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segunda-feira, 15 de junho de 2009

Discriminação

Já tive a oportunidade de conviver com muitas pessoas que sofrem de trissomia 21. Têm as suas especificidades, o que é natural, mas são, de facto, muito simpáticas e mesmo dóceis.
Nos tempos que correm, caracterizado por elevada competição de natureza intelectual, todos aqueles que apresentem quaisquer limitações nesta esfera sofrem o efeito de uma segregação que tem sido alvo de medidas e de campanhas destinadas a permitir, com base no princípio de igualdade entre os seres humanos, os mesmos direitos e oportunidades. Os portadores desta anomalia cromossómica também têm esses direitos, se bem que, hoje em dia, possam ser eliminados durante a gestação.
Recordo ter lido uma nova interpretação da trissomia 21 que, em tempos, poderá ter jogado um papel protetor. Passo a esclarecer, transcrevendo o que escrevi nessa época: “Os traços fenotípicos deste grupo de pessoas permitiriam uma relativa independência face ao investimento maternal e daqui uma maior incidência à medida que as mulheres envelhecem. Havendo uma redução da probabilidade de sobrevivência das mães em idades mais avançadas, a possibilidade de as crianças poderem vingar seria maior neste grupo, porque são mais eficientes em matéria de conservação energética (hipotonia muscular, diminuição do metabolismo cerebral, diminuição do volume do hipocampo, maior propensão para a obesidade, atividade reduzida das hormonas da tiroide e do crescimento)”.
Ou seja, na proto-humanidade, deverá ter desempenhado algum fenómeno adaptativo. Presentemente a força da evolução faz-se noutras áreas, tornando-os mais vulneráveis e vítimas de discriminação e até de segregação.
Recordei-me desta análise ao ser confrontado com uma notícia segundo a qual, numa pequena povoação a norte de Barcelona, o pároco recusa ministrar a eucaristia a uma menina com a síndroma de Down, alegando que não está em condições. Além do mais, argumenta que se trata de “um anjo de Deus”, que não pecava e, por isso, não necessita de se purificar. Não querendo intrometer com o significado deste sacramento, a comunhão, que parece não estar totalmente esclarecida, e por isso continua em discussão desde o Concílio Vaticano II, não posso deixar de considerar a atitude do pároco como uma medida de discriminação, neste caso, religiosa. Se os trissómicos 21 são ou não anjos, não sei, mas tenho muitas dúvidas se haverá anjos e se os houver se haja um que sofra da síndroma de Down. Adiante. Os familiares da menina comunicaram-lhe que iriam procurar outro padre, mas o de Teià, nome da povoação, assegurou-lhes que pressionaria quaisquer outros padres para que a menina não fosse admitida. Quase que me apetecia dizer aos pais que fossem à minha terra. Estou certo que o pároco não se importaria. Digo isto, por causa de um episódio que me contou um familiar. Um dia, na missa, um jovem com a síndroma de Down foi comungar. Voltou ao seu lugar, mas por motivos óbvios, a hóstia colou-se ao palato. Incapaz de resolver a situação colocou o dedo na boca e tantas voltas deu que conseguiu resolver o problema. Foi mesmo uma luta que deu nas vistas. Quando terminou, olhou para o lado e disse: - Colou-se ao céu-da-boca e não conseguia tirá-la. Mas agora já está! E sorriu. Com um sorriso de anjo...

2 comentários:

Suzana Toscano disse...

Estranho padre esse, se calhar ainda é dos que nos diziam que a hóstia não se podia tocar com os dentes porque era pecado!Bem fez essa garota que viu, realmente a hóstia colada no céu da boca é um problema, estou mesmo a vê-la a sorrir por ter vencido a crise!

Bartolomeu disse...

Lembrei-me agora da descrição do funcionamento da passarola do padre Bartolomeu, feita por José Saramago no "Memorial do Convento"
As bolas de âmbar, atraídas pelo sol, atraíam as vontades aprisionadas dentro de esferas que se encontravam "atracadas" ao casco da nave e lá ía o conjunto, rumo ao sol e à eternidade, não fossem umas velas extensíveis colocadas nuns varais que tapavam ou descobriam a luz do sol que atraía as bolas de âmbar que por sua vez atraíam as vontades aprisionadas dentro de umas esferas metálicas, atracadas ao casco da nave, nave essa que transportava a mole humana que ainda detinha dentro do peito as vontades que ainda não eram atraídas pelo sol que atraía as bolas de âmbar...
A hostia não é verdade que simboliza o corpo de Deus, ora sendo assim tem toda a razão para se colar ao céu... da boca...