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segunda-feira, 27 de março de 2006

Nenhuns motivos para sorrir

Os dados das Contas Nacionais Trimestrais do INE relativos ao quarto trimestre de 2005 vieram confirmar não só o estado anémico da economia portuguesa, como fazer sobressair preocupações que indiciam que – infelizmente, e quem me dera estar enganado – esta situação não está próxima da acabar. Afinal, bem na esteira de recentes declarações do Primeiro-Ministro, quando admitiu que “o pior” ainda estaria para vir.
De facto, no último trimestre de 2005, e relativamente aos três meses anteriores, o PIB praticamente estagnou (+0.1%), tendo-se verificado que as componentes em que mais o crescimento se devia ter sustentado foram precisamente aquelas que desceram: o investimento (-0.5%) – que caiu pelo sexto (!) trimestre consecutivo – e as exportações (-0.2%). Ao contrário, o consumo público, comprovando que o controlo da despesa pública e a consolidação orçamental deixam ainda muito a desejar, subiu 0.3%. Sem surpresa, face ao mesmo período do ano anterior (o quarto trimestre de 2005), o valor do produto do país apenas subiu 0.7%, desta vez não penalizado pelas exportações (+2.3%), mas sim pela descida do investimento (de 4.7%). Mas, torno a salientar, infelizmente, das componentes da procura interna, o consumo público foi a que maior crescimento registou (+1.3%).
Enfim, comparando o conjunto do ano de 2005 com o que sucedeu em 2004, não encontramos quaisquer motivos para sorrir:
· A economia praticamente estagnou (crescimento do PIB de 0.3%) – e a União Europeia cresceu mais de 1%, o que significou mais um ano de divergência, isto é, mais um ano em que empobrecemos face à média europeia (o que já acontece consecutivamente desde 2000, com excepção de 2001);
· O investimento voltou a cair (e não foi pouco, 3.6%), pela terceira vez nos últimos quatro anos (a excepção foi 2004), confirmando a pouca confiança de empresários e investidores, quer nacionais, quer estrangeiros, na nossa economia;
· O consumo público subiu 1.7%, confirmando o que acima foi referido em termos trimestrais e homólogos, e que, infelizmente, muito pouco foi feito para travar a despesa do Estado no ano passado;
· Pior, bem pior, as exportações subiram apenas 0.9% – o que significa que temos que recuar até 1993, isto é, doze anos atrás (!), para encontrar um ano pior do que 2005 no que diz respeito à venda de produtos portugueses no estrangeiro. Se isto não é falta de competitividade, então não sei o que será…

Ora, enquanto o crescimento do nosso PIB não se sustentar na evolução das exportações e do investimento, não teremos possibilidade de conseguir um registo económico sólido, saudável e sustentado, que faça com que a convergência real para os padrões europeus possa voltar a ser uma realidade. Até pode suceder que o consumo público e privado sejam os motores do crescimento temporariamente (2-3 anos), a exemplo do que sucedeu – infelizmente, como agora se vê – nos anos de “vacas gordas” da segunda metade da década de 90. Mas acabaremos por voltar a uma situação semelhante à actual.
É, no fundo, a confirmação de que Portugal não entrou na moeda única suficientemente preparado para enfrentar as dificuldades de um ambiente económico novo, em que as “ajudas” do passado – as políticas monetária e cambial – não poderiam voltar a ser usadas para devolver, ainda que de forma artificial, competitividade à nossa economia. E em que, portanto, as nossas debilidades estruturais vieram todas ao de cima. Claro que, para a evolução de 2005 muito contribuiu o erro clamoroso que foi o aumento de impostos decidido em Maio do ano passado – mas não nos iludamos: sem isso, teríamos talvez mais duas ou três décimas de crescimento do PIB e não mais.
Por isso, quando o Primeiro-Ministro refere que o pior ainda está para vir – e que o mais difícil está por fazer –, julgo que tem toda a razão. Porque o que devia ter sido feito, e já há muito tempo, ainda não o foi. Mesmo da parte deste Governo, o que até agora se tem visto, pouco passa de boas intenções. De anúncios de cortes aqui, ou de reformas acolá – mas sabe-se que, das intenções à prática, por vezes vai uma distância enorme. Administração Pública, ambiente empresarial, justiça, legislação laboral e fiscalidade são, e já o escrevi várias vezes, as áreas que não poderão deixar de ser objecto de profundas revoluções. Articuladas, pensadas e… seguindo as tendências internacionais. Não temos nada a inventar – basta-nos não adiar, como infelizmente foi feito nos últimos largos anos, com os resultados que se vêem. Ou fazer mal: por exemplo, na fiscalidade, precisamos de grandes alterações – que não só (ainda) não foram feitas, como o que se fez foi aumentar os impostos! Ao contrário do que era preciso fazer e do que outros países têm feito. Basta-nos, no fundo, “copiar” o que outros países já têm feito em todas aquelas áreas (já agora: qual é o mal de copiar ou adaptar, se o que se copia ou adapta for bom? Se fosse mau é que era problemático…).
Se o não fizermos – e o mais rapidamente que pudermos –, as projecções que já se conhecem para 2006 e 2007, e que continuam a mostrar um crescimento económico raquítico (ainda que melhor do que em 2005) e abaixo da média europeia, e um aumento do desemprego (que já é record em quase 20 anos…) tenderão a eternizar-se no tempo, porque as alterações de que necessitamos levam tempo a produzir efeitos. Enfim, não encontro mesmo, e até ver, quaisquer motivos para sorrir…

