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sexta-feira, 2 de abril de 2010

Democracia e Crescimento (I)

O sucesso das democracias liberais do Ocidente no pós-guerra gerou a percepção – quase mítica – da superioridade do sistema democrático na promoção do crescimento económico. Para muitos, o descalabro dos regimes ditatoriais de inspiração soviética no final do século XX constitui prova irrefutável de que a liberdade política inerente à democracia é um ingrediente indispensável no caminho para a prosperidade das nações. Tão arreigada convicção gerou uma onda de “conversões” à democracia pelo mundo inteiro no final do século passado. Com que resultados?

Em trabalhos cujo início remonta à década de 90, o Professor Robert Barro – perene candidato a Prémio Nobel da economia – tem vindo a testar empiricamente a hipótese da superioridade da democracia na promoção do desempenho económico dos países. As conclusões são: nem sim, nem não.

O facto de muitos dos países mais bem sucedidos na esfera económica serem democracias não é evidência suficiente para provar os méritos económicos da democracia. Aliás, com alguma paciência, consegue-se identificar vários contra-exemplos, o mais gritante dos quais respeita à China. Com efeito, a China nunca abandonou – nem tão pouco aliviou – o forte controlo da sociedade pelo seu aparelho político, mas o seu desempenho económico nos últimos trinta anos não conhece paralelo no mundo actual. Por outro lado, vários países africanos não lograram elevar os seus padrões de vida pelo facto de terem transitado de regimes totalitários para regimes “democráticos”. Mais próximo de casa, é inegável que tanto Portugal como Espanha tiveram um ímpeto económico ímpar na década de 60, período em que ambos os países viviam sob ditaduras…

Não querendo, de modo algum, questionar a bondade da democracia, parece que outros elementos, como a livre concorrência, a abertura ao exterior e a qualidade das instituições, podem ser decisivos para o crescimento da riqueza. Por outro lado, com todos os seus méritos, a democracia, por vezes, inibe a prossecução de políticas económicas maximizadoras do crescimento, sobretudo em situações em que o governo incumbente foi eleito sob uma plataforma populista de extensão do peso do estado, na economia e não só. “Ring any bell?”

Permito-me adoptar o estilo de fascículos que com tanto sucesso a Suzana Toscano tem relatado o seu périplo pelos EUA, interrompendo aqui o post. Na continuação, discutirei como esta questão da democracia vs crescimento entronca na actual situação económica de Portugal.

Uma Santa Páscoa.

11 comentários:

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Prof. Brandão de Brito
O facto de a democracia ter outros méritos que não apenas os económicos pode ajudar à análise da interessante questão colocada no seu texto. Vou aguardar curiosa pelo próximo capítulo...

Tonibler disse...

É, se calhar, por este tipo de estudo empírico que se diz que a economia é uma pseudo-ciência. A liberdade é mais que um factor de crescimento económico por si só, ele confunde-se com a própria economia. Isto é óbvio do ponto de vista físico e até faz confusão como isto possa ser objecto de estudo empírico.

O que acontece é que a democratização do poder formal pode não corresponder a uma liberdade efectiva dos agentes económicos, por aumento do crime ou a ocorrência de outro tipo instabilidade que traz outro tipo de constrangimento ao relacionamento dos agentes.

Olhar para a China como um caso de desempenho económico sem paralelo prende-se com o facto de termos 10^9 agentes económicos que subitamente passaram a ter mais liberdade de contacto que aquele que tinham antes mas, na realidade, a liberdade política iria gerar um crescimento muito maior - se não trouxesse guerra, por exemplo, que geraria constrangimentos maiores que o poder político.

Fisicamente, a bondade da democracia até pode ser questionada se trouxer constrangimentos maiores que a existência de um poder mais enérgico, isto é, se reduzir a liberdade.(que acontece!...)

Carlos Sério disse...

