Número total de visualizações de páginas

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

“Um passeio, uma conversa e um livro”

No dia 22 de dezembro de 2008 escrevi uma pequena crónica que nunca publiquei. Há dias, em conversa com uma colega, veio-me à lembrança o motivo da mesma. Procurei e consegui encontrá-la. A minha colega pediu-me uma cópia e eu fiz-lhe a vontade. Hoje recebi uma mensagem muito simpática a incentivar-me a publicá-la. Vou respeitar o seu pedido.

“Hoje dediquei o dia à minha neta que vai fazer cinco anitos na próxima semana. Um dia em cheio. De manhã, Parque Verde, um gelado de iogurte com amoras à beira do Mondego, bem agasalhados para nos protegermos da fria brisa que soprava alegremente, seguidos de intensos quinze minutos de exercício nos baloiços e no escorrega como que a preparar o almoço. À tarde rumámos até Penela para ver o maravilhoso presépio animado. Uma fartura para a miúda, uma maçã para mim. Passeámos nas muralhas do castelo desfrutando o calor e a alegria do momento devidamente registado no cartão de memória da máquina. A seguir, nada melhor do que despender o resto das energias da menina nos insufláveis instalados na Praça da República de tão simpática vila. Ao dirigirmos para o carro, onde acabou por adormecer ao fim de duzentos metros de andamento, disse-me que tinha sido um dia muito divertido.
Estas foram algumas das impressões que registei neste dia. Senti-me bem. Mesmo muito bem. Ruminava na cumplicidade avô-neta, quando li uma notícia sobre Bento XVI e a defesa de uma nova “ecologia do ser humano que o proteja da autodestruição”! Comecei a ficar um pouco tenso e, de seguida, apercebi-me de mais uma posição típica do Vaticano. Desta feita tinha a ver com as operações de mudança de sexo, as condutas homossexuais e transexuais.
Reparo que, cada dia que passa, são mais do que evidentes os incómodos provocados pelas descobertas científicas no pensamento do Vaticano. É rara a semana que o papa ou alguém da cúria não venha a terreiro para por em causa os novos conhecimentos. Tudo o que diga respeito à vida, à sua génese, aos embriões e às células estaminais, à contraceção e à morte assistida provocam intensa urticária doutrinária. Para evitar terem de andar, permanentemente a coçar-se, denunciam que certas atitudes são contra as leis de Deus e que o homem pretende “auto emancipar-se da criação e do Criador”. Ainda segundo o papa “o homem quer fazer-se a si mesmo e dispor sempre e exclusivamente apenas daquilo que lhe interessa. Mas desse modo vive contra a verdade, contra o espírito criador”.
Bento XVI defende que temos de “escutar a linguagem da criação”. Deus criou o ser humano como “homem e mulher”. Logo os que se afastam daquela “definição” estão condenados. Não compreendo a falta de sensibilidade e de conhecimentos para aquelas bandas. Muito haveria a dizer sob os pontos de vista biológico, comportamental e sociológico. Muito mesmo. Mas o que ressalta de imediato é a intolerância.
Jantei. E como é habitual fui dar a minha volta. Revivi os acontecimentos do dia. De repente, a propósito da notícia “papal” e da minha neta, tropecei numa conversa havida há poucos dias em Lisboa, no decurso de um almoço. Razões? Muito simples. O meu colega conversava com o que estava ao seu lado direito. Apercebi-me de que falavam de um escritor que também conhecia e que tinha lido com muito agrado e prazer. Sim, porque quando consigo ler um livro até ao fim é porque é bom e se o ler em dois dias de forma compulsiva atinge o grau de excelente. Foi o que aconteceu com esse autor. Esperei o momento oportuno para meter o bedelho na conversa e perguntei-lhe: - Olha lá ele trabalha contigo? – Comigo?! É meu companheiro há trinta anos! Trinta anos, uma vida! Aí, numa fração de segundo, apercebi-me do que se tratava. Não sabia que o escritor era o seu companheiro. Claro que fiz alguns comentários literários sobre a sua obra. Foi então que, na sequência do envio de um pequeno livro de crónicas minhas, que já tinha agradecido logo de manhã, antes do início da reunião, me disse: - Olha, eu não sabia que eras escritor! – Escritor?! Eu?! Respondi meio surpreso, porque, como estávamos a falar de um verdadeiro escritor, que é o seu companheiro, eu não me sentia com capacidades de me colocar ao seu nível. Então respondi-lhe: - Sou antes um “escrevidor”. – “Escrevidor”? Que palavra tão interessante. Disse-lhe que a tinha adotado da minha neta quando lhe perguntaram - tinha ela acabado de fazer quatro anos -, o que é que ela queria ser quando fosse grande. Não fui eu que fiz a pergunta, mas ouvi a resposta: - Pintora e “escrevidora”! Quando ouvi a resposta pensei: bom, pintora é capaz de ser, porque tem uma imaginação criativa e um jeitinho fora do comum. Tem a quem sair, à tia e a uma bisavó. Mas “escrevidora”? Ela nem uma letra sabe desenhar! Mas tive a perceção de que olhava com uma certa ternura e respeito para os livros, para as figuras e para os hieróglifos. Será que já sabe que há qualquer coisa de muito importante naquelas folhas? Foi então que o meu amigo me contou que a mãe, alemã, apesar de falar português, tinha alguma dificuldade numa ou noutra palavra, do género “vou ao cabeleiro”, sempre que queria dizer “vou ao cabeleireiro”. E rimo-nos destes jogos linguísticos. Continuámos com a conversa, focando os livros, as peripécias, as histórias, as dificuldades nas edições e as limitações impostas devido a preconceitos religiosos, já que o companheiro é judeu.
Poderão pensar, o que é que tudo isto tem a ver com Bento XVI? Muito! Duas pessoas fabulosas, responsáveis, cultores de ética, culturalmente superiores, respeitadores dos valores e direitos humanos, precisam de ser protegidos da “autodestruição”? Necessitam de ser adotados pelos princípios da “nova ecologia do ser humano” proposto por Ratzinger? Valha-lhe Deus!
Ia mentalmente a escrevinhar este texto quando entrei na livraria. O passeio tem como pretexto fazer o meu exercício físico diário, mas também contribuir para o exercício mental, pelo que tropeço, amiúde, numa das duas livrarias que se põem descaradamente à minha frente. Entrei, dei três passos, olhei para o lado direito e vi o livro de contos, “Confundir a Cidade com o Mar”, da autoria do companheiro do meu amigo. Agarrei-o, dei mais dois passos em direção à caixa e saí. Presumo que foi a compra mais rápida de um livro que fiz até hoje. Ultrarrápida.
Vou acabar de escrevinhar este pequeno texto e deliciar-me com os contos do escritor. Um dia vou dar a ler à minha neta esta pequena nota embrulhada num livro de contos.”

