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sexta-feira, 14 de abril de 2006

Uma falsa questão


Muito se falou das férias judiciais enquanto factor redutor da produtividade nos Tribunais. Sempre me pareceu essa uma falsa questão, utilizada para dar a entender que se está a encarar de frente os problemas da justiça, e em particular os problemas da mora na justiça. Tomara o País que a principal razão do mau funcionamento da justiça residisse aí...
É o Governo que vem revelar agora um estudo indicando que, afinal, a situação das férias judiciais em Portugal não era invulgar se comparada com a situação nos restantes Estados europeus. E revela ainda que as férias pessoais dos juízes são nalguns casos de duração superior às que os magistrados gozam em Portugal.
Como se pode ver no esclarecedor quadro comparativo elaborado no portal Verbo Jurídico, que com a devida vénia acima reproduzimos.

11 comentários:

Anónimo disse...

Não nego, meu caro Pinho Cardão. Sou há muito crítico deste modelo de justiça, no qual mergulho todos os dias há já muitos anos.
As causas da crise são porfundas, não são superficiais. Por isso não se resolvem com paliativos.
O que sei é que em muitos actores dos palcos da justiça existe um misto de conformismo - "isto é mesmo assim, nada existe que possa fazer com que mude" - e, há que dizê-lo, de interesse de muitos em que assim continue.
Mas sei também que aos olhos dos cidadãos estas atitudes do faz-que-reforma-mas-nada-muda acabam por redundar na absoluta falta de credibilidade do sistema e de quem nele se move. E se existe sistema que depende de credibilidade, esse, meu caro Pinho Cardão, é precisamente o da justiça de que tanta coisa depende.
Mas enfim, não vou desfiar as contas desse imenso rosário...

Tonibler disse...

Não, JMFA. O problema está nos juízes fazerem as férias judiciais. E férias judiciais quando os processos se acumulam nos tribunais durante 10 anos não é um detalhe, é um insulto! Como seriam umas "férias hospitalares". E o facto de não existir tal absurdo de férias hospitalares não quer dizer que os médicos não tirem férias.

O quadro que mostra só me convence da absoluta necessidade de acabar com as férias judiciais, completamente.

Anónimo disse...

Meu caro Tonibler, tomaramos todos que o meu Amigo tivesse razão. Mas infelizmente não tem. Os problemas são bem mais complexos do que a questão das férias judiciais. Por isso é que a medida tem o mesmo valor da venda de alguns fármacos fora das farmácias. Nesta última, nenhuma vantagem para a saúde dos portugueses resultou. Poderá ter resultado algum cómodo. No caso das férias judiciais é o mesmo. A saúde da justiça também não melhorará.
Agora que se conseguiu criar a ilusão de que são decisões essenciais, lá isso é verdade.
Aliás vamos ver daqui a uns anos se as pendências diminuiram por via da alteração das férias judiciais.
Há mais de 20 anos que advogo. Poucos foram os anos em que gozei um mês de férias. E creio que o mesmo se passará com os bons magistrados.
Pode ser que um dia, com paciência, ainda desfie por aqui o rol de experiências vividas, significativas de alguns problemas do sistema. Por ora, confesso que para já me falta a pachorra.

Tonibler disse...

Caro JMFA,

Eu não disse que o problema da justiça portuguesa estava nas férias. Sempre disse que está no direito português e que enquanto não se limpar a letra e o espírito, não há solução mecânica que resolva.
Agora, serviço fundamental não vai de férias, não fecha, não dorme, não come. Muito menos quando está atrasado. Ou então, não é serviço fundamental, já ninguém lhe liga nenhuma, passamos todos perfeitamente sem ele e....olhe, acabei a descrever o sistema de justiça portuguesa. Curioso...

Anónimo disse...

Meu caro Tonibler, não resisto a duas notas adicionais.
Primeira: o nosso Direito não é diferente, no essencial, dos ordenamentos dos restantes Estados que nos são culturalmente próximos. Aliás, se alguma crítica pode ser feita ao sistema jurídico nacional é a de que, com raras excepções, o legislador em pequena medida atende à especificidade da nossa sociedade, sendo quase sempre um "estrangeirado". O que sucede é que se mediatizaram de tal forma os problemas da justiça que uma decisão socialmente mal acolhida - ainda que faça boa aplicação da lei - ganha um relevo que no passado não tinha.
Quer isto dizer que o Direito é mau? Não. Quer tão somente dizer que se formou a convicção pública de que temos más leis ou má aplicação das leis que temos. Muito diferente, meu caro Tonibler.
Quero com isto significar que o que é mau é a mediatização da justiça? Honestamente não sei. Tenho ideia de que, quando feita por maus profissionais ou gente pouco esclarecida nos assuntos jurídicos e especialmente judiciais, é factor de grande confusão e incompreensão, ainda para mais alimentada por muitos que, dentro do sistema, tudo fazem para que a justiça seja feita fora dele. É a ressuscitação do conceito de "justiça popular", adaptado aos novos tempos. Ora, toda a justiça assente em paixões e no irracionalismo próprio das massas, é perigosa por não servir o interesse objectivo da descoberta da verdade, mas quase sempre porque prossegue os interesses individuais ou do grupo a quem interessa a manipulação (fácil) da opinião pública.
Segunda breve observação ao escrito do meu caro Tonibler. Pode passar despercebido a quem não lida diariamente com estas coisas, mas o "serviço fundamental" como lhe chama, está na justiça - ao contrário de alguns outros sistemas fundamentais - assegurado. Os tribunais, ao contrário do que é crença geral, não fecham nas férias. Nem mesmo em Agosto em que muitas empresas o fazem. Continuam a funcionar e a conhecer dos processos aos quais a lei imprime a natureza de urgentes. E, creia o meu Amigo, são muitos esses processos. Cada vez mais.

