistemático do poder lançada por Pacheco Pereira, no decurso da “micro-causa” do acesso aos estudos da Ota e do TGV, parece assim reconfigurar-se em direcção a uma profusão de “mini-brothers” sedentos de denúncia e imaginando-se como guardiães de uma moral pública em acelerada degradação.

Felizmente que a blogosfera é um espaço de expressão da liberdade de opinião e se em alguma coisa ela revela potencialidades é na expressão de uma responsabilidade cívica de participação, de discussão de ideias e de escrutínio do exercício do poder. Qualquer destas perspectivas cai no âmbito do que é comum designar-se de exercício da cidadania. Estas foram as preocupações que orientaram a abertura de muitos blogs, nomeadamente os de carácter mais político, como é o caso do Quarta República.

Diferente é a perspectiva dos “watchdog”, nomeadamente quando alguns desses guardiães se manifestam sob a capa do anonimato, permitindo-lhes vasculhar, acusar, lançar suspeições, escrever as maiores barbaridades, sem que daí decorra o normal e saudável exercício da responsabilidade cívica e em alguns casos criminal. Esquecem-se os novos guardiães que os “watchdog” originais são sujeitos a uma ética e deontologia profissionais que a serem escrupulosamente respeitadas evitariam que mais de metade do que se tem escrito nos nossos jornais sobre abusos e desvios de poder fosse pura e simplesmente lançado no caixote do lixo.

A blogosfera é também, infelizmente, um extenso rol de casos de propagação de boatos, de lançamento de graves suspeições e de acusações muitas delas infundadas. Nela encontramos as expressões dos sentimentos mais mesquinhos, da ignorância militante e arrogante dos que se julgam tão conhecedores de tudo e mais alguma coisa.

Não creio que o Quarta República queira caminhar por aí.

segunda-feira, 15 de agosto de 2005

Cartoon

Dimensões

Termino, em dia feriado, a leitura de alguma imprensa.
Reflito nalguns comentários e análises que fui escutando neste prolongado fim-de-semana. A propósito da situação do País pouca preocupação continua a existir no debate sério que ajude a encontrar caminhos. Mais uma vez se falou do comportamento do senhor A. ou da personalidade de B e das suas relações com C.
Vem-me à memória uma frase batida - como cantava Sérgio Godinho -, recolhida já não sei bem onde:
As grandes mentes discutem ideias. As inteligências médias preocupam-se com factos. As cabeças mesquinhas discutem pessoas.


Contrastes

Acabaram há pouco os foguetes que ecoavam por todos os lados vindos das festas que há pelas aldeias em redor. Ontem foi a festa na Ericeira, saíram as traineiras em procissão, todas engalanadas, a última mais enfeitada porque transportava a imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem. Milhares de pessoas apinhavam-se ao longo do muro da arriba, num meio silêncio respeitoso quebrado pelos apitos estridentes dos barcos.-São 23!, dizia um miúdo, para logo recomeçar a contagem das luzinhas que se moviam no mar.As senhoras da terra tinham instalado cadeirinhas nos lugares estratégicos desde o princípio da tarde e era fácil encontrar os grupinhos dos que marcam encontro para festa no meio da multidão de veraneantes.A certa altura, um burburinho de protestos e um automóvel descapotável, com duas raparigas em pé e cantando ao som do rádio, a tentar abrir caminho onde obviamente não estava previsto passar nenhum automóvel. Quando perceberam em que consistia a festa e perante os protestos dos que tinham ficado só com vista para o carro, decidiram continuar a romper o magote de gente. - Vamos embora, isto aqui é só uns barcos...E lá devem ter ido levar para outras festas a sua forma de se divertirem.Por todo o país as aldeias animam-se em festas de Verão, feiras e música popular. Encontrei no Coentral, em Castanheira de Pêra, tudo preparado para o concerto da noite. Na véspera, a animação tinha acabado já rompia o dia e o calor intenso ainda não convidava a folias. O recinto estava muito bem organizado em tendas com produtos regionais, cheios de grinaldas em flores de papel e a comissão organizadora -"Tudo gente da terra que vive em Lisboa...", não escondia o seu orgulho pelo êxito conseguido. Mas o que me deixou verdadeiramente pasmada foi a magnifica "piscina fluvial" bem no centro de Castanheira, um verdadeiro "resort" com ilha artificial, dois barcos em forma de cisne, uns pequenos veleiros para passeios na baía que forma um dos lados da piscina, restaurante e um hotel na margem da "aqualândia". Muitas centenas de pessoas gozavam as delícias daquele oásis perdido no meio das aldeias despovoadas da Lousã, sabendo que, de hora a hora, seria o momento das ondas artificiais romperem a calmaria da piscina, para então o divertimento atingir o seu auge.
Festas na aldeia, bailaricos, febras na brasa, aldeias despovoadas, descapotáveis, procissões, incêndios, crise, piscinas à maneira de Hollywood. ..País de contrastes, este nosso Portugal.