Eu renuncio!

Neste momento de aflição em que todos temos de dar as mãos e deixar de olhar só para o nosso umbigo, correspondo ao apelo de quem nos governa e de quem apoia quem nos governa, faço pública parte da lista do que o Estado criou e mantém para minha felicidade, e de que de estou disposto a patrioticamente prescindir.

Assim:

Renuncio a boa parte dos institutos públicos criados com o propósito de me servir;

Renuncio à maior parte das fundações públicas, privadas e áquelas que não se sabe se são públicas se privadas, mas generosamente alimentadas para meu proveito, com dinheiros públicos;

Renuncio a ter um sector empresarial público com a dimensão própria de uma grande potência, dispensando-me dos benefícios sociais e económicos correspondentes;

Renuncio ao bem que me faz ver o meu semelhante deslocar-se no máximo conforto de um automóvel de topo de gama pago com as minhas contribuições para o Orçamento do Estado, e nessa medida estou disposto a que se decrete que administradores das empresas públicas, directores e dirigentes dos mais variados níveis de administração, passem a utilizar os meios de transporte que o seu vencimento lhes permite adquirir;

Renuncio à defesa dos direitos adquiridos e à satisfação que me dá constatar a felicidade daqueles que, trabalhando metade do tempo que eu trabalhei, garantiram há anos uma pensão correspondente a 5 vezes mais do que aquela que eu auferirei quando estiver a cair da tripeça;

Renuncio ao PRACE e contento-me com uma Administração mais singela, compacta e por isso mais económica, começando por me resignar a que o governo seja composto por metade dos ministros e secretários de estado;

Renuncio ao direito de saber o que propõem os partidos políticos nas campanhas pagas com milhões e milhões de euros que o Estado para eles transfere, conformando-me com a falta de propaganda e satisfazendo-me com a frugalidade da mensagem política honesta, clara e simples;

Renuncio ao financiamento público dos partidos políticos nos actuais níveis, ainda que isso tenha o custo do empobrecimento desta  democracia, na mesmíssima medida do corte nas transferências;

Renuncio ao serviço público de televisão e aceito, contrariado, assistir às mesmas sessões de publicidade na RTP, agora nas mãos de um qualquer grupo privado;

Renuncio a mais submarinos, a mais carros blindados, a mais missões no estrangeiro dos nossos militares, bem sabendo que assim se põe em perigo a solidez granítica da nossa independência nacional e o prestígio de Portugal no mundo;

Renuncio ao sossego que me inspira a produtividade assegurada por 230 deputados na Assembleia da República, estando disposto a sacrificar-me apoiando - com tristeza - a redução para metade dos nossos representantes.

Renuncio, com enorme relutância, a fazer o percurso Lisboa-Madrid em 3h e 30m, dispondo-me - mesmo que contrariado mas ciente do sacrificio que faço pela Pátria - a fazer pelo ar por metade do custo o mesmo percurso em 1 h e picos, ainda que não em Alta Velocidade.

Renuncio ao conforto de uma deslocação de 50 km desde minha casa até ao futuro aeroporto de Lisboa para apanhar o avião para Madrid em vez do TGV, apesar da contrariedade que significa ter de levantar voo e aterrar pertinho da minha casa.

Renuncio a mais auto-estradas, conformando-me, com muito pena, com a reabilitação da rede nacional de estradas ao abandono e lastimando perder a hipótese de mudar de paisagem escolhendo ir para o mesmo destino entre três vias rápidas todas pagas com o meu dinheiro, para além de correr o triste risco de assistir à liquidação da empresa Estradas de Portugal.


