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segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O veto evitável

O senhor Presidente da República vetou o decreto que visava alterar o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores. Sendo esperado depois da reafirmação pelo PS das opções que tinham já sido censuradas pelo Chefe do Estado (aliás, em forma e tom que alguns consideraram excessivos mas que tiveram a vantagem de deixar clarinha a posição do PR), este veto não era inevitável. Bastaria que se percebesse que - como diz a mensagem presidencial dirigida à AR - a lei ordinária não pode impor ao Presidente da República a audição de outras entidades para além daquelas que a Constituição expressa e especificamente prevê como pretendiam os deputados que aprovaram a proposta.
Razões que dificilmente se compreendem mas que seguramente nada têm que ver com a autonomia regional e até com o desejo legítimo do seu reforço, levaram o Partido Socialista a preferir o confronto com o PR e a insistir na afronta à Constituição (apesar de se tratar de veto político, da sua fundamentação ressalta a necessidade de garantir o equilíbrio de poderes tal como o configura a Lei Fundamental).
Como na mensagem presidencial também se diz, admitir que o legislador ordinário se possa substituir ao constituinte na redefinição dos poderes dos órgãos de soberania, significaria consentir na criação de um precedente grave.
É isto que está em causa e não a relevância intrínseca da alteração pretendida.
O veto é por isso irrepreensível. Prova, além do mais, que quem tem a missão de em primeira linha garantir o cumprimento da Constituição e do regular funcionamento das instituições democráticas, o faz sem compromissos e atentamente.
O País, no estado actual, precisa de um Presidente assim. Livre de compromissos e atento para lidar com tiques autocráticos de maiorias que, em democracia, são sempre circunstanciais; e que por essa razão não podem ver-lhes reconhecida a prerrogativa de reconfiguração do regime no que ele tem de mais estrutural: a balança dos poderes.

4 comentários:

Pinho Cardão disse...

Plenamente de acordo, caro Ferreira de Almeida.
E o trágico-cómico disto tudo é que o próprio PSD votou a Lei na generalidade, e até na especialidade, creio, com uma qualquer declaração de voto.
Isto está cada vez mais parecido com Bizâncio, só que aqui parece que se discute o sexo das Regiões Autónomas, enquanto em Bizâncio se discutia o sexo dos anjos. Ah! E lá eram sábios, aqui parecem-me um bando de patetas.
Há dias ouvi na TV um dos mentores da Lei, um empertigado Secretário Regional, com uma arrogância só visto. Só os ares que se deu e a argumentação primária que utilizou justificariam o veto da lei!...

Tonibler disse...

Caro JMFA,

Este sim, é um veto correcto. O PR, na sua visão e leitura da Constituição, aceita a visão de todos nós emanada do Parlamento e, em nome de cada um de nós, rejeita-a. Ao contrário da questão do casamento, que aliás corrigiu, é para isto que foi eleito.
Só não concordo que diga que foi evitável. Se cada um fizer aquilo para que foi eleito a situação até é de repetir, se cada qual achar que isso é necessário.

Adriano Volframista disse...

Caro JMFAlmeida

O episódio é mais grave e sintomático do que o veto presidencial.
A matéria é simbólica e, nesse sentido, o PR é um mestre nessa arte. A matéria é de organização do Estado na sua arquitectura mais básica: coerência interna da sua organização enquanto sistema. Nesta matéria, o PR é, igualmente, um mestre na arte de "armar" e dar "eficácia" a sistemas organizativos.
Nem o PM, nem as duas AR quizeram compreender essa matéria: a Regional quiz, com o simbolismo da do Estatuto "autonomizar-se", nem a da Republica que, sacrificou a coerência ao expediente político próximo; o PM, porque não lhe belisca imediatamente os seus poderes, é-lhe indiferente, o simbolismo é pouco importante para a sua geração que considera um sintoma de cinismo e hipocresia.
Nenhum sistema é possível de se manter sem que a sua coerência interna seja preservada, um dos elementos dessa cimento são as regras basilares desse ordenamento e o acordo generalizado sobre a importância e papel dessas mesmas regras no sistema. Perdido esse acordo, o sistema perde coerência, porque os actores não se regem pelas mesmas regras.
Não vem mal ao mundo, estamos nesssa situação há, pelo menos 300/350 anos; também por isso nos mantemos pobres e atrasados.
Portugal é o único país da Europa em que o árbitro também joga.

Cumprimentos
João

Anónimo disse...

Inteiramente de acordo com Joao.
Diria somente que com este episódio (e não só) se prova que, por vezes, é essencial que o árbitro vá a jogo. Ou que pelo menos recoloque o jogo nas quatro linhas.