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domingo, 7 de agosto de 2005

Hikikomori

A revista "Pública" de 31 de Julho passado trazia uma reportagem tão interessante quanto preocupante sobre um fenómeno que se está a verificar no Japão e que afecta sobretudo os jovens que acabam os estudos e estão na fase de entrar na vida na vida profissional - o refúgio no isolamento total do seu quarto, a recusa de qualquer tipo de contacto, um autoflagelamento que pode durar anos a fio... O Hikikomori é a decisão radical de fuga á realidade, uma versão moderna do emparedamento mas por decisão do próprio, numa brutal manifestação de desgosto de si próprio perante padrões de vida e de comportamento que julgam, na sua visão deformada, não estarem ao seu alcance.
Segundo os diferentes depoimentos recolhidos na reportagem, o argumento comum a todos os que vivem a situação de Hikikomori é a constatação de que há , na sua perspectiva, um abismo intransponível, entre "a situação real e a situação ideal" de cada um ou seja, sentem-se profundamente dimuinuidos perante a pressão social para o sucesso e não estão preparados para vencer os obstáculos que se perfilam a qualquer adulto que começa a sua vida.
A violência da reacção dá uma ideia da violència da agressão - numa sociedade rica, em que a maioria dos jovens não conheceu dificuldades materiais e só perspectivou o sucesso, conclui-se que não estão preparados para a adversidade nem se sentem capazes de ser eles a contribuir, por sua vez, para a sociedade que lhes exige a contrapartida do que lhes proporcionou.
De facto, o equilíbrio tem que estar presente em qualquer modelo de desenvolvimento, e o estímulo ao êxito e ao sucesso pode ser um veneno letal se não for acompanhado da humanização do estilo de vida e da noção de que o sucesso não está só no vértice da pirâmide mas na conquista de cada degrau. Que é um caminho árduo e não uma dádiva á nossa espera.
Se tudo estiver padronizado para o super homem e não houver lugar para admitir que falhar e tentar de novo tem muito mais valor do que fechar-se num quarto ás escuras e deixar-se morrer antes de ter tentado, não é de admirar que se queira voltar ao útero materno.
Se pensarmos noutros pontos do globo onde se vê com desconfiança o sucesso e se está sempre pronto a tolerar a mediocridade, é caso para dizer "Nem tanto ao mar nem tanto à terra.."

3 comentários:

Massano Cardoso disse...

Cara Susana. Há dias a televisão apresentou uma reportagem sobre o assunto. É curioso que algumas patologias só se observam entre os japoneses. Quando comecei a ler o seu post – bela reflexão – lembrei-me de uma outra doença típica dos "olhinhos em bico": Karoshi – a morte por excesso de trabalho. Não temos casos de verdadeiros "Hikkimori", mas há alguns equivalentes. Quanto ao Karoshi estou convencido de que muito dificilmente ocorrerá um caso em Portugal...

Suzana Toscano disse...

Não vi a reportagem e tenho pena. Este artigo ficou-me gravado na memória - há tantas maneiras de exercer violência sobre as pessoas, como essa de que o massano Cardoso fala, que o direito à felicidade nas suas formas mais simples fica esmagado no meio de tantas teses sobre o sucesso. Uma utopia, em resumo.

Duarte disse...

Li atentamento esta súmula eloquente, esta opinião inspirada na reportagem da "Pública" e que reflecte não apenas uma realidade oriental, mas expõe as dificuldades dos jovens para enfrentar uma sociedade padronizada por valores que promovem o individualismo e sufocam os mais idealistas que sonharam ter uma vida diferente. Este texto fez-me reflectir, identificar condutas afins a esta que perturbam e deveriam motivar um debate profundo na nossa sociedade.