Seria fastidioso alongar-me nas coisas que o Estado criou para o meu bem estar e que me disponho a não mais poder contar. E lanço um desafio aos leitores do 4R : renunciem também! Apoiemos todos, patrioticamente, o governo a ajudar o País nesta hora de aflição. Portugal merece.

Pensões sem fundo!...

Transferir o Fundo de Pensões de uma empresa pública para o Estado, para aumentar a receita e reduzir ficticiamente o défice, não é bonito, mas até pode ter alguma racionalidade. No final de contas, o Estado seria sempre o último garante das responsabilidades assumidas perante os trabalhadores.
Mas transferir o Fundo de Pensões de uma empresa privada, cotada em Bolsa, como a PT, para o Estado, com o fim exclusivo de aumentar a receita em 2,6 mil milhões de euros e reduzir ficticiamente o défice, configura um abuso inqualificável do Governo, um acto de gestão grosseira, uma fraude política e um risco financeiro para os contribuintes. Cujos impostos terão que suportar eventuais oscilações que levem a insuficiência dos capitais fundeados para pagar aos pensionistas.
Mas, no reino do vale tudo, todo o descontrole e má gestão são perfeitamente normais. Anormal seria o contrário.
Nota: E que dizer de um 1º Ministro que criticava o recurso às receitas extraordinárias e que jurava e trejurava que nunca as iria utilizar?

Até ontem, "tudo sob controlo"...de repente, a emergência

1. A política económica em Portugal está a assemelhar-se, cada vez mais, ao movimento do comboio de “montanha-russa”...
2. Tudo vai bem, até que de repente tudo vai mal e é preciso mudar radicalmente de política: passa-se da máxima tranquilidade, do conhecido “está tudo sob controlo”...para o maior dramatismo e a necessidade de medidas de emergência!
3. Assim aconteceu ontem com o anúncio – para mercado ver, evidentemente – de um pacote de medidas de “austeridade” destinadas, segundo os anunciantes, a resolver um SÉRIO problema orçamental.
4. Um problema orçamental SÉRIO certamente surgido nas últimas horas, uma vez que ainda há poucos dias, a propósito da execução orçamental até Agosto, o responsável governamental mais directo do assunto tinha afirmado com total segurança que a despesa, e consequentemente o défice de 2010, se encontravam “sob controlo” – e em particular que a “despesa efectiva” do Estado até estava a desacelerar bastante (com a prestimosa ajuda dos juros, claro está).
5. Afinal, como o 4R suspeitava, sempre estamos em grave crise orçamental em 2010, pois a medida (de lifting contabilístico) anunciada para calafetar o défice – a transferência para o Estado/Segurança Social dos activos e das responsabilidades do Fundo de Pensões da inevitável PT – significa que sem ela o défice deste ano seria superior a 9% do PIB, provavelmente não inferior, em termos relativos, ao de 2009 (9,3%).
6. Resta agora conhecer pelo menos 5 items:
- Se a transferência do FP da PT será suficiente para o défice orçamental atingir os 7,3% do PIB em 2010;
- Quais as restantes medidas para o OE/2011, para além do aumento da taxa máxima do IVA (as outras taxas serão tb mexidas?) e da correcção em baixa dos salários da função pública (todos os sectores públicos, incluindo o regional e o local, ou só a Adimistração Central?);
- Se as medidas para 2011 passam na AR, em especial os aumentos da carga fiscal (inclino-me a pensar que sim, se o agravamento fiscal se limitar ao IVA);
- Se vai ser necessário Orçamento Rectificativo em 2011 – o que muito depende do andamento da economia, se o Governo apostar em “cenário rosa” o risco de tal acontecer será muito elevado;
- Qual vai ser o andamento da economia em 2011 (responsável governamental já hoje avançou com o tal “cenário rosa”, o que promete mais emoções).
7. Para já, o fascínio da “montanha russa” parece ter contribuído para acalmar os mercados o que, convenhamos, já é alguma coisa...mas está ainda muito percurso para fazer, o comboio ainda nos reserva mais piruetas assustadoras...

