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sexta-feira, 25 de junho de 2010

Ainda a propósito de José Saramago

Os mesmos que à esquerda têm passado as últimas semanas a falar da necessidade de unir em vez de dividir, usaram o falecimento de José Saramago para incentivar as clivagens existentes na nossa sociedade e em especial para atacarem o Presidente da República.
As ausências no funeral de Saramago foram o motivo. O Presidente da República o alvo.
Para essa esquerda que tem uma memória muito curta e selectiva, transcrevo algumas afirmações de José Saramago numa entrevista ao DN, em 9 de Novembro de 2005, antes das últimas eleições presidenciais:
"(...) Nunca tive medo de dizer o que penso. Há 48 horas disse que Cavaco Silva é um génio da banalidade e mantenho, da boca dele só saem lugares-comuns. (...) Não se pode estar de bem com toda agente e não vou cair na banalidade de dizer que tenho de estar em paz com a minha consciência. Isso é uma banalidade e eu não sou Cavaco Silva. (...) No caso de ganhar Cavaco Silva, não é que não o reconheça. Não se trata disso. Apenas não consigo imaginar este país tendo como Presidente da República uma pessoa como Aníbal Cavaco Silva. Custa-me. Provavelmente não estarei em qualquer evento oficial com ele. (...)"
Depois destas afirmações qualquer um seria levado a respeitar a vontade de Saramago.
E acho que o Presidente da República fez muito bem em respeitar essa vontade.

13 comentários:

Catarina disse...

Surpreende-me ( e não devia) a forma como essa ausência do PR foi abordada, noticiada pelos órgãos de comunicação ao ponto de tomar proporções excessivas e caricatas. Que se fizesse menção, sim. Que alguns (não jornalistas) criticassem, também. Que outros concordassem, idem. Afinal vive-se numa democracia embora determinadas pessoas tivessem perdido a noção do que é realmente uma democracia. Quanto mais proveitoso não teria sido se os jornalistas (que não deviam opinar na sua qualidade de jornalistas) tivessem canalizado as suas energias para assuntos ou situações que fossem, potencialmente, proveitosas para os cidadãos, para a comunidade em geral. Mas parece que a banalidade lhes (os maus jornalistas) é prevalente.

João Pais disse...

Estranho, o presidente nunca mencionou esse argumento.
Mesmo assim o argumento nao é válido: é irrelevante que Saramago nao queira estar junto de Cavaco Silva, pois Saramago apenas representa Saramago. Cavaco Silva representa, actualmente (ainda) os Portugueses, essa é a funcao que ele assumiu. A morte de um prémio nobel português, vulto internacional, que provavelmente mais fez para mostrar Portugal fora do que Cavaco Silva fez ou fará, é razao para que o representante máximo do país mostre humildade e preste o seu respeito a quem trabalhou tanto pela língua portuguesa.
O que é que acha que aconteceria que Cavaco Silva tivesse ido, que a família ou amigos de Saramgo fariam um escândalo e o poriam fora? Ou que a sua presenca seria apreciada, como representante dos portugueses?

Anónimo disse...

Ó meu caro João Pais! O que não diriam do PR se utilizasse o argumento aqui trazido por Vitor Reis!
Estou de acordo consigo quanto à ideia de que o PR não se representa a si próprio, mas todos os portugueses. Já não posso acompanhá-lo no pressuposto do seu comentário, que é o de que o PR não tem liberdade para interpretar o sentimento de quem representa e não possa avaliar o papel e a importância de Saramago de modo diferente do que o João Pais aqui conclui.
O que lhe dá a certeza, meu caro Pais, que o Povo - ou pelo menos a maioria dos portugueses - partilha da ideia de que Saramago foi assim tão importante para a língua portuguesa?

João Pais disse...

Diriam ainda pior do que já dizem, e com razao. Por isso é que digo que este argumento nao faz sentido. Se fizesse sentido, poder-se-ia mencioná-lo abertamente, e nao em sordina.

Para responder à sua pergunta, poderia estar aqui a fazer uma grande lista de argumentos, mencionando dados do panorama nacional e internacional.
Mas agora nao tenho tempo nem paciência, e também a apreciacao da qualidade de Saramago como escritor parece depender quase exclusivamente se os comentadores se situam à direita ou nao (especialmente os comentadores deste blog), pois confundem as suas posicoes politicas e éticas da sua conduta passada (de que infelizmente nao há muitos relatos concretos), misturando a apreciacao estética com a apreciacao de outras vertentes.