Caro Brandão de Brito,
Não sei francamente onde ou como “a bondade da democracia”, tem a ver com a livre concorrência, a abertura ao exterior ou a qualidade das instituições. Elementos que sem dúvida pesam no desenvolvimento económico.
Afirma o Brandão de Brito – “Por outro lado, com todos os seus méritos, a democracia, por vezes, inibe a prossecução de políticas económicas maximizadoras do crescimento, sobretudo em situações em que o governo incumbente foi eleito sob uma plataforma populista de extensão do peso do estado, na economia e não só”.
Vamos por partes. Mais uma vez se confunde “peso do estado” com má gestão do estado.
Se a DCP galgou de 29,7% no período 1986-1995 para 35% no período 1995-2001, o idadão não beneficiou em nada com este aumento do peso do estado. Na verdade esta subida não foi justificável por não ser acompanhada por quaisquer melhorias nos serviços prestados pelo Estado. Os cidadãos não sentiram melhorias na Educação, na Saúde, na Justiça ou na Segurança. A verba correspondente a 5,3% do PIB foi assim completamente desbaratada sem constituir qualquer benefício para os cidadãos. A criação de empresas municipais e outros órgãos do Estado paralelos aos serviços existentes, com dirigentes recrutados das clientelas partidárias, são a principal causa desta fortíssima subida da DCP. Este “edifício” da Administração Pública bem arquitectado pelos nossos políticos, ampliar-se-ia continuamente nos anos seguintes o que explica a subida, sempre crescente, da DCP sem qualquer benefício para o cidadão. É um ónus, que os portugueses desde então pagam anualmente com o seu trabalho e com os seus impostos. Pagam o desperdício, a ociosidade e a corrupção institucional deste “sistema político corrupto-administrativo”. E será completamente utópico pensar que a nossa classe política, por sua iniciativa, poderá algum dia deixar de usufruir tais privilégios.
Por cá o que se assiste não é “a extensão do peso do estado, na economia e não só”. O encerramento de centros de saúde, escolas, tribunais, privatizações, é de facto reduzir funções sociais do estado contrária a qualquer política social-democrata, medidas que, quando não concretizadas, no entender de muitos, “inibe a prossecução de políticas económicas maximizadoras do crescimento”.
Mas vejamos a coisa de outro modo - Porque não a par de uma verdadeira reforma da administração pública com extinção de todos os órgãos parasitários não se extingue também os governadores civis, o tribunal constitucional, os cargos de representante da republica nas regiões autónomas, porque não reduzir o número de deputados para metade, ... ?

José Maria Brandão de Brito disse...

Pontos muito interessantes.
Gostaria de fazer um ponto de ordem. Estou a cinggir-me à relação entre democracia e desempenho estritamente económico. A democracia tem várias vantagens e a este respeito subscrevo inteiramente Winston Churchill.

Num dos comentários é dito que se confunde peso do estado com má gestão. Não se confunde nada. Tirando as funções clássicas de soberania e a provisão de bens públicos, quanto maior for o peso do estado - sob a forma de impostos, burocracias, controlos á livre iniciativa, etc - menor a eficiência do aparelho produtivo de um país. Só depois entram as questões da qualidade de gestão, a corrupção, os clientelismos, etc.

Carlos Sério disse...

Confunde-se seguramente na medida em que se afirma, que o alto défice português se deve ao “peso do estado”. Ora 10% do PIB deve-se a um “peso do estado” que não acarreta qualquer benefício para os cidadãos e que se deve apenas ao parasitismo, à corrupção institucional de uma administração pública moldada para servir interesses de clientelas partidárias e criada sobretudo a partir de 1995. Sem este ónus parasitário, as contas portuguesas não estariam com problemas e ninguém falaria em “peso de estado”. É neste sentido abrangente que falo na confusão que existe e de que os senhores do “sistema” nem querem ouvir falar.

Carlos Sério disse...

Como é possível que num país onde uma verba correspondente a 10% do PIB !!!!! são desbaratados sem aproveitamente social possam considerar-se como uma questão em que
“Só depois entram as questões da qualidade de gestão, a corrupção, os clientelismos, etc.”????

José Maria Brandão de Brito disse...

Eu nunca me referi a Portugal em concreto, mas partilho da sua indignação relativamente ao ponto que levanta.

Mas continua a não haver qualquer confusão: o maior peso do estado reduz a eficiência do sistema económico, mesmo onde a gestão da coisa pública é da maior qualidade.

Carlos Sério disse...

Mas qual o peso ideal do Estado? Em teoria, a intervenção do Estado na economia envolve um compromisso entre prestação de serviços públicos e distorções, atrofiamento do crescimento económico provocado pelos impostos. Quando o peso do Estado é muito reduzido, o que se poupa em distorções não compensa as insuficiências na prestação de serviços essenciais. Quando o peso do Estado na economia é demasiado grande, o efeito negativo dos impostos tende a dominar, resultando um menor crescimento. Algures no meio estará a dimensão do Estado que maximiza a eficiência e o bem-estar social. Tudo em teoria, no pressuposto de um Estado ideal sem distorções causadas por uma má gestão.
Duas posições são comuns:
– a primeira, para quem o crescimento económico é o princípio e o fim de tudo, independentemente da distribuição da riqueza criada, das condições sociais dos cidadãos, do modo de regime (de maior ou menor totalitarismo ou democracia), independentemente ainda do processo de produção (com mercado ou atrofiamento de mercado pelas posições dominantes de mono e oligopólios) ou da especulação financeira. Para esta posição o que se torna fundamental é o crescimento económico em si mesmo esquecendo e menosprezando tudo o resto.
– A segunda, para quem o crescimento económico está associado ao desenvolvimento social, à atenuação das desigualdades sociais, ao regime democrático, à intervenção no mercado onde ele se encontre distorcido por domínio monopolista. Aqui, o crescimento económico não é visto como uma finalidade em si mesmo mas como um meio para a melhoria das condições de vida dos cidadãos.
Temos assim duas posições ideológicas contrárias: - a primeira liberal e ou neoliberal, a segunda de democracia social.