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Ecologia fetal

Se me perguntarem qual é a representação mais bela da espécie humana respondo de imediato: - Uma grávida! Porquê? Por muitos motivos. O principal de todos é a forma orgulhosa com que transportam o globo da vida nas suas entranhas. Se olharmos para a face de uma grávida é difícil não vislumbrar, na maioria dos casos, uma sensação de felicidade, única, que só se revela daquela maneira durante este período. Orgulho, felicidade e também beleza. De facto é impossível não encontrar traços de beleza nas mulheres prenhas, eu, pelo menos, encontro-a sempre que esbarro com uma. Surpreendo-me com a facilidade com que me obrigam a parar e a olhá-las.
Gerar uma criança tem muito que se lhe diga. O feto não é apenas uma expressão da lotaria genética decorrente da contribuição dos progenitores. É muito mais do que isso, e o seu futuro depende de uma ecologia própria, a que poderia chamar ecologia fetal. A mãe transporta um mundo em si própria e influencia o feto de várias maneiras. Conhecer essas influências é determinante para a saúde e bem-estar do futuro ser humano. Mais tarde os adultos poderão vir a sofrer de muitas maleitas, grande parte delas atribuídas aos seus hábitos, comportamentos e exposições ambiental e profissional. No entanto, ultimamente, avolumam-se evidências de que a saúde futura dos novos indivíduos depende, também, e em larga medida, do que aconteceu e do que não aconteceu durante a gestação. A ecologia fetal é uma realidade ao ponto de poder explicar muitas coisas que irão ocorrer mais tarde. As alterações fisiológicas e comportamentais das grávidas, a exposição a poluentes do meio ambiente, as carências alimentares, o papel de muitas substâncias tóxicas utilizadas pela mãe, assim como o próprio estado de espírito, contribuirão, de forma decisiva, para uma maior ou menor sensibilização a inúmeras patologias no futuro. A diabetes gravídica, a obesidade materna, a não ingestão de certos nutrientes, a exposição ambiental geral ou no local do trabalho são determinantes ao ponto de a criança, ao chegar a adulto, poder correr mais riscos de diabetes, obesidade, doença cardíaca, cancro, depressão e outras doenças mentais graves. O conhecimento nestas áreas é muito importante porque permite a sua transformação em direitos que impeçam ou previnem muitas patologias. O problema é saber quando é que estes conhecimentos irão ser transformados em direitos da criança e do futuro adulto, porque esbarramos, para já, com múltiplos interesses, a maioria de natureza económica. Há aqui um conflito que mais tarde terá de ser resolvido, porque mais cedo é impossível devido ao enorme poder da política e da economia.
Olhar para uma grávida é olhar para um ser humano que orgulhosamente transporta um mundo novo. É preciso protegê-la e respeitá-la. É preciso que se criem condições para que as mulheres possam engravidar mais cedo, com intenção, e não por descuido, que sintam orgulho na sua espécie e que contribuam com seres mais saudáveis através de um comportamento adequado. Mas é preciso obrigar a sociedade a proteger, também, o novo ser, evitando exposições a tóxicos ambientais e criando condições para que as gravidezes decorram sem sobressaltos, sem pressões de qualquer natureza, financeira, profissional e ambiental. A instabilidade social, económica e política, aliadas à poluição crescente de origem diversa, ao adiamento da maternidade e ao futuro incerto transmitem-se ao feto através da mãe condicionando o futuro dos novos seres em termos de felicidade e de doenças. Há que tomar em conta tão importantes aspetos. A saúde dos futuros cidadãos e cidadãs assim o exige.

A prova real

Como tenho vindo a dizer, a prova real da virtude da despesa pública aí está em todo o seu esplendor: subida nos impostos e corte nos salários.
A grande ironia, e a grande desgraça, é que o anúncio foi feito por quem, em dez séculos, mais aumentou os gastos do Estado, ditos para criar riqueza e crescimento.

Stresse laboral

Há muito tempo que já não ia ao Quarto da República, uma espécie de sótão onde o pessoal do 4R armazena textos longos.
Hoje proferi uma conferência intitulada “Fatores de stress num mundo do trabalho em mudança”, mas atendendo à minha capacidade inata de perder o que escrevo - até dentro do meu computador por vezes não consigo encontrar um ou outro texto! -, lembrei-me de o guardar naquele espaço. Sempre é mais seguro e compensa a minha deficiência estrutural em guardar o que quer que seja. Assim, se alguém me pedir uma cópia sempre posso remetê-lo para aquele espaço.
De qualquer modo, sempre posso adiantar que o trabalho, o tipo de trabalho e a falta do mesmo estão na origem de complicações muito sérias em termos de saúde pessoal e coletiva.
No último parágrafo afirmo: “As consequências resultantes da disfunção laboral devido à precariedade do emprego, à crescente mobilidade, ao risco efetivo de desemprego, à tecnologia maciça, à instabilidade, à deficiente remuneração, à falta de suporte social, às elevadas exigências e à diminuição da capacidade de decisão é um caldo muito explosivo em termos de fatores stressantes suscetíveis de causar avultadíssimos prejuízos em termos pessoais e coletivos, o que, num contexto como o qual estamos a passar, irá agravar ainda mais a pobreza, constituindo um entrave ao crescimento e ao bem-estar. Há que politizar estes conceitos, há que chamar para a esfera da ação política a problemática do stresse laboral de modo a combatê-lo e preveni-lo. Só assim é que poderemos dar um salto qualitativo nesta área tão importante”.

A pergunta que se impõe

Quem está à altura dos acontecimentos?

Bonito serviço!...

No top 10 mundial de países de maior risco de crédito (há quem lhe chame o índice da bancarrota…) Portugal ocupa um saliente 6º lugar, logo abaixo do Paquistão, mas ainda acima da Ucrânia, o que muito nos honra:
1º- Venezuela
2º- Grécia
3º- Argentina
4º- Irlanda
5º- Paquistão
6º- Portugal
7º- Ucrânia
8º- Iraque
9º- Dubai
10º- Roménia
Parabéns José Sócrates! Parabéns, Teixeira dos Santos! Parabéns Vieira da Silva! Parabéns, Santos Silva! Parabéns a todo o Governo e a quem o defende! Pelo bonito serviço que têm feito.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

