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sábado, 15 de agosto de 2009

Grandes lemas, grandes vidas

Há muitas maneiras de dizer a mesma coisa. Contaram-me que Eunice Shriver, essa extraordinária mulher do clã Kennedy que morreu há poucos dias, defensora dos direitos e da dignidade dos deficientes e fundadora dos Jogos Paralímpicos, tinha adoptado o lema dos gladiadores romanos "Que eu possa ganhar. Mas se não o conseguir, que eu possa ser corajoso na tentativa".
A coragem é um dos traços de carácter que mais afecta os outros, sobretudo os que nunca se atrevem e preferem contar com a condescedência perante a sua fraqueza. Os corajosos são os que têm medo mas tentam e se dispõem a viver as consequências, mantendo a sua coerência, aceitando que a sua escolha implica renúncia e risco, mas que tudo vale a pena em troca do prazer da concretização. Os fracos são os que querem estar em todo o lado, aproveitar das circunstâncias que outros criaram e tirar delas o proveito sem pagar o tributo do que se perdeu pelo caminho. Os corajosos são quem abre caminho, conseguem superar-se e surpreender, mesmo com os seus erros, os outros só fazem parte da mole que sempre engrossa a fileira dos vitoriosos depois de passado o perigo da derrota ou dos que choram o que podiam ter sido, culpando as circunstâncias.
Outra maneira de dizer a mesma coisa é o que Leonor Xavier (na revista Visão desta semana) conta do modo como Raul Solnado se lhe apresentou: “Sou um homem de palavra”.
São valores que têm a força do que persiste ao longo dos tempos, resistem ás falsas modas que parecem dispensá-los porque são apreendidos pelo sentimento e não pela dialéctica, por muito elaborada que seja. Deve ser por isso que, tão orgulhosamente, são invocados como traço distintivo de quem morreu e faz falta, deixou saudades, como se diz em português e em mais nenhuma língua. Ser um homem de palavra merece o respeito que se deve aos corajosos, aqueles em quem podemos e devemos confiar, que não precisam de papel passado, contrato ou prova que os prenda ao momento, que cumprem porque isso lhes é ditado pelo seu juízo pessoal e não pela ameaça de retaliação prevista na lei ou no julgamento dos outros. Um homem de palavra assume a coragem de tentar, compromete-se na acção e define o seu critério quando se atravessa no compromisso, dispondo-se a perder ou a ganhar, sem repudiar o lugar que lhe couber no resultado. O valor destes princípios, a imensa importância que eles têm na relação com os outros, é patente no facto de ninguém querer ser visto como uma pessoa que não honra a sua palavra, seja na sua vida pessoal seja na sua vida em sociedade, e a coragem manifesta-se de novo no modo como se escolhe os argumentos que hão-de ou não preservar a honradez, caso não tenha sido possível cumprir.
A coragem na tentativa, que norteou a vida de Eunice Shriver, é igual à afirmação de Solnado “sou um homem de palavra” porque ambos permitem que se confie na limpidez dos seus propósitos e na honestidade dos argumentos que lhes determinou a vida e as atitudes. E que isso mesmo se confirme na sua acção. Assim se explica que, num caso e noutro, sejam lembrados e respeitados pelo muito que fizeram, que suscitem gratidão e sejam símbolos de vida para quem os conheceu ou apenas soube da sua existência, apagando-se o registo das vezes que fracassaram ou do tempo em que se deixaram ignorar quando a luz dos holofotes vangloriou outros valores que não os seus. Aos corajosos, aos homens de palavra, venera-se os actos e a sua coerência, não as derrotas ou as vitórias, porque isso é apenas o episódio.
Que honra, que grande honra, poder viver uma vida longa e célebre, preservando na sua lápide o brilho dos lemas que os guiaram em vida!

3 comentários:

Bartolomeu disse...

Nem sempre a dimensão das vidas se acerta com a importância dos lemas... nem sempre uma lápide refle a honorabilidade do que repousa em tão humilde morada.
Faz um calor tremendo em Santarem, tão forte que afecta o descernimento de quem por lá... mora.

Suzana Toscano disse...

Pois é caro Bartolomeu, tem razão, quem escolhe um lema nem sempre consegue estar à altura, mas a memória dos que ficam teima em ser generosa para com os que partem, ao menos no que inscrevem na lápide, nesses casos alguma razão há-de haver!
Quanto ao calor, quando é demais derrete os miolos...sempre é uma boa desculpa.

just-in-time disse...

E se doravante a cidadania ficasse reservada aos homens e mulheres de palavra e coragem...
E se doravante adoptássemos a Constituição de Capristano de Abreu (individualidade brasileira):
Art. 1°- É obrigatório ter vergonha na cara.
Art. 2°- São abolidas todas as demais disposições.
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