Se nao quer ser convencido nao me apetece estar a convencê-lo. Mas diga-me, excepto Lobo Antunes, quantos escritores portugueses actuais sao traduzidos em tantas línguas, e houve uma reaccao tao grande à sua morte?

Uma coisa é nao gostar de Saramago porque nao compartilha os seus ideais políticos, ou porque eticamente ele pode ter feito coisas questionáveis (infelizmente o deslumbre actual nao permite que estas sejam relatadas objectivamente). Mas se por todo o mundo ele é enaltecido como escritor, é cegueira estar a negar a sua qualidade.

Sugiro-lhe um pequeno exercício: em http://kultur-kaufhaus.shop-asp.de/shop/action/quickSearch?aUrl=90008115&searchString=jose+saramago está o motor de busca do equivalente à fnac de Berlim (a maior loja de cultura da cidade). Escreva os nomes de escritores portugueses que quiser, e conte os títulos (o número total aparece por cima das imagens dos mesmos).

Anónimo disse...

Meu caro João Pais, a observação que faz - mesmo sem tempo nem paciência... - de que à direita se confundem opções ideológicas com critérios de apreciação da qualidade literária, é do mesmo modo aplicável à esquerda. Pode estar seguro que a veneração de Saramago por parte de algumas pessoas de esquerda não se deve a qualquer especial admiração pelo escritor (quantos conheço que dele não leram uma só linha!), mas deve-se sim às posições políticas que em vida assumiu.
Se me apetecesse e tivesse tempo para ser simplista nos argumentos como o meu caro Pais nos seus comentários, diria que o que defende é que o PR não deve agir como representante de todos os portugueses, mas como mediador da admiração que nutrem por Saramago os frequentadores da FNAC de Berlim...
Uma última nota: se percorrer este blogue, vai mudar de ideias quanto ao que julga ser o complexo de direita dos autores. Vai perceber que a posição ideológica de cada um projecta-se com pluralidade na literatura, no gosto pela música, na estética. Na ética talvez não, porque aí somos menos pluralistas, a bem dizer.

Fartíssimo do Silva disse...

Discussão absolutamente inútil! Até o insuspeitíssimo António Lobo Xavier disse que o Presidente da República deveria ter ido ao funeral de Saramago...

Anónimo disse...

Ó diabo, tinha-me escapado esse elemento fundamental para determinar a minha opinião sobre o assunto do post e sobre os comentários que suscitou. Então se o insuspeitíssimo Lobo Xavier disse que o PR deveria comparecer, quem sou eu para pensar coisa diferente!
Curvo-me, pois, perante as doutas opiniões (que quando alinham com as posições de determinados sectores são bestiais, mesmo vindas de temíveis bestas da direita), e já não está aqui quem falou...
Com os meus agradecimentos ao Fartinho do Silva pela chamada de atenção para a doutrina.

João Pais disse...

O tempo e a paciência eram para explicar algo que para muitos parece tao simples, que é difícil encontrar quem pense o contrário. Nao para discutir outros pontos (ou possivelmente aprender algo novo).

Quanto à veneracao dos de esquerda, nao conheco pessoalmente ninguém, e os comentários que vi foram feitos acerca da sua capacidade como autor - embora para pessoas como membros do PC é impossível nao mencionar o nr de sócio. Aí é claro que nao falam do escritor, mas é como escritor que ele é relevante para o país. As accoes como "político" a mim nao me interessam, embora, como disse, infelizmente neste ambiente nao é muito fácil de trazer ao lume essas tais accoes pouco éticas que ele fez no JN.

Mas pronto, prémios nóbeis há com fartura, pró ano recebemos mais um, isso nao conta nada. E tal como pessoas disseram (à direita, como José Manuel Fernandes e Pacheco Pereira), há muitos autores bons que nao receberam o prémio nobel, por isso este é irrelevante.
Também nao conta o facto de alguém que é editado em xxx línguas acaba por actuar como representante de Portugal. Isso é irrelevante. Afinal, o que interessa que, por exemplo, na Alemanha toda a obra de Saramago esteja traduzida e à venda? Nada, eles nao falam portugues.

Em relacao ao blogue, estava a falar mais dos comentadores, do que dos autores em si. Como por exemplo pérolas destas http://quartarepublica.blogspot.com/2010/06/o-outro-saramago.html#c6711861332182965660.

E também luto nacional tem qualquer um, todas as semanas estao as bandeiras a meia haste...


Já agora, devolvo-lhe a pergunta. O que é que lhe dá a certeza a si, que Saramago nao é importante para a língua portuguesa?

Anónimo disse...

Bom, caro Pais, perdoar-me-à mas já não está a argumentar, começa a desconversar.