O carácter nos Puro Sangue Lusitanos


A Revista Pública tem um artigo muito interessante sobre o Cavalo Lusitano, o puro sangue que está de novo em plena reabilitação mas agora orientado para se tornar um cavalo “de ballet equestre”. Conta-nos o artigo que há vestígios da existência desta raça há 17 mil anos e que os cavalos ibéricos, usados nas guerras gregas, mas também pelos romanos e pelos mouros, eram considerados invencíveis. Foram parte activa das batalhas na conquista do território português e da independência e depois foram parte da saga dos Descobrimentos tendo sido enviados para África e para a América onde deixaram larga descendência atravessada por raças locais e terão ainda o seu quartilho de puro sangue nos cavalos dos cowboys. Mas eram sobretudo cavalos de trabalho, usados pelos campinos para a lavoura e pouco habituados a mimos, comiam uma ração pobre e só o que sobrava dos pastos, depois de os outros animais mais exigentes terem saciado a sua fome. Apesar dessa desconsideração, o cavalo lusitano é “corajoso, dócil, sensível, inteligente, sofredor, ardente, generoso e tem ainda a característica fundamental da sua pureza, que é a “capacidade de ler o pensamento do cavaleiro”. Até que um deles foi vendido a um toureiro, que o treinou para a arte com grande sucesso, aproveitando as suas naturais aptidões, que lhe permitem aprender depressa, sendo obediente e de uma fidelidade total. Mas foi um brasileiro que detectou a polivalência desta raça e treinou um deles para deixar de ser um “camponês” ou um “bravo das touradas” para se tornar num “cavalo de salão”, todo enfeitado e a fazer passos da grande beleza e elegância. Até para o “dressing” o Puro Lusitano mostrou aptidão rara, tornando-se um cavalo de luxo com direito a subir na escala dos cuidados e atenções e, claro, os bons tratos e boa alimentação valeram o crescimento de vários centímetros nos cavalos desta raça.
Mas, segundo os especialistas, o que realmente distingue um “puro” e lhe permite ser seleccionado para reprodutor é a nobreza do seu carácter, que lhe deu franquia nas melhores cortes da Europa. Apesar de poder ter todas as outras características, incluindo a beleza, a força e a versatilidade, é o traço de carácter que faz variar o preço de um para cem. Aí, na definição de carácter, já não há testes laboratoriais definitivos, ele é avaliado apenas na observação do seu comportamento negativo: a falta de carácter manifesta-se “pela reserva de pensamentos, uma agenda escondida, não abre o jogo, é dissimulado, ou mesmo hipócrita, em suma, um cavalo em quem não se pode confiar completamente”.
Um Puro Sangue Lusitano não deve ser assim, não tem valor se for só aparência e golpe de rins. As coisas que os portugueses têm que aprender com os animais desta nobre raça.

"Café & Saúde"

Há pouco tempo, ao abrir um exemplar da revista da Ordem dos Médicos, caiu-me nas mãos uma pequena brochura em anexo com o sugestivo título “Café e Saúde”. Ao analisar o suplemento verifiquei que continha uma súmula de artigos, de entrevistas e artigos de opinião sobre o café. Nada de novo, porque há muito tempo que se sabe do papel do café relativamente a certas patologias. O que me surpreendeu, confesso, foi o facto de um suplemento dedicado a um tema tão especifico ter “aproveitado a boleia” da revista oficial dos médicos e que deverá ter chegado aos cerca de 38.000 profissionais inscritos na ordem. Poderão dizer: - É uma forma como qualquer outra de informar os mais distraídos e esclarecê-los quanto ao papel benéfico do café. - Hum!! Leio o artigo de opinião, o primeiro, e verifico que os portugueses bebem em média “apenas” 3,09 kg de café per capita por ano, enquanto os europeus consomem 5,79 kg e os finlandeses chegam mesmo aos 13 kg por pessoa/ano. Ou seja, “bebemos menos 35% de café que a média europeia”! Concluo - talvez seja um pouco precipitado da minha parte -, que haverá “interesses” em fomentar o consumo de café numa perspetiva médica. Quais as indicações médicas de tão apreciado produto? O café protege o fígado da cirrose alcoólica, protege os consumidores do cancro, a cabeça da demência, as artérias da aterosclerose, isto só para falar de algumas. Não tarda e ainda vamos ouvir conversas de treta para bebermos dois a três ou até quatro cafés por dia, mas só do... Aqui, faço um parêntesis, porque gostava de saber quem são os promotores deste suplemento. Considero ridículas estas iniciativas e ainda por cima à boleia de uma revista como é a da Ordem dos Médicos.
Agora, espero, pacientemente, receber novos suplementos com os mais variados títulos: “Vinho e Saúde”; “Cerveja e Saúde”; “Água e Saúde”; “Pão e Saúde”; “Margarina e Saúde”; “Alho e Saúde”; “Cebolas e Saúde”; “Tomate e Saúde”; “Morangos e Saúde”; “Amoras e Saúde”; “Azeite e Saúde”; “Vinagre e Saúde”; “Sardinhas de escabeche e Saúde”; “Bacalhau e Saúde”; “Maçãs e Saúde”; “Chá e Saúde””; “Bagaço e Saúde”; “Feijão-frade e Saúde”; “Tabaco e Saúde”; “Masturbação e Saúde”; “Lagosta e Saúde”; “Fuga aos impostos e Saúde”. Bom, o melhor é parar por aqui, porque são temas capazes de preencher as próximas vinte edições da revista da Ordem dos Médicos, e pode ser que possamos ficar mais cultos, mais informados e alguns mais ricos...
Meu Deus, a saúde serve para muitas coisas, até para aumentar o consumo de um produto de que eu gosto tanto, o café. Só espero que os vendedores promovam a venda de café de boa qualidade, porque beber um café saboroso é coisa rara. Não preciso que me aconselhem a beber café, o que eu queria era beber café do bom, muito bom, daquele em que ao fim de duas horas ainda possa “senti-lo” na boca, no olfato, no cérebro, como se fosse uma longa onda de prazer. Espero que numa das próximas edições de “Café e Saúde” possa ler os locais onde encontrá-lo. Descansem que eu vou lá mesmo, pelo prazer anunciado da bebida e não pela saúde que me possa propiciar.

