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sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Os maus exemplos...

A vaga de suicídios na France Telecom que ocorreu nos últimos meses – vinte e quatro trabalhadores suicidaram-se desde Fevereiro de 2008 – deve-nos fazer reflectir sobre a fúria a que hoje assistimos nas reestruturações das empresas, impulsionadas pelo objectivo da eficiência, muitas vezes assimilado a sobrevivência, num mundo de globalização e competição. A France Telecom admite ter cometido diversos excessos.
As empresas estão hoje sujeitas a pressões tremendas impostas pela forte concorrência dos mercados em que operam e, em particular, debatem-se hoje com uma crise financeira e económica à qual muitas não têm como fazer face.
Se é verdade que este ambiente de competitividade favorece a criatividade e a inovação, trazendo, por conseguinte, novos desafios e oportunidades de realização aos trabalhadores e maiores níveis de satisfação pessoal e profissional, também não é menos verdade que aquela envolvente é também geradora de acréscimo de stress, ao qual está associada uma maior responsabilidade de corresponder e de fazer por parte dos trabalhadores, acompanhada muitas vezes por ansiedade e medo.
Os gestores das empresas têm necessariamente grande responsabilidade na forma como conduzem as organizações, gerem as relações com os trabalhadores, designadamente no modo como acompanham e motivam o seu desempenho, sendo que os princípios da razoabilidade e do bom senso quando ausentes podem matar a “galinha dos ovos de ouro”.
A alma das empresas são as pessoas. Sem o aproveitamento inteligente do seu talento e o devido reconhecimento do seu trabalho e sem cuidar do seu bem estar, pessoal e colectivo, as pessoas não se sentem felizes no trabalho. Não é unicamente um problema das pessoas, é particularmente um problema das empresas que num ambiente deprimido têm dificuldade em obter bons desempenhos.
Não sei se é possível, parece que não é prudente fazê-lo, associar os suicídios dos trabalhadores da France Telecom às dificuldades da sua adaptação à reestruturação “tecnológica” que a empresa tem em curso, que passa, entre outras coisas, segundo li, pelo aumento das competências dos trabalhadores e pela sua transferência para novas funções.
Espantou-me, no entanto, verificar que algumas pessoas invocaram, para desvalorizar o fenómeno, que a taxa de suicídio na France Telecom – com cerca de 100.000 mil trabalhadores - está alinhada com a taxa de suicídio estimada para a França que se situa em 26,4% por cada 100.000 homens e que, portanto, nada de anormal se passa, esquecendo-se, no entanto, que os vinte e quatro suicídios da France Telecom se verificaram num grupo fechado. Não são, portanto, uns quaisquer 100.000 habitantes.
Com efeito, a responsabilidade social que tanto é invocada pelas empresas, sobretudo as grandes, deve começar dentro de casa, assegurando, accionistas e gestores, que as políticas de empresa são efectivamente geradoras de bem estar para os trabalhadores e as suas famílias e são capazes de manter as pessoas felizes no trabalho. Numa época em que se fala tanto de crise, seria bom que se falasse mais de ética empresarial e de gestão porque a crise é, essencialmente, de valores...

6 comentários:

Bartolomeu disse...

Grande post, cara Dr.ª Margarida.
O concelho de Odmira é aquele que regista a maior taxa de suicídios em Portugal. Segundo a lenda um jovem Emir de Odmira terá cometido o suicídio no lugar de Porto Covo, não devido à reestructuração da France Telecom, mas sim a um desgosto de amor. Alguns estudiosos do assunto referem a taxa de iodo, como o causador de tão localizado fenómeno. Lá mais para cima, para os lados da Suécia, registam-se as maiores taxas de suicídio da Europa. Dizem os estudiosos do assunto que o fenómeno se fica a dever à falta de motivação, provocada pelo alto nível de vida.
Seja como for, ha um aspecto que é comum ao ser humano: a resistência à mudança.
É, o ser humano, principalmente o homem, talvez pelas suas aptências para a liderança, não se consegue enquadrar fácilmente num quadro de alterações impostas às rotinas, ou aos métudos em uso.
Ética empresarial... este é talvez o aspecto mais determinante, senão vejamos: Tomemos como exemplo uma empresa que no final do século passado cresceu imensamente. Esse crescimento ficou a dever-se à etica empresarial que vigorou, a qual servindo-se de métudos de gestão consolidou o crescimento da empresa, oferecendo "regalias" de trabalho acima da média no sector. Ou seja, quanto mais a empresa crescia, melhores eram as condições de trabalho oferecidas aos funcionários, assim como os apoios sociais, o que era gerador de motivação e empenho dos funcionários.
Depois, com nova administração, vieram os objectivos, com eles as reuniões até às "tantas" para ficar a ouvir um "papagaio" que ninguem sabia de onde vinha nem para onde ia, a debitar estratégias agressivas de ataque ao mercado. A seguir surgiram os cortes de regalias e apoios sociais, justificados pelas diminuições das vendas, em simultâneo surgiram as primeiras rescisões e contratação de novos gestores de produtos, financeiros, de recursos humanos e mais não sei o quê. Para estes gestores foi adquirida uma frota de veículos de gama média-alta, foi-lhes concedido cartão de crédito e as rescisões sucederam-se, caindo a sorte sobre os funcionários mais velhos e consequentemente, menos capazes de "entender" as novas visões de gestão.
Dizia-me em conversa um antigo chefe de sector desta empresa: sabe qual é a minha vontade? Ir lá e meter uma bomba que atirasse aquilo tudo pelos ares. Eu e os meus colegas demos os melhores anos da nossa vida àquela empresa, nós é que a fizemos, para agora de um dia para o outro, aparecer um gestorzeco ainda de coeiros presos ao rabo e virar aquilo tudo de pantanas.
Ética, cara Margarida... pode ser uma caixa de pandora... pode ser, ou então não, depende.