domingo, 14 de agosto de 2005

“Quimeras”


Quimera

A medicina é uma das áreas mais deslumbrantes. Todos os dias surgem novas descobertas, algumas das quais são mesmo perturbantes.
A história de Jane ilustra bem estas afirmações. Aos 52 anos na sequência de grave doença renal, necessitava de uma transplantação. Foram efectuados exames de compatibilidade nos familiares mais próximos, já que a probabilidade é mais elevada. No entanto, os resultados dos exames acabaram por provocar mais inquietude ao seu problema. Tiveram de lhe comunicar que dos seus três filhos só um é que era efectivamente seu? Ah! Mas eram todos filhos do marido! A hipótese de troca não era plausível, já que trocar duas vezes e com o mesmo pai é praticamente impossível.
Durante cerca de dois anos foi debatido este assunto, até que os cientistas acabaram por concluír (após muitas discussões) que Jane era a fusão de dois embriões durante a gestação. Afinal, estavam perante uma quimera.
Parece que a situação não é tão rara como isso, e, com as novas técnicas de fertilização e de combate à esterilidade é de prever que comece a ocorrer com mais frequência.
Paralelamente, as evidências científicas apontam para uma frequência elevada de “microquimerismo”, ou seja troca de células entre a mãe e os filhos. Durante a gestação ocorre a passagem de células da mãe para o feto e vice-versa, as quais persistem durante décadas nos seus organismos. Deste modo, é possível que a mãe possua células dos seus diferentes filhos, as quais podem ser transmitidas aos mesmos, além das suas. Assim, um indivíduo pode possuir além das suas células, células da sua mãe, e até dos seus irmãos!
Qual o papel desta troca e perpetuação aos descendentes e ascendentes? Não se sabe bem. Mas, é possível que, entre outros, possam ter um papel reparador!
No caso da procriação utilizando as chamadas barrigas de aluguer, sabemos que pode haver a criação de laços de afecto emocional na mulher que se disponibilizou para “gerar” o embrião de um casal. E, se este facto por si é preocupante “justificando” inclusive o não cumprimento do acordo, muitas vezes de carácter comercial, então o que dizer se for provado que o novo ser transporta células das sua mãe de aluguer, as quais se podem transmitir a uma futura descendência?
Tudo aponta para que o “quimerismo” seja de facto frequente e talvez tenha alguma finalidade biológica. Se as “mães” de aluguer descobrirem que partilham células do seu hóspede e este da sua hospedeira, então, estão lançadas mais umas achas para agravar a confusão sobre a “propriedade” do fruto do ventre…

sábado, 13 de agosto de 2005

Haja decoro!

"O título não é meu, tenho pena. Porque é forte e é assim. Falta mesmo vergonha na cara de muito boa gente. O apelo ao decoro nacional vem de um ministro. De um artigo de opinião, assinado num jornal de ontem pelo ministro das Obras Públicas. Dá gosto ver ministros a escrever artigos de opinião em jornais. É muito europeu. Tantos ministros. Tantos artigos. Tantas opiniões. No mesmo Governo. Nos mesmos jornais".

Começa assim o artigo de opinião de Sérgio Figueiredo no Jornal de Negócios.

Vale a pena lê-lo todo.