Não queiram fazer de nós lorpas!...III

Repetindo e repetindo. A culpa do descalabro da despesa pública não é da crise, mas exclusivamente do Governo.
Depois do aumento da despesa corrente em 5,2 mil milhões de euros, em 2005, continuou o regabofe em 2006, 2007 e 2008, segundo, terceiro e quarto anos da governação socialista. Nesse triénio, Sócrates aumentou a despesa corrente em 7,4 mil milhões de euros. Aumento em termos nominais, em termos reais e aumento em relação ao PIB. O Governo engordou o Estado mais que proporcionalmente à riqueza criada.
No mesmo triénio, os impostos e as contribuições para a segurança social aumentaram 8,7 mil milhões de euros. Também aumento em termos reais e aumento em relação ao PIB. O Governo extorquiu os cidadãos e as empresas, para o Estado se apropriar de uma fatia maior da riqueza criada.
É pois mentira que o Governo tenha controlado a despesa e não tenha aumentado os impostos. Afirmar o contrário, e vir agora pedir-nos novamente que paguemos mais, é tratar-nos como lorpas!...

Em tempo de delírio, porque não aprovar também um OE/Rectificativo para 2011?

1. A discussão em torno da questão da aprovação/não aprovação do OE/2011 está a ganhar contornos de delírio agudo...
2. Como aqui referi em Post ontem editado, ninguém conhece a proposta de OE/2011:
- Onde estão os pressupostos macro-económicos em que assenta?
- Quais são os objectivos/opções do lado da despesa?
- Qual é a previsão de receita fiscal e não fiscal?
- Qual o défice previsto?
- A quanto montam as necessidades de financiamento do Sector Público Administrativo (Public Sector Borrowing Requirements na versão oficial da OCDE) e consequentemente a previsão de emissão de dívida em 2011?
3. As respostas a estas questões - sem o conhecimento das quais falar-se em aprovação ou não aprovação do OE/2011 é uma simples operação de adivinhação, completamente no escuro – é por ora totalmente desconhecida...
4. Sendo assim, como é possível afirmar que “a não aprovação do OE/2011 é um crime de lesa-pátria” – como ontem terá sido afirmado por um eminente político que sobre o assunto fala quase todos os dias, aliás?!
5. A única explicação para toda esta excitação, que já vai subindo para o degrau da histeria estará, claramente, em pretender dar um “cheque em branco” ao Governo para elaborar, sem oposição, o OE que muito bem lhe apetecer...confiando que ninguém se atreverá a cometer um crime de lesa-pátria..
6. Mas isto implica entrar num caminho sem saída...daqui por uns meses – muito poucos, porventura - estaremos a discutir a necessidade de um OE/Rectificativo (perdão, Suplementar) e ai de quem não estiver disponível para o aprovar...poderá voltar a ser um crime de lesa-pátria não o fazer!
7. Assim sendo, o melhor será assegurar já a aprovação, não apenas para o OE/2011 mas também para o Rectificativo ou Suplementar que se lhe vai seguir...poupar-se-á pelo menos o esforço da respectiva discussão lá para Abril ou Maio, fica já tudo resolvido...
8. Dirão: mas aprovar um Rectificativo para 2011, agora? Sem que se saiba se vai ou não ser necessário e em que termos, não é disparate? Resposta: e o que é que se sabe do OE/2011?
9. São verdadeiramente dias de delírio, aqueles que atravessamos! É melhor aproveita-los e resolver já tudo!