1ª - O que chama pérolas dos comentadores, é a expressão livre de todos os que aqui passam e deixam o seu contributo para a discussão que suscitamos, deixam a sua opinião. Podemos discordar de muito do que se comenta, mas todos os comentários merecem-nos a mesma atenção que o que meu caro João Pais aqui trouxe. Saramago não foi ainda canonizado, e mesmo quando for declarado santo não escapará ao escrutínio livre da sua valia e da valia da sua existência, tão livre como ele próprio escrutinou e censurou severamente pessoas, instituições e convicções.

2ª - Eu nunca escrevi que Saramago - recte, a sua obra - não era importante para a língua portuguesa ( é-o de resto mais para a cultura ou para a literatura do que para a língua portuguesa porque o conhecimento da obra de Saramago no estrangeiro faz-se nas línguas dos países que a editaram e não em português). Aliás, como o Fartinho do Silva se encarregou de chamar a atenção, a minha opinião foi sumariamente defenestrada pela de Lobo Xavier, sendo por isso irrelevante se a tivesse manifestado. O que manifestei foi tão só a minha discordância com aqueles que entendem que o PR deveria comparecer ao funeral por imposição de uma vontade colectiva que nunca vi expressa, mas que determinadas elites têm por indiscutível.

Meu caro João Pais,
Que não lhe falte o tempo e a paciência para ajudar a animar este espaço, mesmo que seja para nos mostrar coisas que para si são simples mas para alguns de nós, que não pertencemos a esta república e ansiamos pela próxima, temos dificuldade em aceitar. Cá o esperamos, quando quiser fazê-lo. Será sempre benvindo.

João Pais disse...

Estranho, em relacao à desconversa tenho a mesma opiniao de si, que estava a fugir aos meus argumentos.

1 - a expressao é livre, e ainda bem. Mas escrever algo deste nível convenhamos que nao é muito elegante. Este exemplo eu mencionei porque é para mim o típico "direita reaca" (com cedilha). Obviamente aqui nao se vai encontrar o outro oposto, o "esquerdalho fascinado".
Em relacao às atitudes "polémicas" dele, a minha opiniao já estao nos meus comentários, nao está a dizer nada de novo. Algum jornalista deveria ir aos arquivos necessários e investigar tais coisas.

2 - Se nao escreveu algo assim, pelo menos perguntou: "O que lhe dá a certeza, meu caro Pais, que o Povo - ou pelo menos a maioria dos portugueses - partilha da ideia de que Saramago foi assim tão importante para a língua portuguesa?". E aos meus exemplos da penetracao de Saramago no estrangeiro responde com um simplório (ao mesmo tempo que me acusa de simplista) "que é que os chiques de Berlim sao para aqui chamados?"
Naturalmente cada autor de topo é universal, mas muitos integram experiências regionais - Saramago, Lobo Antunes, Grass, muitos sul-americanos...
Muitos livros de Saramago tratam a história de Portugal. Conheco vários alemaes que suspiram quando eu digo que Mafra fica a uma hora da minha casa - e eles nunca estiveram em Portugal, apenas leram o Memorial. E isso é um passo para a cultura portuguesa, tal como ler Mann ou Goethe o é para a alema. Para alguns desses alemaes, que entretanto visitaram Portugal, Mafra foi uma paragem obrigatória.

Em relacao à vontade colectiva, depende para onde se olha. As pessoas que eu conheco sao unânimes, que Silva deveria ter sido homem e ter sentido de estado, e ter estado lá a representar o país. Mas que eu saiba ninguém fez um referendo a perguntar.
E já agora, nao respondeu à minha (originalmente sua) pergunta.

Com muito prazer volto sempre.

João Pais disse...

E em jeito de PS, comecam a sair relatos acerca do Realpolitik de Saramago:
http://sorumbatico-longos.blogspot.com/2010/06/os-dois-saramagos-que-conheci.html

Fartíssimo do Silva disse...

Caro JM Ferreira de Almeida
Apenas uma precisão: a pedido de "várias famílias" não sei se terá reparado que mudei o nick, que é agora Fartíssimo do Silva. O comentador Fartinho da Silva já me respondeu e aceitou o novo nick.
Cumprimentos

Anónimo disse...

Meu caro Fartissimo,
Peço desculpa pela confusão.
Acho melhor o nick Fartissimo do Silva. Assim não deixa dúvidas. Farto do Silva, era mais equivoco. Para além de se prestar a confusões com outros comentadores, farto quer dizer cheio, satisfeito. E o meu caro quer o superlativo, quer patentear que o Silva mais do que o deixar satisfeito, enche-lhe as medidas ;).