Número total de visualizações de páginas

terça-feira, 29 de abril de 2008

Preocupações sociais, onde estão?

Num momento em que se somam as dificuldades económicas de muitas famílias, agudizadas pelo desemprego e pelo trabalho precário, é chocante que a segurança social recuse a atribuição do abono de família às famílias que auferem rendimentos de trabalho independente.
A legislação que está em vigor, aprovada em 2003, estabeleceu pela primeira vez um regime de abono de família privilegiando as famílias de menores rendimentos e com maior número de filhos. Na base desta diferenciação estão preocupações sociais fundadas na necessidade de discriminar positivamente as famílias de menores rendimentos, compensando-as financeiramente pelos custos associados à criação dos filhos. As famílias com um rendimento superior a cinco vezes o valor da remuneração mínima mensal não têm direito a abono de família
Trata-se, com efeito, de legislação que tem preocupações eminentemente sociais, com o objectivo de apoiar financeiramente as famílias com mais filhos e baixos rendimentos, conferindo-lhes uma melhoria nas suas condições de vida.
Para se ter uma ideia, o abono de família para crianças com mais de 12 meses varia entre 32,65€ (para os rendimentos mais baixos) e 10,76€ (para os rendimentos mais altos).
As notícias recentemente vindas a público dão conta que muitas dezenas de milhares de famílias (a notícia publicada pelo CM refere meio milhões de famílias) deixaram de receber o abono de família porque a segurança social considera que os rendimentos do trabalho independente são constituídos por “todos os proveitos sem consideração de quaisquer descontos relativos a despesas, custos ou outras deduções”. Mas que sentido faz esta leitura!?
Com esta interpretação aquelas famílias que até agora recebiam abono de família ficam excluídas porque o seu rendimento fica situado no escalão isento.
Ora, havendo cruzamento de dados entre a segurança social e o fisco sobre a situação fiscal dos contribuintes, não se compreende como é que a segurança social não conhece o rendimento auferido (líquido) pelas famílias, seja rendimento de trabalho dependente ou rendimento de trabalho independente.
A segurança social subitamente “acordou” e diz que a lei é para ser cumprida. Entretanto, o Provedor de Justiça já recomendou ao governo que “altere a forma como são apurados os rendimentos dos trabalhadores independentes considerados para efeitos de atribuição do abono de família, no sentido que sejam deduzidos os custos inerentes à sua actividade”. O Provedor de Justiça faz notar a “duvidosa constitucionalidade da aplicação” da lei.
Certo é que esta actuação da segurança social deixa sem apoio financeiro milhares de famílias e afecta as condições de vida de milhares de crianças.
Com esta prática a segurança social pode poupar (segundo o CM) até 50 milhões de euros por mês. Um enriquecimento sem causa, mas que dá muito jeito para compor as contas públicas!

5 comentários:

SC disse...

