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terça-feira, 1 de maio de 2007

Cibercondria

Uma pessoa amiga foi comprar um novo teclado para o computador e lá vinha um aviso em letras gigantes: “Não nos responsabilizamos por danos físicos resultantes do uso do teclado” ou qualquer coisa parecida que alertava para a ameaça das tendinites. Ou seja, escreva, mas se ficar doente é lá consigo!
Quando se compra um maço de cigarros, lá vêem as letras garrafais, absolutamente sinistras, capazes de, só por si, provocar as mais graves doenças. Se compramos uma coca cola ou pacote de batatas fritas (comprávamos! agora quem é que se atreve?) lá está toda a informação capaz de estragar a gula mais empedernida.
Dizem agora no Prós e Contra que os cereais, esses salvadores dos comedores de pão com manteiga e da saudosa meia de leite, afinal fazem mal, provocam diabetes. Mas o café com leite também não dá grande saúde, parece que não liga bem. E a manteiga, pecado, o que faz mal não é o pão...se não tiver muito sal.
A hipertensão é hereditária, o cancro também, pelo menos de alguns já se sabe, a carne vermelha não, mais vale a branca, alto, os frangos é só hormonas, e se formos vegetarianos? Cuidado, olha os desequilíbrios das proteínas, e as anorexias. Os açúcares dão cabo dos dentes, tome leite com cálcio, cuidado com o cálcio a mais, não fale ao telemóvel, só mesmo se a decisão for sua, não há a certeza de provocar cancro. Informe-se. Informe-se, só não sabe quem não quer, responsabilize-se, está nas suas mãos, depois não diga que não avisámos, já viu a que aconteceu a..e ao… e se viveu sentado, e se correu demais, ai tens stress, vais ter um lindo fim, ai não tens, és desinteressado, ou estás deprimido?
Falei hoje com uma pessoa que anda há um mês em pânico, a fazer exames médicos porque fez 50 anos. Uma prática saudável, disse-me, e é verdade. Mas, para além de recuperar dos exames, vai ter que fazer ginástica, dieta, descansar, não se irritar, não fumar, tudo coisas que não pode ou não se sente com coragem para fazer. Em alternativa, ganhou pavor de ficar doente, caso não faça. Está obcecado.
A minha mãe deu-me um chocolate, “lembrei-me que é o teu preferido”, e eu quase achei um acto de agressão, agora está ali a tentar-me e eu a ver o programa da obesidade…
O El País desta semana tem um artigo, “La Cibercondria arrasa” onde fala da psicose da doenças, referindo que os médicos deixaram de ser a principal fonte de informação sanitária para dar esse lugar à Internet, mas que o Presidente da Sociedade Espanhola de Medicina Psicossomática avisa: “O excesso de informação gera intranquilidade e infelicidade”.
Prof. Massano, por favor não me excomungue!, os seus conselhos são amigos, esclarecidos e sensatos, o que nos mata é esta publicidade/informação enlouquecida que nos anula qualquer gesto para alimentar a família…

6 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem escrito. Nem parece prosa de quem esteve no Governo... que, como se sabido, não é dado a literaturas). Eu sinto o mesmo, mas resolvo o problema seguindo o conselho de Carlos Pimenta: "O segredo é variar os venenos" (parece que apreendeu alguma coisa quando esteve no ministério do Ambiente) Além do mais, digo eu, o prazer está na variedade.
J.R.

Suzana Toscano disse...

Belo conselho, de facto. Também, não há outro remédio!E a passagem pelo Governo nem sempre consome todas as energias :)

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
Belíssima cartilha. E que bem escrita e apresentada.
É trágico no fim, confirmarmos o que já sabíamos: o que fazer então? Alguma coisa tem que ser! Mas o quê? Não admira que fiquemos deprimidos, sem saber para onde nos virarmos.
E o marketing às "toneladas" que anda por toda a parte alimenta a dúvida permanente. Deve ser esse o objectivo!
Mas ainda assim, há coisas melhores que outras e outras piores que outras coisas. De uma coisa tenho "quase" a certeza: FUMAR MATA. E de outra não me convenço do contrário: OS CEREAIS FAZEM BEM À SAÚDE.
Afinal também temos direito a ter, até prova em contrário, as nossas pequenas certezas!

Bartolomeu disse...