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

OE 2011 - os equívocos da discussão

1. Não têm conta, de tantas e tão acaloradas, as opiniões já expressas acerca da absoluta necessidade de ser aprovado o OE/2011, sob pena de o “País entrar numa enorme crise orçamental e política”...como se não vivêssemos já uma profunda crise orçamental!
2. Tem sido esta a corrente dominante de opinião e, como tantas vezes sucede, neste caso também a corrente dominante labora em equívocos que não só falseiam completamente como impedem uma análise cuidada do problema.
3. Em primeiro lugar cabe notar que esta discussão gira em torno de uma proposta desconhecida...a proposta de OE/2011 ainda não foi apresentada, desconhecendo-se o seu conteúdo, os seus pressupostos macro-económicos – alguém conhece o quadro Macro em que essa proposta vai assentar? Faz algum sentido andar para aí a discutir bravamente sem que o objecto da discussão seja conhecido?...
4. Em segundo lugar esta discussão omite uma outra que deveria ser prioritária e que tem a ver com a execução orçamental de 2010.
Do que for esta, muito dependerá o que o OE/2011 pode ser.
5. Com efeito, a evolução das contas públicas até Agosto – na parte que é revelada, há dúvidas fundadas acerca do rigor dos dados publicados – sugere que a execução orçamental de 2010 pode vir a divergir significativamente dos objectivos estabelecidos...não seria a primeira vez, de resto, nestes últimos anos...
6. A esta luz, torna-se evidente que a discussão dos objectivos orçamentais para 2011 à revelia de um conhecimento razoável da execução em 2010 pode ter como resultado que para 2011 venham a ser estabelecidos objectivos que passadas poucas semanas se verificará serem irrealizáveis...
7. E isso pode ser-nos fatal, transformando 2011 no ano de todos os horrores e tornando inevitável – absolutamente inevitável – o que anda para aí nas bocas "escandalizadas" de tantos comentadores, ou seja um programa de austeridade patrocinado pelo FMI e pela Comissão Europeia, seguindo o modelo grego.
8. Seria pois do mais elementar bom senso que as atenções se centrassem agora, até ao anúncio da proposta de OE/2011 e mesmo durante a discussão desta em Outubro e Novembro, no acompanhamento muito estreito da execução orçamental de 2010...para ver no que esta vai dar e para que não se corra o risco de aprovar um OE/2011 essencialmente irrealista.
9. Mas o País político parece ter ensandecido, com os responsáveis governativos em grande evidência, não querendo discutir outra coisa a não ser se vai ou não ser aprovado “aquilo” de que nada se sabe...a proposta de OE/2011!

domingo, 26 de setembro de 2010

Não queiram fazer de nós lorpas!...II

Repetindo: a culpa do descalabro da despesa pública não é da crise, mas exclusivamente do Governo.
Em 2005, primeiro ano da governação socialista, Sócrates aumentou a despesa corrente em 5,2 mil milhões de euros, mais 8,8% do que em 2004!...
No mesmo ano, os impostos e as contribuições para a segurança social aumentaram 4,8 mil milhões de euros, mais 9,8% do que em 2004.
Despesa e carga fiscal aumentaram em termos reais e em termos de PIB.
Afirmar o contrário, como faz o Governo que diz ter controlado a despesa nestes anos todos, é tratar-nos como lorpas!...

O que pensará Sócrates desta tirada do pai Soares?


“Texto dedicado à Anthrax” (27 de setembro de 2010)






No dia 27 de setembro de 2005, faz amanhã cinco anos, escrevi uma crónica intitulada “A Fuga de Sharpe”, em que comemorava os 195 anos da batalha do Buçaco. Na altura tinha acabado de ler a obra de Bernard Cornwell “A Fuga de Sharpe” (Campanha do Buçaco – Portugal 1810). Um belo romance histórico que me fez reviver com entusiasmo difícil de explicar um dos mais marcantes períodos da nossa história. Uma das comentaristas, eu sei que é “uma”, Anthrax, que ultimamente tem andado desaparecida, mas que deu notícias há pouco dias, escreveu o seguinte:

O quê! O Professor também?!! Bom, então se quiser ver umas fotografias das Comemorações de hoje (são só duas que elas são um bocado pesaditas), passe pelo meu blog (http://www.diariodoanthrax.blogspot.com) Isto há com cada coincidência... e já agora, o livro é um espectáculo (tenho todos em inglês que sai mais barato e afinal sempre são 20). Já agora, o "L'Armée du Portugal" pode-se encontrar facilmente numa livraria em Portugal ou tem de se mandar vir de algum lado? ... Sei que é antigo, mas os alfarrabistas existem é para estas coisas.”

Eu respondi-lhe da seguinte maneira:
Já dei uma espreitadela. Lindas fotografias. Estamos perante iniciativas que não podemos esquecer e ignorar. No entanto, a comunicação social, dá mais enfâse aquilo que todos já sabemos. Já agora podíamos combinar um encontro em beleza daqui a cinco anos para comemorar os 200 anos. Se estiver vivo vou lá estar logo de madrugada...


O que é que eu fiz? Hoje, levantei-me cedo, arranjei-me e abalei a toda a velocidade até ao Buçaco. Queria cumprir não só uma promessa como viver as comemorações dos duzentos anos de tão importante batalha cujas histórias contadas pelos familiares perduram na minha mente como se a tivesse também vivido. Não vou descrever a representação, muito bem cuidada com todos os pormenores, simulando um dos principais combates ocorridos naquela manhã. Só posso dizer que os ingleses eram ingleses, os franceses eram franceses e os portugueses eram portugueses. Trajados a rigor, soldados, oficiais e povo. Uma das mais belas lições de história que já tive até hoje. Muita gente a assistir, mas ao meu lado só ouvia falar inglês, ao ponto de julgar que a divulgação pela comunidade inglesa deverá ter sido impecável. Também ouvi muitos franceses que apesar de terem sido derrotados nem por isso deixaram de homenagear os milhares de compatriotas abatidos pelo exército ango-luso.
Numa das fases da representação, o ruído produzido pela artilharia e pelas armas, envolvendo os participantes de um fumo branco, aliado aos gritos da soldadesca, conseguiram criar uma certa emoção que não resisto a publicitar.
Partilho três fotografias sobre a cerimónia, a qual, confesso, teve muita dignidade. E como a Anthrax não apareceu, julgo eu!, aqui lhe deixo este pequeno texto, a fim de que o possa partilhar com todos os que tiverem oportunidade de o ler.