Na Lua Vermelha

Hoje a lua estava vermelha, parecia que os incêndios que atormentam o nosso pobre país se tinham reflectido nela.
Já não conseguimos olhar a beleza das coisas sem pensar neste pesadelo que não tem fim, áreas e áreas ardidas, pelos vistos as supostamente protegidas ainda são mais vulneráveis que as outras...
Ouvi nos noticiários da rádio que "foi presa uma mulher que ateou pelo menos oito incêndios na zona de Leiria" e que já foram presas muitas dezenas de presumíveis incendiários. As notícias acrescentavam ainda o número de processos abertos pelo mesmo motivo - umas centenas - dando assim a ideia de que se estáa trabalhar bem e depressa para castigar os ditos incendiários.
Acontece que as notícias não falam do que se terá passado com as outras centenas anteriores, nem referem que presumíveis motivos terão tido os tais suspeitos, nem adiantam qualquer explicação para esta súbita paranóia nacional que cria incendiários por todo o lado sem que se consiga prevenir ou castigar o que conduz a isso.
Fica-se com a ideia de que é necessário ir dando a ilusão de que a culpa é de uns quantos criminosos que actuam em revoadas no tempo do calor, desviando-se assim as causas do desleixo, da irresponsabilidade e da falta de acção na prevenção dos incêndios... O mais certo é iniciar-se acesa polémica sobre alterações ao Código Penal, falarmos da falta de meios dos tribunais, das condições das prisões para encarcerar estes incendiários todos. Falarmos de tudo até que a próxima onda de calor nos mostre que continuamos a dormir à sombra da bananeira, se é que ainda vai haver sombras!

sexta-feira, 12 de agosto de 2005

Governadores civis e outros Governadores...


verde, por agora...

O seu mundo é o do ar condicionado e do recebimento certo no fim do mês…
A sua glória é dizer ao motorista que só tem meia hora para percorrer os próximos 100 quilómetros…porque não quer chegar atrasado…
O seu prestígio é medido pelo número de secretárias, preocupadas com a última mala L. Vuiton e pelo número de assessores, consultores e adjuntos, cada qual o mais ignorante, porque quem tem um olho é rei!...
Por isso não sabem, não compreendem, nem sonham qual o drama dos incêndios para as populações rurais…
…Que não é o da área ardida, mas o dos seus pinhais destruídos, das suas sementeiras queimadas, das suas colheitas desaparecidas, dos seus animais mortos, da sua casa calcinada…
…Que não é o da bio-diversidade atingida, mas o do seu sustento imediato e a prazo e o do fim de muita luta da vida e de muitos projectos futuros…
…Que não é o do número de fogos, maior ou menor, mas da perda de bens essenciais ao futuro dos seus filhos!...
O drama dos incêndios, não é o número, nem os hectares, nem a paisagem protegida danificada…que, tecnocraticamente, Governadores Civis, Ministros e Comunicação Social propalam…
…e passado pouco tempo esquecem…
O drama dos incêndios é a tecnocracia e burocracia instaladas atrás do ar condicionado, das secretárias, dos assessores e das câmaras de TV…
O drama dos incêndios é reduzir as tragédias pessoais a números… é a falta de afectividade, de solidariedade e de memória…
Sou muito sensível a estes dramas: afinal, se pude estudar, devo-o muito aos pinheiros que os meus pais iam vendendo, para financiar o curso dos filhos.
Devo muito aos pinheiros que não foram destruídos por incêndios!…

Um grande momento da medicina


Sir Joseph Lister e James Greenlees (Robert A Thom)
Em 12 de Agosto de 1865 (faz hoje 140 anos), James Greenlees de 12 anos deu entrada no Hospital Real de Glasgow com uma fractura exposta da sua perna esquerda causada pela roda de uma carroça.
O tratamento clássico consistia na mera aplicação de talas esperando a natural putrefacção dos tecidos a qual, irremediavelmente, levaria o rapaz à morte.
Nesse dia, o Professor Joseph Lister tentou um novo método: limpeza em profundidade da ferida com um soluto antisséptico e utilização de pensos embebidos no mesmo soluto: ácido carbólico.
A linha de raciocínio que esteve na base da aplicação deste novo método fundamentava-se nos trabalhos de Pasteur. De acordo com Pasteur a fermentação do vinho (originando vinagre) seria devido a microrganismos, sendo assim a putrefacção dos tecidos teriam uma causa semelhante: os microrganismos que infectam o vinho vêm do pó do ar, então os que contaminam as feridas terão a mesma origem e se o vinho pode ser protegido excluindo-os, do mesmo modo as feridas poderiam manter-se limpas.
Deste modo, 12 de Agosto pode ser considerado como a data do início de uma das mais notáveis revoluções médicas: a antissepsia.
A propósito, o jovem James Greenlees sobreviveu, assim como muitos milhões de pessoas a partir daquele momento.

