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sexta-feira, 11 de agosto de 2006

"Feiticeiros"

Há alguns anos, numa curta estadia na adorável cidade de Bolonha, ao passear à noite debaixo das convidativas arcadas, chamou-me a atenção alguns indivíduos vestidos de negro, sentados nas soleiras das portas a pegar nas mãos de senhoras e meninas. Pensei: - Que raio de namoro é este! Afastados um do outro, numa cumplicidade esquisita, escondidos e simultaneamente à mostra, espalhavam-se ao longo das arcadas, contribuindo para adensar o ar de mistério típico daquela parte da cidade. A minha perplexidade foi tal que o meu colega, italiano, começou a rir e explicou-me o que se passava: - São consultas de rua dos nossos feiticeiros! - Feiticeiros? Aqui? Em Bolonha, cidade universitária? Tantos? - Ora, ora, o que dirias se fosses a Turim! Turim é a cidade do mundo com a maior densidade de bruxos por metro quadrado.
O fenómeno não é apanágio dos povos menos desenvolvidos. Em Itália o ocultismo é prática corrente. Dizem que há mais de 100.000 feiticeiros em tempo integral, três vezes mais do que sacerdotes católicos.
Para um homem de ciência determinados tipos de comportamento incomodam. Seria de esperar que à medida que os conhecimentos, a cultura e a ciência vão crescendo e se democratizam fossem acompanhados da eliminação ou redução de certas práticas. Mas não. Não acontece nem nunca virá a acontecer.
Se analisarmos as actuais relações entre ciência, religião e espiritualidade da New Age verificamos alguns aspectos curiosos. A ciência separou-se da religião e adquiriu o estatuto que todos reconhecemos. A religião entrou em conflito, gerou reacções negativas que ainda hoje perduram, teve necessidade de criar lóbis contra certas descobertas da ciência que, sendo difíceis de assimilar, abalam certos princípios teológicos, caso da evolução natural e das descobertas na esfera da biologia, factos que irão obrigar a adopção de novas atitudes e favorecer o aparecimento de religiões menos dogmatizadas, logo, não incompatíveis com a ciência. O que é certo é que o número de crentes não tem diminuído, pelo contrário, em muitos países verifica-se um incremento, mas também uma viragem com preocupação muito séria nas áreas sociais e culturais e menos nos problemas teológicos.
No tocante à espiritualidade da New Age, equivalente da função psicológica da religião, mas separada desta, apesar do conflito com a ciência ser menos intensa, não deixa de a considerar, frequentemente, como alienante e potencialmente catastrófica nas suas acções. Claro que os cientistas consideram este tipo de espiritualidade como perigosa. É curioso o facto da New Age usar a "ciência" para adquirir credibilidade, até certo ponto, porque logo a seguir não quer obedecer às regras científicas. Desde a homeopatia ao uso dos cristais, das cores, dos cheiros, passando pelas filosofias mais variadas, todas promotoras de cura, a racionalidade científica é afastada a todo o transe.
O crescente populismo destas práticas é uma realidade. Muitas delas até estão regulamentadas por lei, outras à espera. Sendo assim, porque admirarmos com o facto de, por exemplo, no Zimbabué, a feitiçaria passar a ser permitida por lei (desde que não seja usada para fazer mal a alguém!)? Para o governo se o sobrenatural existe nada melhor do que a legalização de muitas práticas tradicionais.
O irracional é intrinsecamente humano e nunca desaparecerá.
Quanto à feitiçaria nacional, apesar de não estar totalmente legalizada, tem bons cultivadores, desde artistas desempregados a comentadores televisivos, passando por alguns membros do governo e da assembleia da república. Mas precisam de cursos de especialização. Para isso tanto podem ir a Turim como ao Zimbabué... Clientes não faltam, nem nunca faltarão!
Religião, espiritualidade e ciência têm futuro e terão de conviver com mais ou menos conflituosidade, dependendo do grau de tolerância de cada uma.

5 comentários:

Tonibler disse...

Pois. Aliás, prof., se vir a quantidade de cremes rejuvenescedores consumidos pelas mulheres mais cultas e educadas, a preços completamente estapafúrdios, percebe-se logo que esta coisa de ciência só interessa de quando em vez....Não lhes vai dizer que o creme não as vai fazer mais novas, pois não? Eu cá não vou. Livra!...

Roberto Gorjão disse...

Creio que o artigo falha uma simples questão matemática: se em Itália existem 100.000 feiticeiros mais 1/3 deste número de sacerdotes católicos, então temos um total de, pelo menos, 133.333 feiticeiros!

Massano Cardoso disse...

Caro Pinho Cardão

Compreendo a sua posição que não deixa de ser, simultaneamente, uma manifestação de inteligência e de tolerância. De qualquer forma certas descobertas abalam e continuam a abalar certos sectores e estruturas religiosas que reagem da maneira que todos conhecemos.
Quanto à Bíblia ou qualquer outro livro que sintetize as diferentes cosmogonias, nada há a apontar, pelo contrário, são belas obras e sem quais as quais não podemos passar, contribuindo para o nosso desenvolvimento. Pessoalmente, e no tocante à Bíblia, posso dizer-lhe que adoro três dos vários livros do Antigo Testamento: o Génesis, os Livros dos Reis e o Levítico. Este último é citado por mim, nas minhas aulas como um dos primeiros livros de higiene, conduta social e alimentar testemunho da evolução.
Eu sou capaz de interpretar o alcance das obras, mas sei que existe um certo grau de intolerância, devido ao facto de determinados princípios teológicos serem “postos” em causa. Não é só no caso da evolução das espécies, mas também na manipulação e “criação” da vida entre outros aspectos.
A ciência evolui, as verdades vão sendo substituídas por outras numa procura incessante da “verdade absoluta” que, muito provavelmente, nunca será atingida, e ainda bem, porque nesse momento já não seríamos humanos, mas qualquer outra coisa que eu como humano não consigo entender.

Eppur si muove!

RuiVasco disse...

Perdoem-me a intromissão. Concordo, totalmente, com o caro P.Cardão e "nihil obstat" à resposta do Prof.
Não será, sr Professor, que a resposta está contida na sua própria expressão:
"..incessante busca da "verdade absoluta"...que, provavelmente, nunca será atingida".
Não é aqui que convergem os argumentos usados?
Não pretende a Ciência, por vezes, argumentar contra as verdades das Igrejas ( ou da Bíblia, se quiserem),porque as descobertas da Ciência colocam em causa as "verdades" da fé? Que, como no caso da "Criação", nem sequer é um dogma de fé?
E as "verdades evoluem", como diz e eu concordo, mas...até quando?

Os abalos referidos, decorrem mais de análises de homens, cientistas ou das igrejas, do que da verdade essencial que cada um defende e ou acredita! Com razão e sem razões, em ambas as partes, na maioria dos casos!

Adriano Volframista disse...

Prof Massano Cardoso

Nâo tivemos um primeiro ministro que se chamava Pedro Santana Lopes?
Quer maior feiticeiro do que ele?
Ou que tal António Guterres?
Cumprimentos
Adriano Volframista