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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Cuidado com as aparentes melhorias...

Tenho acompanhado, de longe pois as notícias não só são pouco abundantes em informação como também não são muitas, a agudização do desentendimento entre o governo e as instituições particulares de solidariedade social (IPSS) por causa do novo regime de actividades educativas estabelecido pelo ministério da educação para o 1º ciclo do ensino básico.
Todos sabemos e lamentamos que as escolas da rede pública do 1º ciclo do ensino básico não dêem resposta às necessidades das famílias, designadamente no que se refere a horários de funcionamento e a actividades complementares à educação básica que enriqueçam as competências das crianças.
A não adequação dos horários de funcionamento destas escolas às exigências da vida pessoal e profissional das famílias constitui um grave problema para muitos pais que não têm condições para ir buscar os seus filhos às escolas ao início ou a meio da tarde e que na impossibilidade de o fazerem recorrem a esquemas de guarda e de ocupação dos tempos extra horário escolar que não oferecem estabilidade e não contribuem para um crescimento completo e feliz dos filhos, para além de que as "soluções" envolvem muitas vezes um elevado esforço económico que o rendimento médio das famílias de baixos recursos não comporta.
Esta falha de resposta da escola pública às novas realidades familiar, económica e social tem sido colmatada através de uma vasta rede de IPSS, mais concretamente através dos equipamentos de Actividades de Tempos Livres (ATL) que acolhem as crianças antes e depois dos horários normais de funcionamento da escola. À tarde o horário praticado pode ir até às 19h, tendo em conta as necessidades específicas das populações servidas. Esta rede é subsidiada pelo Estado através de contratos de cooperação. São cerca de 1.200 os ATL sob a gestão de IPSS, espalhados por todo o País, que proporcionam a cerca de 100.000 crianças do 1º ciclo do ensino básico um conjunto vasto de actividades artísticas, físicas e desportivas e línguas estrangeiras. As IPSS desempenham, como todos sabemos, uma importantíssima função social em Portugal.
O ministério da educação decidiu em 2006 instituir as "Actividades de Enriquecimento Curricular" nas escolas do 1º ciclo alargando o seu horário de funcionamento até às 17h30. Com esta decisão são transferidas para estes estabelecimentos as actividades de tempos livres até agora desenvolvidas pelas IPSS, com o correspondente corte no seu financiamento.
Não estando em causa uma decisão política de melhorar a escola pública, não se compreende como resulta uma melhoria com uma tal decisão quando estão em causa milhares de famílias e crianças que ficarão sem uma resposta que permita adequadamente compatibilizar a vida familiar com a vida profissional. São justamente as famílias de menores recursos que recorrem à escola pública e aos apoios sociais e que não terão condições financeiras para manterem as suas crianças nos ATL uma vez que o Estado vai cortar com o seu financiamento. A pergunta que se impõe é a de saber para onde vão as crianças depois das 17h30?
Em cima disto tudo, que não é pouco, estão milhões de euros de investimentos em equipamentos sociais que serão perdidos e milhares de funcionários que o desemprego dificilmente não poupará. Sem crianças estas IPSS terão que encerrar. Um desfecho preocupante!
É fácil “racionalizar” cortando na despesa e reduzindo os apoios sociais. Cada vez mais devemos avaliar as decisões políticas no seu todo. Olhar só para um lado pode conduzir a um erro de apreciação e à ilusão de melhoria que uma fotografia de alta resolução certamente não deixa que aconteça.
Fico realmente abismada por não se encontrarem caminhos que permitam decisões políticas capazes de fazer um melhor aproveitamento de todos os recursos existentes. É que só desta forma é possível melhorar resultados!

11 comentários:

PA disse...

Alguns aspectos a considerar, Cara Dra. Margarida:

1º:

- Penso que um aluno que tem aulas e actividades de EC das 8 ou 9 h até as 17, 30 é suficiente.
Donde, o ideal seria que a família se começasse a reunir a partir dessa hora.
Ou seja, as pessoas ocupam demasiado tempo com o trabalho e com os transportes, é das 7/8 da manhã às vezes até às 20 horas.
Talvez se todos começassem mais cedo a trabalhar, com menos tempo de almoço e com transportes mais rápidos, não se sentisse a necessidade de onde colocar os filhos das 17,30 até às 19,30 h.