Tonibler disse...

Caro JMFA,

o sistema jurídico nacional é desprovido de lógica. Se isto funciona em povos mais burros que o português, no nosso não funciona. Ninguém sabe que regras regem que relações. E aquelas que pensamos saber, descobrimos que afinal "havia outra". Com a mediatização da justiça ficámos a saber que há quem fique 4 anos preso preventivamente, numa boa aplicação da lei. Outra boa aplicação da lei, pôs os representantes do povo sob escuta quando, em boa aplicação da lei, tal não poderia ser feito ao juiz. Que as relações entre consumidor e fornecedor se regem por 700 artigos específicos mas, ainda assim, o legislador se prepara para mais qualquer coisa sobre autoestradas e portagens, porque os 700 artigos específicos ao consumo não são específicos o suficiente para portagens. Isto para falar de 3 "coizinhas" que me lembrei agora, mas vivemos todos os dias rodeados destas "coizinhas" que fazem de nós um país sem direito, por muito que os seus agentes gostem de acreditar o contrário.

Caro JMFA, toda a gente evita a justiça portuguesa. Toda. As relações comerciais já são escritas de forma a evitar o recuso à justiça, os spreads do crédito são feitos a pensar que o tribunal não vai decidir nunca, os prazos de pagamento são orientados a pensar na perda total, os contratos de aluguer são feitos sem direitos para o locatário para que não seja preciso tribunal. Esta é a realidade do seu país, que conhece de certeza. Eu de direito não vejo um boi. Se o problema não está na letra, não está no espírito, então está na carne. Vamos despedir o sistema de justiça todo, que é indigno. Se estão 10 anos atrasados, não me venham falar de férias. Nem de hora de almoço, quanto mais de férias...

Anónimo disse...

Meu caro Toniber:
Definitivamente não resisto às suas estimulantes provocações:
Sobre o seu último comentário, digo:

a)A justiça e a paz social não se realizam - não se devem realizar - só nos tribunais. Por isso não o devem espantar todos os exemplos de prevenção de litígios ou de resolução não judicial de conflitos que deu. Um bom contrato é justamente aquele que encerra mecanismos de resolução "automática" de potenciais desentendimentos sobre o cumprimento das suas clausulas;

b) Quando se sentir assaltado pela terrível angústia dessas dúvidas sobre a "letra" e o "espírito" da lei, consulte o meu Amigo um Advogado. Vai ver que se sentirá mais esclarecido e seguramente mais aliviado. A propósito, conheço um bom ... ;)

Anónimo disse...

Meu caro Reis Soares:
Não é cumulativo. Os magistrados gozam férias como qualquer funcionário público. Outra coisa são as férias judiciais em que, nos processos não urgentes, os prazos judiciais se suspendem. Os (bons) magistrados, como os restantes (bons) profissionais do foro, trabalham nas férias judiciais (se não estiverem nesse período, coincidentemente, em gozo de férias pessoais) nos processos que têm em mãos, que obviamente, e a despeito da suspensão dos prazos, não se encontram (os processos, não os magistrados) mergulhados em criogénio.

Tonibler disse...

Caro JFMA,

Os casos de que falo não são questões contratuais específicas, são standards de mercado. Por exemplo, na questão do crédito se assumir que não existe justiça, tenho que assumir que um atraso no pagamento de 6 meses equivale a perder tudo. É o que fazem os bancos, assumem que perdem tudo e fazem incidir essa perda sobre todo o crédito quando a coisa se resolve pela estatística ou exigem garantias estapafúrdias nos empréstimos maiores. Como resultado, a falta da justiça é um imposto que incide sobre toda a sociedade, que faz dos ricos mais ricos e dos pobres mais pobres, como todos os impostos.

Não duvido da enorme capacidade desse advogado, mas honestamente, gostaria de recorrer a advogados quando acrescentam valor e não quando reduzem as perdas. E é para isto que hoje servem, para reduzir perdas. Mas quando o Rotweiler (como os meus amigos chamam à minha advogada) não der para tudo (que pode ser bom ou mau), lembrar-me-ei desse advogado, sim ...

Virus disse...

Expliquem-me lá uma coisa:

Deve haver toneladas de juízes no UK, se os srs. juízes tiram pelo menos 6 a 7 meses de férias e o sistema deles funciona (melhor e mais célere que o nosso), mais os 2 meses de férias judiciais?

Qual é o segredo da produtividade deles?

- Melhores condições de trabalho?
- Menos processos?
- Menos "processos-palhaçada"?
- Mais casos resolvidos fora dos tribunais?

Enfim... não sei, graças a Deus não sou advogado, por isso expliquem-me lá outra vez?

Anónimo disse...

Eu vi logo que o Tonibler estava bem "guardado" contra o "espírito" e a "letra"...