Número total de visualizações de páginas

quarta-feira, 7 de abril de 2010

As novas fronteiras


A revolução da mobilidade ou, como alguns já lhe chamaram, a democratização das viagens, foi muito rápida. Em poucas dezenas de anos, o que era uma excepção ou um luxo ficou ao alcance de todos e abrange o mundo inteiro, de repente os nossos jovens vão festejar o fim do ensino secundário ao Brasil ou a Cuba e as licenciaturas celebram-se no México, nas Caraíbas, na Tailândia… Parece que a Austrália e a Nova Zelândia são muito cobiçadas para os novos Erasmus e tudo se passa com um “vou ali e já venho”, como se voar para milhares e milhares de quilómetros de distância fosse um gesto banal do quotidiano.
No entanto, nos últimos anos as medidas de segurança nos aeroportos tornaram-se de tal forma minuciosas que a alegria das viagens passou a ser ensombrada por essa maçada incrível que é passar os controlos que, ainda por cima, nos invocam a cada momento o perigo de morte que pode espreitar no mais insuspeito dos gestos de cada candidato a embarcar. Nos aeroportos formam-se filas intermináveis – a entrada nos EUA é um exercício impressionante – a teia organizada para gerir os fluxos de pessoas e cada pessoa em si é gigantesca, é preciso lembrar mil detalhes, tirar os sapatos, o cinto, os colares e tudo o que possa brilhar ao sol, ligar os computadores, passar na tal máquina que até vê o esqueleto e ouve-se monotonamente nos corredores, como uma reza, “qualquer bagagem abandonada será de imediato destruída”. É proibido fechar as malas à chave – serão arrombadas se o estiverem – e muitas das malas regressam com uma cinta a dizer “inspeccionada”.
Em conversa com um casal de americanos comentei como esta gigantesca máquina de desconfiança e de verificação me parece inibidora de viajar, ao fim de horas naquilo ou da repetição das operações em cada aeroporto uma pessoa até começa a sentir-se culpada e “com medo” de um sinal de mau humor que a deixe do lado de cá da cobiçada linha de embarque, com o terrível labéu de suspeita. Ou seja, passámos todos a ser tratados como potenciais terroristas ou violadores da lei da imigração, sem qualquer cerimónia, o que é bastante constrangedor. E eles responderam-me, tranquilamente, que os filhos deles, de vinte e poucos anos, acham muito estranho que “dantes” não houvesse estas limitações todas, não conseguem sequer imaginar que fosse possível pegar numa mala, incluindo frascos e champôs, e passar tranquilamente pelo senhor que carimbava os passaportes. Na verdade, diziam eles, esta geração já não soube o que era viajar livremente e considera todas estas barreiras um benefício para a sua segurança. Aprenderam a viver com o terrorismo e isso faz parte da sua normalidade.
Ao olhar aquelas multidões em movimento permanente e ao observar o funcionamento dessa plataforma policial gigantesca em que se tornaram os aeroportos para impedir a imigração ilegal e prevenir o terrorismo, tem-se a sensação muito nítida de que, de facto, quase sem darmos por isso, o mundo está louco. Ou prisioneiro das novas e invisíveis fronteiras do medo, que confrontam a liberdade de viajar.

3 comentários:

just-in-time disse...

Voltamos assim à cultura do medo que já tinha medrado no século XIX.
Para Montesquieu, o medo era o princípio que sustentava o despotismo, mas já para Michel Foucault não há liberalismo sem cultura do perigo e os procedimentos de coerção vão constituir o contraponto da liberdade.
E, afinal, vamos a caminho de quê?

Bartolomeu disse...

Bin Laden, disse-o declaradamente, não mandou dizer por ninguem; os objectivos primeiros que os atentados perpetrados pela Al-Qaeda visam atingir, são precisamente, criar a insegurança e o pânico nas populações dos países que constam da lista que ele também fez questão de tornar pública.
A partir d'aí e da constatação real que "homem" não está a fazer bluf, conhecendo como já se conhece a eficácia dos meios e dos métudos que os operacionais daquela organização utilizam, não resta outra solução aos países ameaçados, que prevenir possíveis atentados, utilizando também eles, todos os métudos ao seu dispôr.
Ao que parece, existem também no nosso país células adormecidas da Al-Qaeda, que não se sabe se têm a finalidade de operar no nosso país se "nos" utilizam como "ponte".
Segundo a teoria de José Rodrigues do Santos, no seu "Fúria Divina", os Islâmicos radicais, têm planeada a reconquista dos territórios na península que em tempos lhes pertenceram.
Eles que venham para cá com tretas que eu «dou-lhes o arroz» levam uma coça que deixam de saber de que terra são...

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
Penso que a nossa geração também encara as barreiras da mobilidade como um mal necessário, um custo que está disposta a “pagar” para viver em liberdade.
O que penso que nos distingue das gerações mais novas é a capacidade de percebermos as diferenças entre o mundo actual e o mundo de ontem e a evolução a que assistimos em poucos anos dos conceitos de defesa e de segurança.
A mobilidade à escala global, mas também num perímetro mais localizado entre “portas”, poderá sofrer recuos importantes, devido ao medo e às barreiras impostas pela necessidade de segurança de pessoas e bens e de defesa de soberania e sistemas de inteligência. Nestas circunstâncias, cada cidadão passou a ser tratado, simultaneamente, como um cidadão de direitos que precisa de ser protegido e como um potencial terrorista que precisa de ser travado. Não vislumbro qualquer recuo neste caminho.