2º:

- Num tempo em que se verifica desemprego na classe docente, muitos dos professores (desempregados) podem ser recrutados para as actividade de EC.

3º:

- os equipamentos sociais desactivados pelo fim do ATL, podem ser reactivados nas valências de creche, jardim de infância, alguns até para centros de dia para idosos. Incluindo os respectivos funcionários
Há imensos pais, nomeadamente carenciados, que estão em lista de espera nos equipamentos integrados do Instituto de Segurança Social, por falta de vagas para os seus filhotes.
Aliás estes equipamentos já são em número diminuto, e tendem a diminuir ainda mais, e cedidos por concurso público para IPSS's. Não sei muito bem qual irá ser o resultado dessa política, mas enfim, o futuro o dirá.

4º:

- Penso que faz todo o sentido que as actividades de enriquecimento curricular, representem um contínuo do projecto pedagógico do Ensino Básico. "Saltar" da Escola de Ensino Básico para um (qualquer) ATL, é perder parte desse projecto pedagógico.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Cara Pézinhos n' Areia
Os seus pontos levam-me a acrescentar mais algumas coisas.
No meu texto chamo a atenção para uma gestão inadequada dos recursos. A decisão política de levar para a escola actividades de enriquecimento curricular é boa mas as condições em que é feito cria novos problemas às famílias.
Uma coisa é o que gostaríamos de ter e que seria desejável e outra coisa é a realidade. Começar a trabalhar mais cedo e encurtar a hora do almoço para sair mais cedo, dispor de transportes mais rápidos e ter a escola ao lado de casa ou do local de trabalho para poupar tempo são tudo aspectos que não são de resolução para amanhã nem estão ao alcance de decisões individuais.
Enquanto assim for é preferível as crianças estarem na escola ou num ATL onde estão em segurança, com ocupações de tempo pedagogicamente válidas e que enriquecem a sua formação.
Mas com esta política de fechar a escola às 17h30 onde é que os pais deixam as crianças até à hora de se despacharem do seu trabalho? É este o ponto. Porque é que a escola não tem horários mais flexíveis? Se o ministério da educação entende que a escola não pode funcionar para além das 17h30 então que não inviabilize as soluções existentes que actualmente dão resposta a este problema.
Fechar um ATL e não apresentar uma alternativa igual ou melhor é incompreensível.
Quanto à reconversão dos ATL em creches ou lares apenas em alguns deles será possível fazê-lo. Não faz sentido reconverter um ATL numa creche num local onde não há natalidade. Reconverter um ATL num lar poderá ser de um ponto de vista técnico possível mas pode ser inviabilizado por falta de financiamento público.

PA disse...

Concordo que não é possível mudar certos aspectos de um dia para o outro, mas seria desejável, a bem das crianças e das famílias.
A sociedade ganhava com isso.

Qto. ao problema de ausência de apoio a partir das 17,30, com o fim do ATL, só mesmo com uma postura de flexibilidade no horário, pelo menos até às 19 h, por parte do Ministério da Educação se resolverá o problema.

Doutro modo, quem tiver condições económicas terá que pagar a quem lhes cuide dos filhos.
Poderão ser as mesmas IPSS's que irão buscar os meninos às escolas e os guardarão, até os pais os recolherem.

Não vejo outra saída....

Francisco disse...

Ó pézinhos:
E que horários se podem fazer para os funcionários dos ATL que só funcionam das 17H30 às 19H30?
Eu conheço que tipo de acompanhamento se faz das 15 às 17.30: são umas pessoas do fundo de desemprego que tomam conta das crianças, que se mantêm na mesma sala.
É que o maior problema dos ATL's não é naz zonas urbanas, é nas centenas de ATL's espalhados pelas feguesias rurais.
E não se esqueçam que isto é um ataque directo às estruturas cristãs de apoio social.

PA disse...

Caro Francisco, muito obrigada pelo comentário que me dirige porque é deveras interessante.

Primeiro, sou uma pessoa que não gosto de atirar opiniões "para o ar", de realidades que não conheço. Sou urbana. A 100%. Conheço muito mal a realidade rural. Apenas dos livros e das notícias. Não chega, portanto. Terá certamente o Francisco dados muito concretos sobre o que afirma qto. à actividade dos ATL's na ruralidade.

