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domingo, 7 de fevereiro de 2010

Ruído e direitos dos cidadãos

Não sei se Júlio César sofria ou não de insónias, mas caso sofresse, e razões para as ter não lhe deveriam faltar, com toda a certeza, seriam agravadas pelo barulho provocado pelas bigas, uma espécie de cabriolet da época puxado por dois cavalos que, naquelas avenidas de pedras, produziam um ruído ensurdecedor. Não esteve com meias medidas. Proibiu a circulação em certas horas, sobretudo durante a noite. Que eu saiba, e também não consigo imaginar, este regulamento não era violado. Sabe-se lá quais seriam as consequências! Às tantas poderiam chegar a um silêncio sepulcral. Esta medida de proteção do meio ambiente, importante contributo para a qualidade de vida, manteve-se com os seus sucessores, acabando por chegar a todas as cidades do império. Séculos antes (VI aC), os etruscos já delimitavam as zonas da cidade destinadas ao repouso das zonas de trabalho e se houvesse zonas dedicadas ao entretenimento também deveriam ter a mesma atitude. Ou seja, as preocupações com as fontes do ruído não são de hoje.
As consequências da exposição ao ruído são variadas, perturbações da capacidade auditiva, agressão do sistema endócrino, curiosamente um dos principais pontos de choque, alterações do sono, perturbações comportamentais, hipertensão arterial, doenças cardiovasculares, perda de produtividade laboral e escolar, enfim, infindáveis manifestações biológicas e sociais.
A política de prevenção e de controlo da exposição às várias fontes de ruído estão muito bem definidas, a nível ocupacional e a nível geral. Regulamentos não faltam. O pior é a aplicação prática e a fiscalização dos mesmos. Dentro das várias fontes de ruído destaco a que tem a ver com o divertimento. Sendo uma manifestação cultural é desejável que seja cultivada e desenvolvida mas sem ser fonte de problemas para a saúde. Quando ocorre um evento esporádico, barulhento, ao ponto de perturbar o descanso, pode-se afirmar que não causará grande mal ao mundo, porque a nossa capacidade de recuperação rapidamente compensará qualquer efeito negativo. Mas o mesmo já não se poderá dizer quando a agressão se transforma num continuum ou se repete de tal modo que nem dá tempo a que se proceda à tal recuperação. Neste caso, surgirão, inevitavelmente, manifestações negativas.
O licenciamento de atividades de diversão em locais vocacionados ao repouso terá de ser repensado. Não faz sentido o que observamos. Ter-se-á de encontrar soluções que passarão, entre outras, pela escolha de áreas destinadas a esse efeito, dentro ou fora da cidade, mas nunca em zonas residenciais.
O não respeito pela legislação já começa a originar situações complicadas para os não cumpridores. Não entre nós, povo tradicionalmente tolerante, ou melhor, laxista, mas, na vizinha Espanha, as coisas estão a complicar-se para os prevaricadores. O Supremo Tribunal confirmou a sentença que condenou a dona de um pub de Barcelona a cinco anos de prisão como responsável de um delito contra o meio ambiente além das indemnizações aos vizinhos. No seu estabelecimento funcionava até às três da madrugada um conjunto musical que “perturbou gravemente a vida familiar e a saúde psíquica de quatro vizinhos”. Não cumpriu com as determinações da municipalidade e o tribunal não teve dúvidas em condená-la após queixas dos vizinhos. Uma demonstração inequívoca de defesa dos interesses da qualidade de vida dos cidadãos. Afinal, as regras etruscas e romanas têm razão de ser. Tardam, mas acabam por ser cumpridas, nem que seja muitos séculos depois, e à traulitada!

4 comentários:

Catarina disse...

As leis são aprovadas e são para ser cumpridas. De contrário, há consequências. Um bom exemplo, esses nossos vizinhos espanhóis! E em Portugal? O que tem acontecido ou acontecerá se um indivíduo ou grupos de indivíduos decidirem que essa lei é uma treta e, portanto, fazem de contas que não existe?! Quais serão as consequências punitivas?

Anónimo disse...

Apontamento muito oportuno, caro Professor. Sinto que às boas intenções de há uns anos atrás se seguiu a habitual hemorragia regulamentar que, longe de estabelecer limites fáceis de entender, elaborou um enredo de regras, excepções e casos especiais. Consequência? O laxismo na observância do que interessa, isto é, na criação de um ambiente isento de poluição sonora em zonas onde a tranquilidade é condição de saúde.
Há dias fui procurado por representante de um grupo estrangeiro que tinha intenção de estabelecer uma clínica num terreno a pouca distância de um aeroporto muito movimentado. Apesar de apostar que no País do investidor isso seria impensável, mesmo assim dei-lhe conta das restrições existentes no nosso ordenamento. E manifestei-lhe que neste caso a lei é a do bom senso antes de ser a da República.
Para meu espanto a reacção não foi a esperada, e lá continuou o homem com a ideia de que o ruido se resolve com uns bons isolamentos sonoros na edificações. Pormenor: a mais-valia da clinica era a sua integração num espaço aberto, pretendendo-se que a recuperação de alguns dos doentes beneficiasse do ar livre. Imagino que deverão ter solução para isolar acusticamente os jardins...

Bartolomeu disse...

É noticia no Diário de Coimbra, o pedido do presidente de câmara da cidade de Leogane, no Haiti, ao presidente de câmara da cidade de Coimbra, em Portugal, de geminação das duas cidades.
(http://www.diariocoimbra.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=6143&Itemid=135)
Entreposto por um responsável da "Promundo" e professor de uma escola de Coimbra, Fernando Castro, inclui este projecto, a reconstrução de uma escola profissional naquela cidade Haitiana.
O professor de Coimbra, que se deslocou ao Haiti com a finalidade de prestar ajuda humanitária, distribuindo bens e medicamentos pelas vítimas do terramoto, conta com a colaboração da edilidade Conimbricense para levar a cabo este projecto.
Uma das "falhas" no funcionamento do ser humano é o convencimento da necessidade de aumentar os decibéis, para se fazer ouvir e aumentar o grau de eficácia daquilo que propõe.
Alguns... conseguem transformar barulho em acção!

Massano Cardoso disse...

Não seria uma clínica para surdos?