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quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Memória olfactiva

Se a memória é um dos maiores bens, o esquecimento, muitas vezes, é fonte de felicidade. O pior é quando deixamos de recordar belas coisas e passamos a não esquecer outras, más ou menos agradáveis. Gerir conflitos de lembranças e recordações não é muito fácil, sobretudo quando a idade teima em apagar muitas delas.
Temos muitos tipos de memória. Curiosamente, a mais poderosa, a mais persistente, a mais arcaica tem a ver com a memória olfactiva. O nariz, um dos mais poderosos órgãos sensoriais, ao canalizar directamente para o cérebro os diversos aromas, "cheiros" e essências, acaba por desempenhar importantes e diversificadas funções. Funções que se estendem desde a atracção sexual, passando pela salvaguarda da saúde e segurança de cada um, até à degustação do prazer da beleza ambiental sem esquecer o excelso reforço do sentido gastronómico de muitos.
Claro que para tudo isto ocorra é preciso ter o nariz em boas condições! Há quem não o tenha, infelizmente, e há os que apresentam capacidades tipo canino. Obviamente, está posto de parte desta reflexão os que “estragam” o nariz ao metê-lo onde não devem...
O simples odor de uma substância pode fazer-nos recuar no tempo, provocando sensações únicas ao despertar a memória. Olvidamos, frequentemente, nomes, acontecimentos, rostos, mas dificilmente os odores. Recordo que em pequeno, por exemplo, sentia que cada estação tinha um cheiro próprio. "Já cheira a Primavera", e ainda as andorinhas não tinham chegado! No fundo, traduzia a explosão da vida em toda a plenitude com milhares de fragrâncias a inundar a atmosfera. Também o Verão tinha o seu odor; forte, impregnado de terra aquecida, ar irrespirável, aliviado, voluptuosamente, com a brisa fresca das margens do rio. O Outono também sabe produzir fragrâncias únicas, tais como as que senti na última campanha eleitoral, no final de uma tarde. Cansado, e ainda sob os efeitos de um calor tardio, os aromas do vinho que se libertavam das adegas e das lojas misturavam-se com o odor forte e estimulante do bagaço, amontoado nas veredas, provocando o emergir de velhas recordações. De repente, a estranha mistura dos aromas do vinho e do bagaço foi substituída, graças ao suspiro fresco de um pobre riacho, com as emanações suaves da erva doce. Curioso efeito. Tantas lembranças associadas a uma imensa tranquilidade. O Inverno também não fica atrás, e o nariz comprova-o, ao saborear odores refrigerados e mesclados de uma natureza meio adormecida e do engenho humano.
Se quisermos verificar quais os efeitos na memória, bastaria percorrer os belos recantos de Santa Comba e fazer os mesmos percursos ao longo do ano, “aspirando” a Natureza. Não é preciso explicar que, para o efeito, necessitamos de narizes funcionais e bem cuidados. No entanto, presumo que, em certos locais, os detentores deste apêndice facial não consigam ter boas memórias e nem vão ter no futuro. Pelo contrário! Para as bandas de algumas freguesias do concelho, a existência de vacarias e de pocilgas, que são altamente poluidoras dos solos e das águas, não respeitam as normas ambientais, agredindo os habitantes dessas zonas, impedindo-os de desfrutar aromas salutares e hedonísticos, porque não é possível despertar boas recordações cheirando os excrementos daqueles animais. As autoridades, e as populações locais, deverão desencadear os mecanismos legais e exercer os seus direitos de forma a poderem preservar uma boa memória olfactiva. Caso não o façam, no futuro, os habitantes desses locais talvez possam recriar o passado quando se confrontarem com excrementos. Mas o despertar das recordações, por este meio, não deverão ser agradáveis, antes pelo contrário. O que interessa são as boas e agradáveis lembranças de um passado mais ou menos longínquo transportado para a realidade quotidiana...

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