Qto. ao ataque às estuturas cristãs ! Bem Francisco, a medida tomada reflecte-se em todas as IPSS's, umas serão cristãs, outras não.

Relativamente ao acompanhamento das 15,30 às 17,00 por pessoas inscritas no Centro de Emprego, como desempregadas, percebo lindamente o que quer dizer. Trata-se de algo muito (mesmo muito) errado, e que tem sido prática. Uma prática perversa, com toda a responsabilidade e conivência do Estado.
Passo a expôr:
Os programas ocupacionais visam a inserção de desempregados no mercado de trabalho. Mas não é isso que verifica. Na prática é uma forma de obtenção de mão de obra gratuita, pelas IPSS's já que, a remuneração desses desempregados é sustentada pela Ministério do Trabalho. Terminado o período de contrato ocupacional, o desempregado sai da IPSS e entra novo desempregado "em cena", e na mesma situação contratutal. Que lógica é esta, Meu Deus ?
Se se verifica a necessidade daquele posto de trabalho, porque não promove a IPSS, após o 1º Programa Ocupacional, um contrato de trabalho com o desempregado DESSE Programa Ocupacional ?
No fundo, esta prática transforma-se, em mais uma forma encapotada de financiamento das IPSS's, que não resolve nada, nem a montante, nem a juzante.
Para o desempregado, é a continuação da precariedade laboral. Para a IPSS, é manutenção de recursos humanos, a custo zero, sem formação e sem qualquer aposta nessa formação, para funções tão específicas, como é a de cuidar de crianças.

Qto. aos horários que se podem fazer para os funcionários das 17,30 às 19,30h, ó Francisco não me diga que é preciso ir à China, buscar gestores de recursos humanos, para planificar a actividade dos funcionários, num certo período do dia ? Ironizo ... rsrsr... É que o ATL seria sempre numa parte do dia, e nunca o dia inteiro.

Note, não são os utentes/clientes/consumidores (neste caso, as crianças e pais) que se têm de adaptar ao funcionamento da organização. Mas o contrário. É esse "mercado" (ou as políticas !!! dirigidas a esse mercado ..:-))) ... que ditam as regras.

"E quem tiver unhas é que vai tocar a viola", doravante. A avaliação da qualidade, com discriminação positiva vai a caminho de certas valências nas IPSS's.E a maçaroca só virá de acordo com o nível de qualidade (A, B ou C) que a IPSS comprovar que possui.

As IPSS precisam (e devem) de se profissionalizar, de se dotarem de gestores competentes, funcionários com formações adequadas, para cumprirem a sua missão, que é importante para a Sociedade.

Last...mas como já disse atrás, continuo a considerar que o ATL não é uma missão de acção social, é uma parte integrante da Educação, e é no espaço da Escola, que se deve desenvolver.

Diz o poeta, o melhor do mundo são são as crianças.
Elas estarão sempre primeiro, e o que de melhor fôr para elas.
As crianças são o nosso futuro.


Desculpe o "lençol". Cumprimentos.

FranciscoSantos disse...

Atacar a Escola Pública porque "não resolve os problemas das famílias", fazendo de imediato a ponte para "as famílias de menores recursos" é algo extremamente injusto para a Escola Pública e serve antes de tudo a retórica da criação dos quase-mercados educativos e da privatização do serviço público de educação que lhe está associada.
Devo dizer que sou professor e que me sinto profundamente indignado com a forma como a actual equipa ministerial tem desconsiderado os professores. Mas um mérito tenho que reconhecer à ministra MLR: é o último bastião da defesa da Escola Pública no ministério e no governo. E a sua determinação na extensão das actividades escolares das 9h às 17h30 é a prova desse desiderato.
Claro que para os defensores de um mercado educativo, o facto de a Escola Pública não poder estar aberta 24h sobre 24h é um excelente argumento. É que no limite a Escola Pública não deveria esquecer os pais (e são os das classes mais desfavorecidas) que trabalhando por turnos, em empregos precários e muitas vezes sem vínculo laboral, têm que sair de casa às 5h da madrugada e regressam depois da 20h/21h, deixando os filhos entregues a si próprios.
Então onde fica a responsabilidade social das empresas? E a das autarquias? E a das instituições de solidariedade social, religiosas ou laicas?
Claro que haverá sempre um mercado a explorar para as escolas privadas, mas essas querem clientes de outra classe, que não os operários e as empregadas domésticas!