5 comentários:

Tonibler disse...

Caro M. Frasquilho,

Mais medidas, não. Por favor, o que se pede são "desmedidas", não são medidas. Não se preocupem com fiscalidade, legislação, justiça, ambiente empresarial, não se incomodem, por favor! Acabem com tudo o que está escrito sobre qualquer desses assuntos!

Anthrax disse...

Caro M. Frasquilho,

Tal como já diversas vezes referi, não sou economista, não sou gestor e não percebo nada de números nem percentagens. Mas há outras coisas que percebo e outras coisas que conheço. E uma dessas coisa que conheço é o facto de que, um dos princípios básicos na programação neuro-linguística diz-nos que um indíviduo só vê aquilo que está programado para ver. De uma forma muito bacoca, isto quer, simplesmente dizer que cada um de nós vê aquilo que quer ver.

É a diferença entre ver um copo meio cheio ou meio vazio.

O discurso da "tanga" encetado pelo Dr. Durão Barroso, as políticas que se lhe sucederam (e que agora continuam), mais os constantes cenários de calamidade económica propagandeados pelos meios de comunicação social, programaram as pessoas para ver os horrores de uma catástrofe económica que não tem fim e muito menos deixa margem para qualquer tipo de esperança.

As pessoas que, por enquanto, ainda têm emprego estão desanimadas e desmotivadas. As pessoas que estão desempregadas, não têm qualquer perspectiva de vir a ter emprego num futuro próximo. E a tendência é para piorar.

Assim, se a economia são as pessoas, e as pessoas não têm ânimo, estão à espera que elas produzam o quê? Estão à espera que elas revitalizem o quê?

Os números, são apenas isso, números. Mas neste caso reflectem a incapacidade e a incompetência de quem gere em inverter a situação. Neste caso, quem gere não é um "gestor" e muito menos um "líder". Neste caso, quem gere é apenas mais um "merceeiro" de lápis atrás da orelha, que já não sabe o que fazer para arranjar mais dinheiro.

De facto é verdade, não há motivos para sorrir e exactamente porque sabemos disso, não só não vamos sorrir como também não vamos ver ninguém a sorrir. E se virmos alguém a sorrir é porque está a preparar-se para fazer alguma. Porquê? Porque aqui funcionam os comportamentos de grupo. Porque se virmos um maltrapilho a ajudar uma velhinha a atravessar a rua, a primeira coisa que vamos pensar é: "Aquele gajo vai catar a carteira à velhinha."

Que há um problema que tende a agravar-se cada vez mais, já todos o sabemos. Mas ele não se resolve só por ficarmos, fixamente, a olhar para ele. Se ficarmos a olhar fixamente para ele, a única coisa que vamos encontrar é mais detalhes do mesmo problema e o que nós precisamos é de soluções. Soluções que passem por fazer com que as pessoas voltem a acreditar, porque sem isto, não há economia que resista.

Miguel Frasquilho disse...

