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segunda-feira, 19 de maio de 2008

Cómico, se não fosse trágico…

… E, afinal, ao contrário do que o Primeiro-Ministro, o Ministro das Finanças e o Ministro da Economia nos andavam a tentar vender há larguíssimos meses, a economia portuguesa nunca poderia ficar imune à crise internacional. E pior: a situação é ainda mais grave do que se podia antever. Por duas razões.

Primeiro, porque não é à toa que o Governo cortou a projecção de crescimento para 2008 em mais de 30% (de 2.2% para 1.5%) – e, sabendo-se do optimismo que habitualmente caracteriza o Executivo, existem razões mais do que suficientes para desconfiar do novo número.

Segundo porque esta revisão foi apresentada logo que foram conhecidos os dados do INE e do Eurostat relativos ao PIB no primeiro trimestre de 2008. Que revelaram uma forte abrandamento da nossa economia, quer em termos trimestrais (0.7% no 4º trimestre de 2007 para -0.2% nos primeiros três meses de 2008), quer homólogos (1.8% para 0.9%). Ora, ao contrário do que se passou em Portugal, quer a Zona Euro, quer a União Europeia aceleraram em termos trimestrais (0.4% e 0.5% para 0.7% e 0.7%, respectivamente) e, em termos homólogos, a Zona Euro manteve o seu crescimento em 2.2%, tendo a UE-27 desacelerado apenas uma décima (2.5% para 2.4%). Esta evolução, baseada nos dados conhecidos para 15 países dos 27, assentou na aceleração registada em França e, sobretudo, na Alemanha que cresceu uns surpreendentes 1.5% face ao trimestre anterior e 2.6% em termos homólogos.

Ora, a Alemanha e a França são, a seguir à Espanha, os principais parceiros comerciais de Portugal. Logo, mesmo contando com o abrandamento registado nos nossos vizinhos (0.8% para 0.3% trimestralmente, e 3.5% para 2.7% em termos homólogos), parece evidente que o desempenho decepcionante da nossa economia não pode ser imputado apenas à conjuntura internacional (pois se a Europa até acelerou em termos trimestrais!...). Creio que, mais do que nunca, as nossas debilidades estruturais e a nossa falta de competitividade (sobre as quais tanto já tenho escrito) vieram ao de cima e contribuíram para mais um trimestre de divergência (alargada) do nosso país para a Europa. Mas, sobre este facto não ouvi nem uma palavra ao Governo, tendo o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças atirado “toda a culpa” da nossa evolução para cima da crise global. Seriedade?... Pois sim…

Aliás, se dúvidas existissem, bastaria atentar no seguinte: mesmo no cenário revisto em baixa, ainda houve a lata (é mesmo disso que se trata) de continuar a projectar uma descida do desemprego quer para 2008, quer para 2009; e tudo aponta para que os efeitos da crise se prolonguem por 2009 (agora não tanto à custa dos mercados financeiros e de crédito, cujo pior momento poderá já ter sido ultrapassado, mas sim devido à alta, cujo fim não está à vista, muito pelo contrário, dos preços das matérias primas, mais especificamente dos produtos alimentares e do petróleo), fazendo com o próximo ano seja mais fraco do que o actual – como até o sempre prestimoso Governador do Banco de Portugal já veio referir… Pois não é que, mesmo assim, o Governo prevê uma aceleração do crescimento português para 2% no próximo ano?!... Mas baseado em quê, Santo Deus?!...

Enfim, deixo só a recordação de, em meados de Abril, termos ouvido o Primeiro-Ministro, comentando as previsões do FMI (crescimento de 1.4% em 2008 e 1.3% em 2009), e perante todos os evidentes sinais de tormenta que nos chegavam de fora e o que os indicadores de confiança prenunciavam, afirmar que “o Governo não tem nenhuma razão para alterar a sua previsão de crescimento económico para 2008” e caracterizar o cenário traçado pela instituição sedeada em Washington como muito pessimista. Um mês depois, aí estão os 1.5% de crescimento para 2008… Grande diferença há entre 1.5% (novo número do Governo para 2008) e 1.4% (número do FMI) não é, caro leitor?!...

Tudo isto era cómico se não fosse trágico. Afinal, trata-se do Governo do nosso país...

2 comentários:

Rui Fonseca disse...

Da sua análise retiro, se me permite,esta afirmação sobre a qual, no meu entender, podem e devem ser construídos caminhos alternativos.

"Creio que, mais do que nunca, as nossas debilidades estruturais e a nossa falta de competitividade (sobre as quais tanto já tenho escrito)"

Que o governo se atrasou na revisão das previsões, que o Ministro da Economia não reconheça a quebra do investimento directo, que provavelmente as realidades que iremos defrontar serão bem piores que as previsões do governo agora revistas, são conclusões que podem desanimar-nos porque "the animals spirits" não nos dão pistas por onde nos possamos escapar. Teremos de ser nós a descobri-las.

É por isso que me parece que o que deveremos denunciar são "as nossas
debilidades estruturais e a nossa falta de competitividade".

Essa é a discussão que faz falta.

Essa é a separação de águas que necessitamos.

Por onde devemos ir?

Diga-nos e, provavelmente, haverá muita gente que o acompanha.

Miguel Frasquilho disse...

Caro Paulo,

Tem toda a razão: o FMI previu 1.3% para este ano e 1.4% para o próximo ano; mea culpa!... Quanto a Manuel Pinho, não há nada a dizer... é assim mesmo, sempre a tentar tapar o que todos vêm com uma peneira...

Caro Rui,

Muito longe nos levaria a questão das nossas debilidades estruturais e da nossa falta de competitividade. Mas é verdade: já muito tenho escrito sobre este tema, quer aqui, no 4R, como na minha coluna do Jornal de Negócios... E como em Portugal não se tem feito o que, em muitas áreas, eu acho que estaria correcto, pelos vistos vou ter que continuar a escrever... Num próximo post voltarei ao tema.