Cara Margarida Aguiar,

É possível que não faça sentido esta forma de determinação do rendimento para efeito de escalonamento em termos de abono de família. Mas as diferentes entidades não têm obrigatoriamente de seguir as mesmas regras para a determinação do rendimento das pessoas. Por um lado, os fins das regras impostas por cada entidade serão diferentes, logo diferentes poderão (deverão?)ser as regras. Por outro lado, se uma seguir regras incorrectas (não gosto de usar a palavra justiça em vão) outra poderá melhorá-las.
Só um exemplo, eu tenho a certeza as minhas despesas para ir todos os dias trabalhar (100 km por dia de automóvel)são superiores às de uma grande parte dos trabalhadores independentes. Mas eu não posso deduzir qualquer valor ao rendimento em sede do rendimento colectável, ao contrário dos trabalhadores independentes. Seria, por isso, uma dupla injustiça.
Mas há um outro aspecto que torna este assunto de muito pouca relevância. Uma pessoa para não ter direito a abono tem de ter rendimentos familiares, penso que muito acima dos 2.000€. Com ou sem dedução de despesas, que importância têm 10€ a mais ou a menos?
Foi o que eu fiz desde que o Dr. Bagão Félix (penso que foi ele) iniciou esta discriminação, nunca mais apresentei a declaração que permite o recebimento do abono - auto-exclui-me. E o meu rendimento não me exclui.
A minha opinião é que se deveria aprofundar esta discriminação, excluindo mais rendimentos do abono para que o valor recebido por aqueles a quem faz mais jeito tenha significado real.
Ou, como dizia a minha avó, vale mais um farto que dois famintos.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro SC
Compreendo os seus comentários e também sou adepta da sabedoria da sua Avó de que "vale mais um farto que dois famintos".
Deixe-me, ainda, fazer três observações:
1ª Para muitas famílias, em particular com rendimentos baixos, situados nos primeiros escalões, o abono de família é muito importante.
2ª Não é aceitável, nem pode ser esse o espírito de uma lei que valoriza a diferenciação social, que a discriminação seja feita tendo em conta a origem/natureza do rendimento. O que deve prevalecer é o rendimento auferido pelas famílias, segundo critérios relevantes para a situação em concreto e que devem estar claramente estabelecidos.
3ª A diferenciação social pode e deve ser aprofundada no sentido de discriminar a favor dos mais pobres e mais dependentes, corrigindo a ideia de tudo distribuir por todos, mas antes distribuir por aqueles que precisam. Há ainda muito para corrigir neste domínio da redistribuição selectiva.

Anthrax disse...

Caros amigos,

Porque vos aponquentais com mais uma medida de manifesta inteligência?

Quando o Estado não protege os seus cidadãos, estes não lhe devem obediência. Este é o contrato.

No caso dos profissionais liberais (a.k.a recibos verdes), se eles parecem estar isentos de beneficios, então estão isentos de contribuições. Seja qual for o rendimento e o Estado não tem nada a ver com isso.

Tirando isso, que história é essa da diferenciação social? Julgava que éramos todos iguais!... é o que a CRP diz... que somos todos iguais.:))

Ah! Esperem...
Para efeitos fiscais somos todos diferentes.

Acho que este princípio da diferenciação social é muito claro quando falamos, por exemplo, do IRC. Nomeadamente, da taxa que é aplicada aos bancos e da taxa que é aplicada às PME... Ah, não!... Isto não é diferenciação social porque não são pessoas singulares, são colectivas.

Adeptos da discriminação positiva, «portantos».

Digam-me então, meus queridos amigos, devemos discriminar a favor dos mais pobres e transformarmo-nos numa sociedade de pobres, ou devemos garantir a sustentabilidade da classe média? É uma mera curiosidade, é claro.

AAA disse...

Não são apenas os profissionais liberais as vítimas.
Uma pessoa da minha família foi excluída porque decidiu investir na bolsa (com muito pouco dinheiro, diga-se).
Entusiasta da negociação on-line, fez algumas centenas de negócios durante um ano. O fisco somou-lhe apenas as vendas e assim, as mais valias residuais que tinha, foram transformadas pelo fisco num rendimento estúpido.
Agora pergunto eu: estes anormais como raio querem que as pessoas paguem os seus impostos com espírito de cidadania se são tratadas desta maneira?

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Anthrax
Compreendo as suas "ironias" e as suas "curiosidades" também são as minhas. É verdade que as nossas políticas de redistribuição têm muitas contradições quer na sua formulação quer na sua aplicação. Veja-se o caso do "abono de família".
Mas há duas preocupações que devem andar juntas: o desenvolvimento económico sem o qual não pode haver riqueza e a redistribuição da riqueza colectiva. Se queremos viver bem, ter uma classe média forte e erradicar a pobreza precisamos de criar riqueza. Não há outra solução. Mas pelo caminho o que fazemos? Deixamos a pobreza morrer às suas próprias mãos? Não.

Caro Rom_8
Pois seja muito bem vindo. O caso que descreve só vem reforçar as contradições a que me refiro no comentário ao nosso Caro Anthrax.
Não há dúvida que se o Estado não actua com correcção, não dá o exemplo e trata os contribuintes como uns bandidos, cria-se um clima favorável para que os cidadãos contribuintes não o respeitem.