Meus caros, se afirmo que não há motivos para sorrir, também aponto os caminhos para que o voltemos a fazer!... E são caminhos em que acredito - por isso, nunca me verão desistir de os propôr, seja na fiscalidade, na justiça, nos recursos humanos ou na legislação laboral, por exemplo...
Agora, meu caro Tonibler, espero que não o ouçam... porque senão, ainda vamos mesmo nada fazer, ficar agarrados ao imobilismo e... aí é que não saímos mesmo desta difícil situação!!!...

Tonibler disse...

Espero que não, caro Miguel Frasquilho, porque diz a estatística - e se vivemos num país rico nesse aspecto - que a vida dos cidadãos se torna pior a seguir a qualquer medida. Porque cada medida para melhorar a justiça fiscal, certamente a vai piorar. Cada medida para acelerar a justiça a vai atrasar. Cada medida para melhorar a formação a vai piorar, etc.... É mentira? Não é, e vários posts seus focam isso.

Exemplo: Agora o imbecil do ministro do trabalho quer cortar o subsídio de desemprego aos desempregados que assinem o mútuo acordo de despedimento porque acha que a SS vai gastar menos com isso. Claro que vai gastar mais por causa do aumento de precaridade que isto implica. Amanhã está lá outro imbecil qualquer que vai tomar outra medida brilhante!

A solução é óbvia e é simplesmente desfazer. Fiscalidade? Afinal o que é que o país ganha por ter impostos? Os números que meteu no seu post diz que não ganha, só perde. Então? Tirando acabar com a fiscalidade, não há medida nenhuma positiva. Justiça? Lembra-se de alguma medida de jeito nos últimos 20 anos? "Umazinha", só para ficarmos mais animados...

Por isso caro Miguel Frasquilho, medidas que não sejam "desmedidas" , isto é, para desfazer profundamente o que está feito, nem quero ouvir falar!

Anthrax disse...

Caro Miguel,

O Miguel sempre apontou caminhos alternativos, desde que me lembro de ouvi-lo falar na televisão (e já lá vai algum tempo). É um facto, e acredite que tem uma legião de fans... bom, talvez uma legião seja um pouco exagerado, não sei, mas pelo menos eu conheço 2 pessoas que acreditam nas suas ideias e pode não ser uma multidão, mas já é alguma coisa.

No entanto, do que é que lhe vale falar para uma plateia de surdos?... É que ainda se fossem só surdos, era como o outro, adaptava-se a mensagem à linguagem gestual. Agora surdos e burros, ainda não inventaram uma vacina contra esta última.

Porque é que não experimenta a colocar o seu discurso ao contrário? (aproveite e não caia na asneira do amigo Tóni, não fale para trás. Fale para a frente). Já viu o Rei Leão?

O meu sobrinho de três anos, passa o tempo a ver o Rei Leão (ou passava, agora é mais Madagáscar), e nesse filme há uma parte em que o macaco e o Simba estão a falar acerca do passado e o leão diz ao babuíno que o passado não interessa porque já passou. Ora vai daí, o macaco dá-lhe uma paulada na cabeça e o leão pergunta-lhe porque é que ele fez isso. O babuíno responde-lhe que não importa porque já passou, é passado. E o Simba diz-lhe que já passou, mas dói. Pois dói, responde-lhe o macaco, mas a pergunta é o que é que vais fazer agora?

Não esquecer o passado é sempre uma boa ideia (principalmente quando se critica o encerramento de maternidades e depois se ouve o que não se quer), mas a questão é, o que é se vai fazer para a frente? Na minha óptica, a Finlândia parece-me um bom sítio para se começar já que o nosso PM gosta tanto dela que até a quer utilizar como exemplo.

Pena que o Miguel não trabalhe no sector da educação, ou desempenhe qualquer função nessa área, senão até lhe dizia como é que se podia candidatar aos nossos fundos comunitários (para especialistas e decisores políticos do sector da educação) e ía ver como é que os finlandeses funcionam (boa ideia, vou escrever sobre isso no meu blogue).

«Anyway», como eu estava a dizer a Finlândia é um bom ponto de partida para todo e qualquer discurso de oposição seja em que sector de actividade for, para isso basta conhecer as políticas finlandesas. Não sei como é que ainda não se lembraram de pegar por aí.