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terça-feira, 1 de junho de 2010

A árvore

Sempre que passo junto da árvore louvo o bom gosto de quem ali a colocou. Um verdadeiro presente da natureza que penetra suavemente na alma dos transeuntes, dos que olham sem olhar e dos que sentem necessidade de olhar. O seu porte retilíneo, camuflado de uma aristocracia natural, transmite força, decisão, resistência à adversidade e uma estranha sensualidade tão pouco comum numa árvore. A iniciativa de a colocar naquele espaço só pode provir de alguém sensível e que vive em união de facto com a natureza. Tem uma assinatura única, como se fosse uma obra de arte. É pena que o resto da cidade não seja a sua galeria permanente. Decerto haverá outros artistas, e importa, cada vez mais, que seja considerada uma arte, a escolha da árvore e do seu espaço, porque uma árvore e o espaço andam tão ligados como este e o tempo, e o tempo medido através das árvores dá-nos a verdadeira ideia da nossa existência, frágil e momentânea, como ela quando cai sob a nossa alçada. Não resiste e nem se defende das nossas investidas, numa ingenuidade idêntica à verificada nalgumas espécies animais que, devido ao facto de nunca terem visto o homem, não sabem que devem fugir para poderem sobreviver. Mas também não pode, mesmo que quisesse. E não grita de dor quando a abatemos por qualquer motivo, muitas vezes por capricho, alimentando a frivolidade humana.
Afinal a árvore tem uma história. Estou convencido de que não há nenhuma que não tenha uma história, tal como qualquer um de nós. Muitas, mas mesmo muitas, nascem, vivem e morrem sem ninguém se aperceber das suas existências, e, no entanto, são a essência da vida.
Afinal a árvore tem uma história, e ainda bem que eu a conheço. Casualmente, num encontro sobre “A Cidade e as Árvores”, ouvi a razão da sua existência. Não foi ali que nasceu, foi um pouco mais longe. A expropriação de um espaço levava inexoravelmente ao seu sacrifício. Mas a vontade de uma senhora foi determinante para que fosse salva. Exigiu no processo que a árvore tinha de viver. Plantada conjuntamente com um neto, ou filho?, não interessa, o que interessa é que pesou nas negociações, foi transplantada, para meu gáudio e de muitas mais pessoas, além da própria senhora, que diariamente a deve ver, para aquele espaço.
As árvores foram em tempos consideradas como templos sagrados, veneradas, por albergarem espíritos que faziam a ligação entre o homem e o divino. A Terra aproximava-se mais facilmente do Céu através das árvores e bom seria que regressássemos a esse velho culto, útil para todos, para nós e para elas.
Agora compreendo a razão de ser daquela árvore estar naquele local e do efeito produzido nos que olham sem olhar e dos que sentem necessidade de olhar. Está impregnada de um espírito humano, nobre, vertical e aristocrático, transmitindo valores únicos.
Afinal é mais do que uma simples aurocária. É um templo à vida.

3 comentários:

Bartolomeu disse...

De António Gedeão:
"poema das árvores"

As árvores crescem sós. E a sós florescem.
Começam por ser nada. Pouco a pouco
se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.
Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.
Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,
e então crescem as flores, e as flores produzem frutos,
e os frutos dão sementes,
e as sementes preparam novas árvores.
E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.
Sós.
De dia e de noite.
Sempre sós.
Os animais são outra coisa.
Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,
fazem amor e ódio, e vão à vida
como se nada fosse.
As árvores, não.
Solitárias, as árvores,
exauram terra e sol silenciosamente.
Não pensam, não suspiram, não se queixam.
Estendem os braços como se implorassem;
com o vento soltam ais como se suspirassem;
e gemem, mas a queixa não é sua.
Sós, sempre sós.
Nas planícies, nos montes, nas florestas,
A crescer e a florir sem consciência.
Virtude vegetal viver a sós
E entretanto dar flores

Suzana Toscano disse...

E logo uma aurocária,quando são fortes e grandes marcam a paisagem com uma magestade única, muito direitas, com os ramos largos e subir em escada até se perder de vista o seu prumo.

Manuel Brás disse...

Aurocária, a elegância do ser

Entre paredes cimentadas
e decoradas de solidão
há bastantes vidas pintadas
de verdejante ingratidão.

Nas florestas urbanizadas
de tanto cimento e betão
ficam zonas arborizadas
entregues à funesta gestão.

Pouco a pouco vão crescendo,
dia e noite sem descansar,
tantas matizes florescendo
da natureza a destrançar.