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro FSantos
Seja muito bem vindo e muito obrigada pelos seus pertinentes comentários.
Tenho o maior respeito pelos professores. Sem educação, na qual o papel dos professores é indispensável e insubstituível, não há desenvolvimento. Portugal tem, como todos sabemos, graves problemas na área da educação. As mudanças fazem-se com o envolvimento de todas as partes interessadas e necessárias à sua concretização. Não há mudanças sem pessoas e não é atirando indiscriminadamente sobre os professores que vamos melhorar o desempenho da escola.
A Escola Pública é um bem público mas para o ser tem que provar que é capaz. Deveria ser capaz de atender às necessidades e exigências que hoje se colocam às famílias, inseridas em novos modelos de funcionamento da sociedade, e da economia e deveria ser capaz de contribuir activamente para o crescimento e enriquecimento das competências das crianças logo a partir do 1º ciclo.
É neste contexto que a Escola Pública tem que se inserir de modo a desempenhar correctamente a sua função. Não o fazer é altamente injusto e discriminatório, impondo sobretudo às famílias de menores recursos uma não escolha por não disporem de capacidade económica para fazerem opções (admitindo que a escola privada responde melhor).
Em particular no que se refere aos horários da Escola Pública estamos de acordo que não respondem às necessidades. Havendo falhas em respostas alternativas e complementares por parte de outras entidades, maior é a exigência que se coloca na resposta que a Escola Pública tem que dar.
Só mais uma palavra em relação aos professores que muito admiro e que, aliás, um estudo recente a nível nacional revela serem os profissionais que os portugueses mais respeitam e consideram.
Tenho familiares chegados que são professores. Não posso compreender como é que é exigido a um professor licenciado em literatura que nos tempos de "actividades de enriquecimento curricular" lhe seja exigido que apoie as crianças em actividades físicas. Se queremos ter uma escola integrada disponibilizem-se os recursos adequados mas não andemos a fazer de conta. A quem queremos enganar? A quem queremos agradar? Certamente que os visados não são os professores nem as famílias. E a pergunta parece ficar assim sem resposta!

FranciscoSantos disse...

Cara Margarida Corrêa de Aguiar,
Antes de mais agradeço o acolhimento cordial.
Devo entretanto clarificar que a minha manifestação em defesa da Escola Pública tem por fundamento a necessidade, que me parece manifesta, de evitar que se caminhe alegremente para uma estratificação das escolas (independentemente da respectiva propriedade), entre escolas para as elites e escolas para os coitadinhos.
Note-se, que do meu ponto de vista, Escola Pública não significa escola do Estado. De resto é preciso não esquecer que o Estado Novo também usava a escola como instrumento ao serviço das distinções de classe e de uma filosofia de (falta) de desenvolvimento económico, que nos trouxe até ao último quartel do século XX na posição de atraso estrutural de que nem a "revolução de abril" nos tirou.
O que defendo é que o serviço público de educação deve ser inclusivo, abrangente e orientado por princípios humanistas, independentemente da propriedade das escolas ser ou não estatal. Embora reconheça que seja bastante difícil que os privados não olhem para a educação como um mercado potencialmente lucrativo.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro FSantos
Estou muito de acordo com o que defende, mas não creio que estejamos a caminhar com convicção no sentido de uma Escola Pública integrada e inclusa tal como a descreve no seu texto.

Frederico Lucas disse...

Cara Margarida,
Mais uma vez um excelente post.
Permita-me partilhar convosco a "Oficina da Criança", espaço de actividades em Montemor-o-novo que, com escassos recursos, é generoso em actividades.
Um exemplo a reter.

Um abraço

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Frederico Lucas.
Os meus sinceros parabéns! Os bons exemplos são sempre bem vindos. No 4R apreciamos e valorizamos as boas práticas.
Pessoalmente fico sempre muito sensibilizada com a generosidade e o esforço colectivos que valorizam o bem estar das comunidades.