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quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Quando tudo é corrupção, nada é corrupção!...

Na onda que passa, a “corrupção” é palavra da moda e, de geometria variável, aplica-se a todas as situações. O conceito foi democratizado, e abrange indistintamente a “grande corrupção” do Freeport e a “pequena corrupção” da sucata; a “criminosa” gestão do BPN e as “negociatas” do Terminal de Contentores; a “fraude” dos Contratos de adjudicação das auto-estradas e o “roubo” inerente aos contratos de adjudicação de submarinos. Tudo é democraticamente tratado por igual: casos que estão em Tribunal, casos em processo de averiguações e casos em que se pretendem averiguações para os “réus” irem a Tribunal.
No entanto, trata-se de situações muitos diferentes. Uma negociação de preço das auto-estradas por alterações supervenientes de condições financeiras e de acesso ao crédito, que as houve, e que respeitam à vida das concessões, nada tem a ver com negócios rápidos de sucatas a troco de brindes, mesmo que automóveis.
A onda é avassaladora e tudo arrasta. Fabricam-se “réus” e produzem-se “corruptos” e “corruptores” da noite para a manhã. Por atacado, ou a conta gotas, os nomes e as caras são exibidos diariamente nas televisões, à entrada e saída dos Tribunais. E assim sumariamente julgados. O julgamento verdadeiro pode assim esperar, que a produção de prova só é complexa quando é necessário provar, não quando é necessário acusar.
No meio de tudo isto, o Governo em vez de produzir legislação eficaz que regule os processos e defenda os cidadãos presumivelmente inocentes, tem a suprema hipocrisia de falar de "espionagem política", se os acusados lhe são de feição, ou de aconselhar a que se deixe a justiça funcionar, se os acusados lhe são indiferentes.
A corrupção é um dos maiores males que nos pode atingir: abala a sociedade, destruindo importantes valores, e abala a economia, destruindo um dos seus pilares, a concorrência.
Mas o espectáculo actual não dissuade a corrupção, antes a promove. É que, quando tudo é corrupção, e os processos demoram anos, nada é corrupção!...

12 comentários:

Tonibler disse...

Caro Pinho Cardão,

Mas é tudo corrupção e todos os partidos estão envolvidos. Porque todos recebem. Portanto, os inocentes e os culpados já estão encontrados há muito tempo. Só falta a punição que, com o tempo, chegará. A forma, é que poderá ser por via judicial ou por outra via que a populaça julgue mais indicada na altura. Agora, o caminho, esse, parece-me traçado e o final da história não me parece que vá ter muitas versões...

Pedro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
jotaC disse...

Quem tem poder está sereno, o povo preocupado que está com a gripe A e o desemprego não “espiga”, portanto, se calhar, corrupção e tráfico de influências são figuras de retórica utilizadas por uns tantos invejosos, do sucesso mediático de outros tantos…
;)

Pinho Cardão disse...

Caro Tonibler:

Pois neste momento já tudo parece ser igual. E, se parece igual, começa a ser igual.
Mas há diferenças. Simplesmente, já ninguém as quer ver. Vai tudo pela mesma medida. Ora isso não é admissível. Que é que tem a ver a questão de preço das auto-estradas, na base constante da proposta vencedora, e alterado devido a previstas circunstâncias supervenientes no âmbito do financiamentodo, submetido ao Tribunal de Contas, que, bem ou mal, deu o seu veredicto(pelo que se sabe, razões apontadas para negar autorização parecem-me pouco sólidas, por inadequada análise financeira, mas isso é outra coisa) com, por exemplo, uma adjudicação directa indevida?
As coisas não são iguais.

Caro Paulo:
Aí é que está o perigo. Primeiro cospe, depois habitua-se. Com o tempo, até é capaz de vir a gostar da mistela. Tanto se berra que aqui vai lobo que, quando ele chega, já ninguém liga e o lobo pode passear-se à vontade.
Se há acusação, o julgamento deveria ser rápido, as provas existem ou deviam existir. Não se pode é estar anos à procura das provas. Desacredita todo o sistema de justiça.

Caro jotaC:
É claro que o povo deixa de ligar e essa é a maior acusação que se pode fazer ao poder político, que não reforma o sistema de justiça e ao poder judicial e da magistratura que também contribui para este estado de coisas.
Parece é que o poder político tem medo de mexer no assunto. Vã lá saber-se porquê!...

Suzana Toscano disse...

Concordo com o Pinho Cardão, embora cada uma dessas situações possa ser comentada e analisada do ponto de vista do interesse publico ou da legalidade, não são a mesma coisa e confundir tudo é, de resto, a melhor forma de nunca se esclarecer coisas nenhuma.

Suzana Toscano disse...

Acaba de ser editado em França um livro intitulado "Les discrètes vertus de la corruption", de Gaspard Koenig, um livro muito curioso e interessante em cuja introdução se fala precisamente na dificuldade de identificar a corrupção e de a distinguir de outras realidades com que convivemos todos os dias. Aí se lê: "estranhamente, não há nas bibliotecas muitas reflexões sobre a corrupção. (...)De um lado, os praticantes mudos, de outro, os teóricos cegos. A juíza Eva joly, essa grande figura da luta anticorrupção, sublinha essa dificuldade que há em falar do assunto:Um segrado de iniciados que se joga entre poucos jogadores. São raros os que tiveram a oportunidade de penetrar na espessura das coisas, por detrás das aparências, e que regressaram. As nossas elites estão intelectualmente desmunidas face a esta questão"

Manuel Brás disse...

De geometria variável
entre linhas tortuosas,
a corrupção é odiável
por razões virtuosas.

A onda avassaladora
tudo parece arrastar,
sendo denunciadora
do regime a enquistar.

A liberdade carenciada
nesta abjecta democracia,
tem sido tão depreciada
por tanta “merdocracia”.

Tonibler disse...

Caro Pinho Cardão,

"Quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele". E, outro, "bate na tua mulher porque se tu não souberes porquê, ela sabe". Para o cidadão, nesta fase, é igual.

Pinho Cardão disse...

Pois é, caro Tonibler, o problema é quando a mulher começa a bater no marido pelas mesmas razões...

Suzana Toscano disse...

...e ele também saberá porquê.

Suzana Toscano disse...

A melhor forma de provar que um problema não existe é reduzi-lo ao absurdo, carreando tantos e tão diversos detalhes que no final já ninguém perceba nada do que se passou.A dificuldade estará, como sempre, em quem recebe a informação ser capaz de distiguir o que é atirado para confundir e o que é relevante para se chegar à verdade. No caso meio oculto misturam-se prendas de automóveis e relógios de luxo com brindes de Natal (hoje ouvi falar num decantador de vinho),mais um pouco e no rol virão as agendas com capa de pele gravada, tudo alinhado como "provas" irrefutáveis-de-qualquer-coisa-estranha,conversas escutadas que não foram gravadas e gravações que não foram escutadas.Até que o assunto canse.

Anónimo disse...

Ora aí est+a Suzana. 100% de acordo.