Manuel Brás disse...

A cartografia empresarial
com declives acentuados,
exerce uma força tensorial
de princípios desvirtuados.

A responsabilidade social
é, por vezes, desprezada,
por uma cultura demencial
miseravelmente enfezada.

Neste mundo oportunista
inundado de hipocrisia,
a negociata é hegemonista
e baseada na agnosia.

O mínimo de sensibilidade
e um justo reconhecimento,
é um sinal de razoabilidade
para o são desenvolvimento.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

At 14:46, Margarida Corrêa de Aguiar said...
Caro Bartolomeu
Focou um aspecto importante na sua reflexão, o da resistência à mudança. A mudança nas mais diversas modalidades é tolerável pelo homem quando lhe abre perspectivas de bem estar e satisfação, mas temperada de resistência. É na mudança que se faz a evolução. O homem está preparado para se adaptar à mudança e dela ser um agente activo, mas num quadro de determinada estabilidade emocional. A ruptura dos frágeis equilíbrios físicos e psicológicos de que somos feitos pode ser grave.
Também nas empresas as relações laborais são feitas de delicados equilíbrios, difíceis de conseguir numa realidade em que os interesses em jogo nem sempre convergem ou são antagónicos. A gestão de "cedências" é uma arte, um desafio. Os radicalismos é que nunca levam a lado algum...

Caro Manuel Brás
Sensibilidade é o que sempre nos mostra nos seus inspiradores versos...

Suzana Toscano disse...

Excelente post, Margarida, mas receio bem que seja mais difícil valorizar as pessoas que os números. De facto, como quantificar as quebras de produção resultantes do "clima"? Ou como atribuir os bons resultados a níveis mais baixos do que os que deslumbram o povo pelo montante dos prémios de gestão? Nas empresas com grande dimensão e que durante décadas foram referência de qualidade e profissionalismo, a que as pessoas tinham orgulho de pertencer e acabavam por ter uma dedicação enorme, o chamado e caído em desuso "amor à camisola", é muito mais cruel dispensar as pessoas, sentem-se profundamente humilhadas dentro do meio que se habituaram a considerar como "seu" e não pode ser encarado como uma empresa qualquer, que dura meia dúzia de anos e depois ou é vendida a outra ou fecha. E é pena que os gestores não distingam os sítios onde vão parar.

MC disse...

Excelente post. Concordo.
Gostaria de acrescentar que, como diz o Povo, "a caridade começa em casa". Tenho observado o crescimento das preocupações com a valorização das pessoas, como forma de garantir a sustentabilidade social. Tenho assistido a uma explosão de iniciativas desse tipo. Mas também tenho encontrado formas do mais despudorado fariseismo no que respeita aos agentes de tão caritativas iniciativas. Exemplos? Como pode um conferencista ignorar o que se passa com quadros da sua relativamente pouco numerosa equipe? Como pode alguém padecer de doença grave, muito grave, e para além da ausência de um contacto pessoal (telefonico, até) ser contactada através de "ofícios"? Não estou a falar de conglomerados, mas de organizações médias, com corpos directivos de elevada estirpe profissional.
Hoje estou assim! A assistir à agonia de alguém que se sente um "trapo". E que é tratada como tal. Quem é? Será que não conhecemos todos alguns casos assim?

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
Sempre acreditei no “small is beautiful”…

Caro Manuel
De facto cada organização é um caso. Existem “receitas” mais ou menos consensualizadas de como as pessoas e as organizações devem ser geridas e de como as pessoas se devem relacionar e estar nas organizações, na atitude perante o trabalho e na sua relação laboral, nas relações entre hierarquias ou nas relações informais que são por vezes tão ou mais importantes que as relações formais.
São “receitas” que nunca são “confeccionadas” da mesma maneira porque cada organização é um caso e as pessoas que lá trabalham, individualmente e colectivamente, também são únicas. Quem gere organizações conhece bem estas questões e os desafios que se colocam, mas nem todos têm presente que a alegria e o bem estar no trabalho é um valor a estimular e a preservar, mas é também uma resultante que implica o empenho de toda a organização e de cada pessoa que nela trabalha. Prosseguir neste caminho é uma tarefa difícil, mas compensadora, mesmo que encontrando umas "pedras" pelo caminho...