Suzana Toscano disse...

Excelente ponto o que aqui levanta, caro Zé Maria, o da arrogância das democracias que se convencem de que são superiores quando cumprem os rituais e deixam de se preocupar com a substância: a de que a liberdade individual e a concorrência não resultam apenas da escolha democrática dos dirigentes mas de uma especial exigência na organização do Estado e na defesa do interesse público por parte dos que assim ascendem ao poder. Não podemos deitar-nos à sombra da bananeira da democracia formal...Aguardamos com muito interesse os próximos capítulos, há temas que têm que ser tratados sem complexos, exactamente porque os democratas acreditam que nada está adquirido e que a democracia pode ser sempre melhorada.

Tonibler disse...

" o maior peso do estado reduz a eficiência do sistema económico, mesmo onde a gestão da coisa pública é da maior qualidade"

Não necessariamente. Os sistemas económicos são sistemas instáveis, cada qual dotado dos seus constrangimentos económicos, culturais, biológicos, etc...O maior peso do estado reduz a eficiência do sistema económico nos sistemas em que produz maiores constrangimentos que aqueles que existiriam sem esse peso. Se pensarmos em sociedades onde a alta criminalidade produziu grandes desigualdades, como o Brasil, um maior peso do estado pode servir como forma de maior eficiência económica. Ou em países culturalmente muito unidos, como a Noruega. O que me parece absurdo é que se tente encontrar uma lei universal porque sistemas instáveis são isso mesmo...

Adriano Volframista disse...

Prof Brandão de Brito

Tenho dificuldade em "abordar" da sua prespectiva a questão que coloca, mas não significa que não coincida nas conclusões que de podem depreender.
Isto porque:
a)É, geralmente, aceite que o mercado é o mecanismo mais adequado para a alocação de recursos. Sendo o mais adequado, não é perfeito, ou não fosse a economia uma "ciência" social. Existem vários estudos empíricos nesse sentido. (As economias socialista implodiram porque recusaram o mercado).
b) O mecanismo de mercado exige um modicum de liberdade individual, sem o qual este mecanismo não é eficaz; Deng Xiau Ping percebeu, na década de 60 do século passado isso mesmo. (A questão que podemos discuitr será se a liberdade tem ou deve ter graus ou, não deve ter).
c) Uma coisa diferente é a democracia. Democracia é uma arquitectura jurídico/filosófico/sociológico/política que estrutura uma determinada sociedade. Essencialmente, estrutura a distribuição de poder no interior da uma sociedade (aqui entendida no seu sentido mais amplo, onde se inclui grupos e interesses, mais ou menos organizados).
As análises comumente aceites consideram que é necessário, cumprir um conjunto de critérios que permitem concluir que existe liberdade, para que esta organização seja algo mais do que uma mera declaração formal.
Nesse sentido, não existe democracia sem alguma liberdade, mas aquela não existe, apenas/necessariamente, com a liberdade total.
d) Outra coisa é uma economia capaz de criar riqueza.
A história e os estudos apontam para a conclusão que, sem um mercado eficaz não existe criação de riqueza e, para que esse mercado seja eficaz é necessário, pelo menos, um determinado grau de liberdade.
e) Existem exemplos históricos, como refere, em que se pode concluir que a criação de riqueza não é sinónimo de democracia, mas não existem exemplos de criação de riqueza sem mercado eficaz. Vejamos:
1 Portugal: a maior taxa de crescimento verificou-se nas décadas de 50/60 do séc passado;
2 Coreia do Sul: entre as décadas de 60/70 do séc passado, em ditadura militar, experimentou a maior taxa de crescimento;
3 Taiwan: entre 49 e anos 70, em semi ditadura militar, experimentou a maior taxa de crescimento da sua história recente.
4 URSS implosão por falência completa do mecanismo de alocação de recursos adoptado: planos quinquenais.
5 China versão 1.0 até 1975; disrupção do funcionamento regular da sociedade;
f) O que nos reconduz, à outra face do primeiro ponto desta sua discussão em fascículos: pode o crescimento económico ser sustentável no médio e longo prazo sem um aumento da esfera da liberdade individual e do grau de democracia?
De momento, tanto Portugal, Taiwan, Coreia do Sul são exemplos de que não é sustentável; ao passo que, igualmente e no entretanto, China, Singapura e a Malásia, militam em sentido contrário....

Aguardemos, com muito interesse, pelos seus comentário seguintes para abordar os restantes temas que se encontram subjacentes.

Cumprimentos
joão