A proposito do elevado índice de analfabetísmo, durante o regime político em que Salazar foi Presidente do Conselho, dizia-se que esta situação conheceu uma reviravolta, devido à necessiada de os cidadãos não poderem evocar desconhecimento da lei, por não saberem ler.
Em resumo, os tribunais teriam alguma dificuldade em sentenciar, uma vez que o acto de acusação estava previsto na lei, mas o reu desconhecia a lei porque não sabia ler. Se esão a ler este comentario, talvez estejam a pensar em que ponto é que isto se liga com o assunto do post que a D. Suzana nos trouxe.
Eu diria que na base de tudo está o saber ler e logo a seguir, ou em simultâneo, conseguir equacionar o que se leu. Este equacionar, relaciona-se com entender, e, meus caríssimos amigos, nem me atrevo imaginar que nuns escassos 15 a 20 anos tenhamos perdido a capacidade de nos sabermos alimentar do melhor modo e de saber excluir aquilo que pela sua composição não é indicado. Digo mais... estamos em posse de todos os dados que nos possiblitam optar pelos alimentos indicados a uma alimentação equilibrada. Imagino que estejam a pensar precisamente na dificuldade em encontrar nas grandes superfícies comerciais, os vegetais e os frutos que não tenham sido mantidos em frigoríficos, e cuja aparência de qualidade não seja devida a um tratamento com inúmeros produtos químicos. No que respeita as bebidas, sumos, etc. a solução passa simplesmente por deixar de os consumir. Não é uma decisão fácil, sobretudo para quem tem filhos pequenos, no entanto, é necessário que seja radical e passa por simplesmente deixar de as comprar. Não havendo, não se consomem. Resumindo: em minha opinião, a gestão dos produtos que deverão compor a nossa alimentação, está directamente ligada com os nossos paladares e conhecimento da qualidade dos produtos e dos locais onde poderão ser adquiridos. De outro modo terá cada um de nós contratar um gestor alimentar.

Virus disse...

Os meu caros desculpem lá qualquer coisinha, mas este texto é uma excelente análise da sociedade em que vivemos, que é a sociedade da DESRESPONSABILIZAÇÃO... e isto é um mal que vem do lado dos "amaricanos". Passo a explicar...

Quem já não viu (bom... se calhar muita gente, mas agora também já se vê nos manuais cá pela Europa) manuais de máquinas de lavar, micro-ondas e outras com alertas a chamar a atenção para o facto de não se poder meter animais vivos, bébes e outras coisas do género dentro desses aparelhos? Quem já não viu os maços de tabaco com os alertas do perigo para a saúde? Quem não viu os alertas para a utilização de consolas de jogos (e outros tais) sobre as possibilidades de ataques epilépticos em caso de utilização intensiva e prolongada? Quem nunca viu... enfim, tretas...

Todas as pessoas sabem que tudo o que é em excesso faz mal à saúde. Desde a comida, ao uso de computadores, à bebida (alcóol ou não), ao tabaco, à religião, ao futebol, à política... ao que quer que seja!

Porque é que insistimos em desresponsabilizar o individuo pelos seus actos, escolhas de vida e decisões, e insistimos em responsabilizar as instituições e sociedade que nós próprios enquanto indivíduos estamos a criar?

Qualquer dia há um aluno que resolve processar a faculdade por fazer exames escritos com mais de 45 mn. de duração, alegando que lhe causou uma tendinite e prejudicou a saúde...

Não é o excesso de informação que é perigoso... é a forma como se utiliza essa informação. E quando é utilizada, por exemplo, por individuos que lêem um texto na Internet e já se consideram Doutorados em Medicina então o caldo está entornado!

Pinho Cardão disse...

Resumindo:
1.Anda tudo maluco
2. Em nome dos bons conselhos, os médicos das especialidade lá vão fazendo a sua propagandazita...
3. Em nome dos bons conselhos, as marcas lá vão fazendo a sua publicidade...
4.Em nome de não sei de quê, os livrinhos de instruções que acompanhavam os automóveis e os electrodomésticos tornaram-se tão volumosos que ninguém os lê. Sendo que o grosso das páginas é de chamadas de atenção para os enormes perigos que se correm ao abrir as portas dos carros,ao pôr o carro a trabalhar, ao abrir os vidros, ao encher os pneus, ao meter combustível, ao utilizar os travões, ao virar à direita e à esquerda...eu sei lá... Por isso, termino como comecei
5. Anda tudo maluco e o rei vai nu e ninguém quer ver.