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sexta-feira, 18 de abril de 2008

“Escravidão e hipertensão arterial”...

Há cerca de três anos a agência norte-americana FDA (Food, Drug and Administration) aprovou pela primeira vez um medicamento com a indicação formal de que é útil apenas para negros com grave insuficiência cardíaca. Este facto resulta da existência de diferenças genéticas que ocorrem naturalmente em diferentes etnias. Compreende-se que a interacção entre o património genético e o meio ambiente possa explicar as razões da maior ou menor prevalência de algumas doenças em certas comunidades. No entanto, esta indicação formal é perigosa porque constitui um argumento que pode servir a movimentos racistas e, por outro lado, pode ser muito inconveniente, caso venham, no futuro, aparecer mais medicamentos “raciais”, porque nada impede que muitas pessoas louras e de olhos azuis não tenham também “genes africanos”!
Um dos mais graves problemas que aflige os portugueses são as doenças cerebrovasculares relacionadas com a hipertensão arterial. Sabemos que existem “genes africanos” que proporcionam maior propensão à hipertensão arterial. A sensibilidade ao sódio terá ocorrido há cerca de dois milhões de anos, no Pleistoceno. Até é compreensível esta selecção genética, porque caçar e perder sódio em zonas quentes e num continente pobre em sal não é lá uma grande ideia!
Muitos estudos, realizados em negros, americanos e brasileiros, demonstram que os tais genes (relacionados com a hipertensão) são muito mais prevalentes nestes grupos correndo riscos muito acrescidos de morte súbita e acidentes cardiovasculares.
Perante a nossa situação, bastante desconfortável, não será estranho o facto de termos iniciado em 1441 o tráfico de escravos negros. Nessa altura, Antão Gonçalves, capitão do Infante D. Henrique, trouxe o primeiro lote, que comprou em Arguim (actual Mauritânia), para o nosso país. O que é certo é que entre 1450 e 1500 chegaram a Lisboa cerca de 150.000 escravos e que em meados do século XVI 10% da população da capital era negra.
Não era a primeira vez que ocorria uma migração de "genes africanos". A primeira foi há cerca de seis mil anos, devido à desertificação do Saara e a segunda foi há 1300 anos com a invasão magrebina.
O que é certo é que o país deveria estar cheio de negros. A este propósito, Nicolau Clenardo, humanista e teólogo flamengo, que andou pela Europa, ao chegar a Évora ficou atónito ao ponto de afirmar: Portugal está cheio de negros! E para testemunhar esta afirmação nada melhor do que este breve texto: “...Sempre que um senhor sai a cavalo, saem dois negros à sua frente; um terceiro transporta-lhe o chapéu; um quarto o manto; um quinto segura as rédeas do cavalo; um sexto transporta as pantufas de seda; um sétimo apresenta a escova para o vestuário; um oitavo seca o suor do cavalo; um nono entrega o pente ao seu senhor; um décimo supervisiona todo este exército. Eu apenas falo do que vi...
Como os filhos das escravas eram muito bem tolerados entre nós, os “genes africanos” acabaram por disseminar-se pela população portuguesa. De facto, e agora num contexto mais amplo, a origem dos portugueses é bastante interessante. Quem leu o livro da jornalista brasileira, Ângela Dutra de Menezes, “O Português que nos Pariu” ficou a saber quais os ingredientes necessários para cozinhar um português. Os ingredientes são vários: "homens pré-históricos do vale do Tejo e do Sado; um punhado de povos indígenas, principalmente lusitanos; celtas - apenas para polvilhar; bárbaros, alanos caucasianos, vândalos germânicos e escandinavos, suevos e visigodos, estes últimos dissolvidos na civilização romana; mouros (tribos islamizadas de Marrocos e da Mauritânia); judeus sefarditas (coloque um punhado entre um ingrediente e outro e reserve a porção maior para o final da receita). Quanto a cristãos... a gosto". Curiosamente esqueceu-se dos negros.
Quanto à forma de cozinhar, o melhor é lerem o livro!
Deste modo, talvez consigamos explicar, pelo menos em parte, as grandes variações que se observam no tocante aos famosos acidentes vasculares cerebrais, um problema muito sério que nos coloca numa situação cimeira face a outros povos.
Andam por aí tantas pessoas, até louras e de olhos azuis, a transportar, sem saber, velhos “genes africanos”...

2 comentários:

CCz disse...

Mais um sintoma sobre para onde caminha a indústria farmacêutica do futuro.
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Enquanto as "big pharma", na sua ânsia de satisfazer Wall Street, se andam a comprar umas às outras, e a apostar na eficiência operacional e nos míticos blockbusters, a tedência inexorável do negócio serão as pequenas séries, os pequenos lotes, em função do sexo, da idade, do passado médico, dos genes,...
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Viva a "boutique" de medicamentos eficazes e direccionados, so long "mass market".

Helena disse...

Complementando o argumento anterior:
A noção do tayloring nos fármacos e o desenvolvimento de "orphan drugs" é algo muito conotado com pequenas empresas, bem audazes, na tentativa de entrarem no mercado por segmentos menos concorrenciais e dai tirarem proveitos onde as grandes à partida não vêm vantagens. Podem eventualmente ser engolidas nas barrigas das "big pharma".
é um pouco como as antigas mercearias de bairro, que com o ataque das grandes superfícies se converteram em lojas gourmet.

Em relação aos genes africanos.
Sem querer contradizer a sua teoria de generalização dos genes africanos na população portuguesa, parece-me que é bastante redutora.
Os famosos case studies na população cigana na p. ibérica, bastante estanque a cruzamentos fora da comunidade e particularmente nos "interraciais", é um exemplo. São das comunidades com níveis record de hipertensão. Por outro lado, geneticamente, no seu conjunto, a maioria dos estudos não nos distingue dos nossos vizinhos espanhois. Temos maior tolerância a sal. Temos muitos avc, e muitos das nossas enfermidades apontam o dedo à hipertensão. Mas a causa não pode ser só genética.