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terça-feira, 8 de junho de 2010

As nossas reformas estruturais e Shakespeare...

1. Vai por aí uma azáfama declarativa febril a propósito do Comissário Europeu para os Assuntos Económicos, Olli Rehn, ter tido a ousadia de recomendar a Portugal o “aprofundamento” das reformas estruturais, nomeadamente no campo das normas reguladoras das relações de trabalho e das pensões de reforma e outras prestações sociais.
2. O pobre do Comissário não se apercebeu que Portugal – ou o Governo português, para ser mais justo – considera-se a si próprio um “campeão” das reformas estruturais, como de resto se pode concluir pela evolução extremamente positiva da economia nos últimos anos.
3. Daí que o mesmo Comissário teve já de ouvir “das boas”, por parte de diversos responsáveis governamentais lusos, a começar pelo incansável Ministro da Economia que, apesar de se encontrar na China ao que consta, parece não haver dia em que não produz os mais sonoros comentários acerca de tudo que se passa ou do que se comenta sobre a economia portuguesa...desde o turismo lá fora “versus” cá dentro até esta febricitante matéria das reformas estruturais...
4. Referem estes dirigentes que Portugal até tem sido apontado (por eles próprios, of course) como um exemplo para o Mundo em matéria de implementação de reformas estruturais: desde a Segurança Social até ao mercado do trabalho, passando por essa ousadíssima reforma do Estado, tudo tem vindo a ser passado a pente fino pelos valentes reformadores, nada está como dantes...
5. Como é que, em tal contexto reformador, imparável e exemplar, o Comissário Rehn se atreve a apontar o dedo a Portugal? Está bem que se “meta” com a Espanha que, como se sabe, se encontra em situação muito pior do que a nossa - por alguma razão a dívida pública espanhola paga uma taxa de juro inferior à que nós pagamos...
6. Só não explicam estes bravos promotores e defensores das nossas reformas estruturais porque razão (i) a dívida pública portuguesa prossegue sua marcha imparável de crescimento, apesar de muitas dívidas sobretudo de empresas públicas totalmente inviáveis continuarem a ser acumuladas fora da dívida registada, (ii) o desequilíbrio externo continuar a exibir níveis altíssimos, (iii) o endividamento do País ao exterior não parar de subir, (iv) as taxas de juro que temos de suportar pelo cada vez mais escasso financiamento obtido no exterior não pararem de subir...
7. As reformas estruturais em Portugal têm essa peculiar característica de serem, ao mesmo tempo:
- Ambiciosas mas neutras,
- Muito duras mas acomodatícias,
- Propiciadoras de substancial poupança de recursos mas não evitando o aumento incessante da despesa pública e o agravamento da carga fiscal,
- Exemplo para o Mundo mas não para a Comissão Europeia...
8. Em sumo, as nossas reformas estruturais parecem estar vivendo o dilema imortalizado por Shakespeare no Hamlet: “to be or not to be that is the question”...

6 comentários:

Manuel Brás disse...

Dilema assaz febricitante...

Absolutamente sufocados
por este Estado devorador,
ficamos deveras ressacados
com o seu engenho esbanjador.

A matéria febricitante
dessas reformas estruturais
ganha um fragor irritante
nos discursos com razões florais.

O dilema imortalizado
parece estar assaz presente
num país descredibilizado
e com um Governo tão ausente.

Bmonteiro disse...

«As reformas estruturais em Portugal»
Longe de mim entrar no campo do Dr Tavares Moreira.
Mas lembra-me o abuso do termo 'estrutural' na AR, particularmente pelos defensores das iniciativas governamentais, perante a bovinidade das oposições.
De tanto ouvir um PM ou um MOP, defenderem uma linha de TGV como 'estrutural', apetecia perguntar:
Sabem o que é uma 'estrutura' social/económica/organizacional?
Sabem de facto do que estão a falar?
"To know or not to know that is the question"
BMonteiro

Tavares Moreira disse...

Brilhante, muito inspiradora, sua poesia de intervenção social sempre presente, caro M. Brás!

Caro bravomike,

Que usassem e abusassem do termo, mas só isso, ainda poderíamos suportar a verborreia, bastaria tapar os ouvidos...
O problema, como bem sabe, é que não se ficam pela verbosidade mais ou menos vácua, o problema é que passam mesmo à acção, reformando, voltando a reformar e não deixando nada de pé no percurso...
E, para agravar o cenário, vão deixando os nossos bolsos cada vez mais vazios!

Tonibler disse...

Bem, há uma nova postura que devo realçar no governo e que, se não me resolve o problema, me faz sentir melhor. É que, afinal, já não sou só eu que estou a levar baile!! Os comissários europeus também!! E estes não têm maneira de dizer "oh, caramelo, 'tás a gozar comigo???"

(c) P.A.S. Pedro Almeida Sande disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
(c) P.A.S. Pedro Almeida Sande disse...

Perdoem-me a brutalidade. Mas os tempos não são mansos e a verdade é a verdadeira revolucionária.
OS POLÍTICOS PORTUGUESES, ESSES MAL AMADOS
O problema de Portugal, não é um problema que revele de qualquer arco partidário, que não do arco do poder, mas é um problema que releva da falta de sentido de serviço público ou melhor dizendo, sentido de serviço ao público.
Em Portugal rapidamente o poder se dilui no interesse pessoal, principalmente no seu património financeiro.
Dizia há pouco muito bem, um próximo, que o problema em Portugal são as nossas elites, povo rasca mascarado alcandorado à necessidade imediata de prover o seu status e futuro familiar. O egoísmo é, hoje, circiano e está globalizado.Mas antes já tinha descido dos montes Hermínios e já tinha o ADN dos atraiçoados Sertórios e Viriatos.
Não fosse assim, Cavaco, numa ética solidária com os seus semelhantes cidadãos, já há muito teria dito: é legal, mas não ético auferir reformas e acumulá-las com remunerações de trabalho e ainda menos ético acumular reformas. É que os pobrezinhos, meu deus, são às catadupas: desempregados sem tostão, reformados com pouco mais que um pão a quem chamam carcaça.
Mas isso seria num Portugal onde os políticos não matassem todos os dias o respeito que não merecem e o asco de quem com eles contacta.
Como o Português, no entanto, é uma figura onde reverência e hipocrisia se confundem, os beija mãos e as reverências dão aos nossos políticos um conforto de serem amados: grande engano, portanto!