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quinta-feira, 14 de maio de 2009

Medeia e Gaia

Ler a Teogonia de Hesíodo é uma forma de amansar a fúria da existência, atribuindo-lhe um significado que o dia-a-dia não consegue, nem de perto nem de longe. Retrata com particular acuidade as razões da vida, muito mais do que todas as cosmogonias posteriormente criadas.
Fala de Gaia, a deusa Terra. “O que primeiro existiu foi o Caos; e logo a seguir a Terra de seio fecundo e segura mansão de todos os Imortais, que habitam os píncaros do Olimpo coberto de neve... A Terra gerou, em primeiro lugar, um ser de dimensão semelhante à sua, o Céu coberto de estrelas, para que a cobrisse, toda inteira, e fosse dos deuses bem-aventurados a eterna e segunda mansão”.
Gaia inspirou, em 1970, James Lovelock que elaborou uma teoria com o mesmo nome. Segundo a Teoria de Gaia, todos os seres deste planeta comportam-se como células de um único corpo. Deste modo, a Terra é um ser vivo com muitas células, tecidos e órgãos que vive e respira. Não sei se tem alma e se sofre ou não. Mas, segundo a Teogonia, até tem. Gaia vive, sofre e ama. A visão de Lovelock, baseada em regras e princípios ecológicos, permitindo a interligação de todos os seres vivos, deu e abriu novas perspetivas para uma melhor compreensão do ambiente e do tão desejado equilíbrio. A Terra tem capacidade de sobreviver, mesmo em circunstâncias extremas, graças à auto regeneração.
Os desastres, grandes ou pequenos, naturais ou artificiais são insuficientes para matar a deusa Terra que continuará o seu percurso mesmo sem a presença dos humanos. A Terra-Gaia já viveu sem o homem e, naturalmente, poderá continuar a viver sem ele. Nesta perspetiva, a vida estará sempre assegurada. Mas será mesmo assim? Talvez não, se aceitarmos a opinião de outro cientista, desta feita, Peter Ward que, socorrendo-se da mitologia, contrapôs à bela teoria de Gaia, uma outra denominada Hipótese de Medeia. Medeia? Medeia é o símbolo da perversidade que Euripides tão bem descreveu na obra homóloga e cujo comportamento atinge o acme da violência contra a natureza humana quando mata os próprios filhos. O autor, com esta designação, pretende afirmar que a vida tem a pretensão de matar a própria vida. Para Ward “a vida é tóxica”! Segundo este autor, se deixarmos a natureza seguir o seu curso, a tendência é caminhar mesmo para o Dia do Juízo Final. Para ilustrar as suas afirmações, Ward socorre-se dos momentos em que o planeta esteve à beira de ficar sem vida. Quatro das cinco maiores extinções foram devidas não a impactos de meteoros ou à atividade vulcânica mas sim à ação de seres vivos e, por duas vezes, quase que o planeta se transformou numa gigantesca bola de gelo pela ação voraz de plantas.
As ações dos homens com todo o seu arsenal poluidor e destruidor não constituem uma ameaça maior às que já ocorreram e que levaram à extinção em massa das espécies. De acordo com este perito, as atividades dos seres humanos poderiam ser fatores importantes, impedindo essa tendência de a vida ter como “alvo” a própria destruição, contribuindo para manter a Terra viva. Nesta perspetiva o homem deixaria de ser considerado como uma célula nefasta, dotada de atividade “carcinogénica” ou um “vírus maléfico” contra a Terra-Gaia, e passaria a ser uma garantia para que a vida continuasse.
Afinal onde nos devemos posicionar? Na Teoria de Gaia ou na Hipótese de Medeia? O melhor não é escolher uma ou outra, mas sim continuar a ler a Teogonia, talvez um dia se encontre a resposta, apodando-a com o nome de um dos fabulosos deuses, que em boa hora criámos para que nos explicassem os porquês que ainda não conseguimos responder. É pena que estejam tão silenciosos! Mas são deuses...

1 comentário:

Pinho Cardão disse...

Nesta matéria do ambiente há muito mundo por descobrir. E todas as "verdades" que se propalam têm a mesma validade da Teogonia de Hesídio. E aqui, pelo menos, há imaginação ardente e poesia.