Vale bem mais cair em graça

Louça apelou às televisões para não exibirem as chamas da desgraça nacional (as dos incêndios, claro).
Juntou a sua voz às demais que pediam o mesmo. Curioso é que nunca foram ouvidas essas outras vozes, ou então eu tenho estado relativamente surdo.
De imediato se fez sentir uma onda de simpatia pela patriótica ideia de Louçã.
Pergunto-me se seria comparável a reacção dos bem-pensantes se o que foi dito por Louçã tivesse sido dito pelas lideranças do PSD ou do PP. Imagino que cairia o Carmo e a Trindade.

quinta-feira, 11 de agosto de 2005

Em cinzas


Acabei de percorrer algumas das áreas florestais ardidas nos últimos dias na região centro.
É impressionante o rasto de destruição.
O pior de tudo são, sem dúvida nenhuma, as tragédias pessoais. Os dramas vividos por quem sempre se contentou com o pouco que amealhou durante uma vida inteira de sacrifícios e que vê, em poucas horas, transformar-se em cinza esse pouco de seu. A casa. O gado. A pequena courela...
Acresce a fatalidade de mais um factor de empobrecimento do País. Não só por causa dos prejuizos materiais resultantes da perda do que a floresta dá à economia. Já não seria de menos se fosse somente isso. Mas há a perda de acervos biológicos que demorarão décadas e décadas a reconstituir-se como é o caso da parte o Parque Natural da Serra da Estrela classificada como reserva biogenética. Esses não são contabilizáveis, constituíam um património infungível.
Furto-me nestes casos ao comentário fácil porque, como se vê pelo teor dos que são feitos pelos omnipresentes e omniscientes analistas da nossa praça, de comum se cai na mais absoluta mas dispensável demagogia quando se procuram à viva força culpados e responsáveis e se brada pelas condenações mais terríveis.
Gostaria, de todo o modo, de expressar o seguinte. Estou sinceramente convencido que este governo, como qualquer governo, está a fazer o que pode e o que sabe para combater esta desgraça. Mas continuo sem perceber porque é que, ao menos para a prevenção e vigilância, se não mobilizam as forças armadas. Os meios materiais e humanos das forças armadas não permitem cobrir todo o território? Que o façam então nas áreas florestais mais significativas, designadamente as das áreas protegidas. Essa mobilização foi experimentada no verão de 2002, com resultados a meu ver positivos, naturalmente sujeita a aperfeiçomentos e a uma mais cuidada articulação com os outros meios que nessa altura não houve oportunidade de pensar uma vez que o governo de então tinha acabado de tomar posse.
Uma outra coisa. Talvez porque estivesse particularmente sensível pelas imagens dantescas da floresta em cinzas, revoltaram-me as declarações de alguns dos senhores governadores civis que em coro e afinados se pronunciaram contra a declaração de calamidade pública. Não está sequer em causa saber-se se a situação justifica ou não essa declaração. O que me chocou foi o tom de um discurso que soou a um condenável desprezo pelos dramas de muitas famílias e pela ruína de muitos empresários. Caberia, ao menos, uma palavra de esperança para quem perdeu tudo ou quase tudo, em vez de declarações absurdas que chegaram ponto de defenderem que as situações de excepção e as medidas de auxilio previstas para estes casos só se devem verificar quando ocorre a perda de muitas vidas, o que não foi o caso.
Que significado terá para esta gente a palavra vida?
Todos são militantes do partido que faz da solidariedade a sua principal bandeira. Pelos vistos também esta se desfez em fumo!

Estou convencido que a exigida obediência à voz do dono não justificava tanto empenho. O dono por certo que o não exigiu em tamanha medida...