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domingo, 19 de julho de 2009

O Relógio de sol


Esta coisa de andar a escrever para adultos tem muito que se diga. Há quem se queixe de que andam “esquecidos”! Sendo assim, o melhor é começar a ensaiar para ofertar aos netos pequeninos alguma prosa que os possa motivar para as letras e escritos. Não sei se é a primeira vez que se publica neste blog um post-conto para os mais pequenos. A Quarta República não pode esquecê-los. Eu, pela parte que me toca, nunca os esquecerei...

Um dia, uma menina foi fazer uma curta viagem com o seu avô. Entraram os dois num pequeno jardim, no meio do qual estava uma coluna com um estranho cubo em cima. As quatro faces tinham riscos, números, além de placas de metal que pareciam velas e letras. A menina perguntou ao avô o que era aquilo. O avô respondeu-lhe que era um relógio de sol, ou melhor quatro relógios de sol. – Relógio de sol? Questionou a petiza. – Sim. O sol ao fazer sombra com as plaquinhas marca as horas do dia. É muito simples, explicou o avô, o sol anda e a sombra vai-se modificando. – Ah! E o que dizem as letras, avô? - Aqui, neste lado, posso ler “Boas e más eu marco as horas, tanto melhor se ris, tanto pior se choras”. Oh avô explica lá isso melhor que eu não percebo. – Como já sabes o relógio marca as horas. Não é verdade? – Sim. – Ótimo. Tens que aprender que na vida das pessoas há momentos bons e momentos menos bons. Já tiveste alturas em que choraste por estares triste? – Já. – Bom, então podemos dizer que são horas más. E não tiveste momentos em que te sentiste alegre? – Já. Respondeu novamente a neta. - Então, o que é que tu não entendes? – Aquilo que leste “tanto melhor se ris, tanto pior se choras”. Hum! Como explicar-te? E se perguntasses ao sol? – Ao sol? – Sim, fala com ele. – Como?!– Olha, eu sei que o sol fala, mas só às crianças e desde que nenhum adulto esteja por perto, por isso eu vou deixar-te por uns momentos no jardim e vou ali - estás a ver aquele banco lá no fundo da alameda? -, falar com velhos amigos. Não te importas, pois não? Mas não saias daqui. Eu fico a vigiar-te para ver se fazes alguma asneira. E o avô afastou-se por uns momentos. A menina, quando viu que o avô já estava um pouco afastado, e sem olhar para o sol, porque faz mal aos olhos, virou-se para a coluna e perguntou: - É verdade que tu falas com as crianças, sol? – E ouviu por detrás da sua cabeça: - Claro que falo e ouvi perfeitamente a conversa que estavas a ter com o teu avô. Então queres saber o que significa aquela frase “tanto melhor se ris, tanto pior se choras”? Olha, se rires nunca envelheces, ficas criança para toda a vida, porque quando ouço uma criança a rir faço parar o relógio. Não te esqueças que eu “sou a alma do tempo”. Mas quando choram, fico com pena e acelero o tempo para que as pessoas não sofram muito. Acontece que, quando acelero o tempo, para que passe depressa e as pessoas esqueçam as suas horas más, provoco o aparecimento das rugas. – Ah! Então é por isso que o meu avô tem muitas rugas? – É. Mas se reparares bem, por dentro o teu avô não tem rugas, o tempo parou e é uma criança. E sabes que é por causa disso que tu gostas tanto dele? Foi então que a menina viu aproximar-se o avô e lhe disse que já sabia. – Ah! Já sabes? Então explica-me. As rugas da tua pele são as horas más e as tuas brincadeiras de que eu gosto muito são as horas boas. Avô! Eu não quero que tenhas mais rugas, vamos brincar os dois? – Vamos pois, disse o avô! E foram deixando para trás os quatro relógios de sol. O avô esqueceu-se de ler à neta que noutra face estava escrito o seguinte “A minha alma é o sol”. Para o relógio o sol era a sua alma, mas para o avô o sol era a neta. Um dia ficará a saber...

8 comentários:

Freire de Andrade disse...

Muito bonito! Vou copiar para contar à minha neta.

jotaC disse...

Lindo, sem sombra de dúvida.

Bartolomeu disse...

«É muito simples, explicou o avô, o sol anda e a sombra vai-se modificando.»
Em 1616 Galileu Galilei foi presente ao Tribunal do Santo Ofício. Em causa, estava a sua Teoria Heliocêntrica que declarava ser o Sol o centro imóvel do Universo e que a terra se move em seu redor. Esta herética Teoria, estava "teologicamente" errada, pois nada fora "ainda" pronunciado a nível científico.
;))))
Desculpe a brincadeira caríssimo Professor.
De todo o modo, o meu caríssimo amigo, não refere a data em que decorreu o ternurento episódio que nos relata. Podemos aceitar que fosse passado no século XVI e o carinhoso avô, pretendendo proteger a sua querida netinha, optasse por uma mentirinha sem importância.
Mas... como não poderia deixar de ser, o avô da menina, conduziu-a à reflexão introspectiva e ao auto-conhecimento, lembrando-se certamente dos ancestrais cultos à divindade "Sol", dos Egípcios aos Íncas... passando pelos Cristãos. ;)
E já agora, aqui fica um hino ao sol, por John Denver.
http://www.youtube.com/watch?v=eivZd4j5MBs

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Professor Massano Cardoso
Escrever para crianças também tem muito que se lhe diga!
Parabéns pelo conto e pela escrita, que os adultos certamente saberão apreciar, em particular o significado da frase “tanto melhor se ris, tanto pior se choras”!
Um dia destes também vou ensaiar passar para o papel um conto de criança...

Manuel Brás disse...

O relógio solar
de origens ancestrais,
é motivo para relevar
letras memoriais.

A beleza interior
da alegria desfrutada,
a rugosidade exterior
de uma vida disputada.

O Sol fonte de vida,
brilho intenso irradia,
a recordação devida
para lembrar um dia…

Manuel Brás disse...

Correcção à primeira quadra:

O relógio solar
de origens ancestrais,
é motivo para revelar
letras memoriais.

Suzana Toscano disse...

Lindo conto, a ler de um fôlego e a reler logo de seguida, a soborear. Vi há tempos uma casa solarenga, reconstruida, que tinha na fachada, em grande destaque, um relógio de sol, com a frase "Tempus fugit", um dos muitos recados que o sol nos dá, com o seu andar imperceptível mas impiedoso. Que o avô e a neta gozem bem os preciosos momentos da infância de um e das rugas de alegria do outro, e nós aqui a deliciarmo-nos com as histórias de ambos (que a menina há-de ilustrar, não é verdade? ;)

Inês Massano disse...

Obrigada por esta linda história :)