Não queiram fazer de nós lorpas!...I


A culpa do aumento da despesa pública não foi da crise, como diz o Governo. Não, a culpa deve-se ao Governo.
De 2005 a 2008, período pré-crise, o governo aumentou a despesa pública corrente em 12,6 mil milhões de euros.
Todos os anos o aumento foi real, superior à inflação. E todos os anos o acréscimo foi superior ao do PIB. Se em 2004, a despesa corrente significava 42,1% do PIB, em 2008 já representava 43,2%.
No mesmo período, os impostos e as contribuições para a segurança social aumentaram 13,5 mil milhões de euros. E passaram de 34,7% do PIB para 37,5% do PIB.
O governo não controlou a despesa; pelo contrário, gastou à tripa forra. E pediu um esforço desproporcionado aos portugueses, com implicações directas no estado da economia.
Afirmar o contrário, como faz o Governo, é tratar-nos como lorpas!...
(A continuar)

sábado, 25 de setembro de 2010

O desplante!...

Gastar dinheiro público à tripa forra e à medida dos seus exclusivos interesses é o que o Governo de Sócrates e os seus ministros, a começar por Teixeira dos Santos, melhor têm sabido fazer. Com total competência, diga-se.
Mas, para aumentar impostos, já querem a companhia do PSD!...

Desigualdades de oportunidades...

O Dr. Pinho Cardão suscitou o problema aqui, no Sábado passado. Os dados publicados pelo Expresso deste Sábado mostram que há uma perversão do sistema (link ao IOL Diário).
Uma coisa é criar vias que possibilitem aos jovens que não estudaram novas oportunidades de se qualificarem para se valorizarem e melhorarem a sua inserção no mercado de trabalho e outra coisa é transformarem-se as “novas oportunidades” em trampolim para o acesso ao ensino superior dispensando a frequência do ensino secundário, o estudo e os exames que são exigidos aos alunos que querem ingressar na universidade.
Num país fustigado por elevadas taxas de abandono e insucesso escolar, não discuto a valia e a necessidade das segundas oportunidades de aprendizagem que são dadas a quem, normalmente por motivos de desigualdade de oportunidades, foi excluído precocemente do sistema de ensino e penalizado pelo mercado de trabalho.
Mas as preocupações do sistema de ensino devem centrar-se, cada vez mais, na necessidade de cuidar de garantir a efectiva igualdade de acesso e o aproveitamento de um número crescente de crianças e jovens, melhorando a qualidade do ensino e ajudando em particular as famílias com carências económicas e sociais de modo a permitir a inclusão bem sucedida dos seus filhos na comunidade escolar.

Vale a pena conhecer...

Nunca conhecemos verdadeiramente os sítios onde vivemos. Há sempre muito para descobrir e nos espantar.
Esta semana, numa ida ao Chiado, prometi a mim própria reservar algum tempo para visitar a Igreja do Santíssimo Sacramento, reaberta no final de 2009. Andava há muito para o fazer.
É uma igreja seiscentista, lindíssima, situada na Calçada do Sacramento, reconstruída após o terramoto de 1755. Ficou muito danificada com o incêndio do Chiado - o seu telhado foi utilizado pelos bombeiros para combaterem o fogo – e sofreu, também, com as obras do metro e a construção de parques de estacionamento das redondezas. De lá para cá esteve fechada.
Inteirei-me que, ao contrário da Basílica dos Mártires e da Igreja da Encarnação situadas um pouco mais acima, não foi abrangida pelo, então, Fundo de Reconstrução do Chiado, criado com dinheiros públicos. Foi sempre uma igreja muito pobre, sem possibilidades de fazer os trabalhos de recuperação que se impunham, entre os quais o restauro das pinturas dos tectos, concluídas em 1805 pelo pintor português Pedro Alexandrino de Carvalho.
Mas é notável verificar a força que pode ter a sociedade civil quando mobilizada para uma causa importante. Foi a generosidade do movimento cívico que, mais recentemente, se gerou em torno da vontade de reabilitar a igreja, depois de décadas de abandono, que reuniu os donativos suficientes para, numa primeira fase que teve início em 2008, proceder ao restauro e reabilitação de parte da sua arquitectura interior, em particular os frescos do tecto da nave central, e à reconstrução do telhado e das instalações eléctricas.
Os custos envolvidos não tiveram qualquer comparticipação do Estado, apenas a classificação do Ministério da Cultura que considerou de “interesse cultural” o projecto de reabilitação e restauro da igreja.
E é, também, muito interessante registar a iniciativa da Igreja Paroquial do Santíssimo Sacramento de se dar a conhecer ao mundo através da internet, tendo para o efeito construído um Site onde mostra a sua história e a sua riqueza e convida à visita e no qual presta contas dos donativos recebidos e da sua aplicação e explica as necessidades de restauro ainda por satisfazer, fazendo apelo ao apoio de doadores e mecenas.
A renovação da Igreja do Santíssimo Sacramento, agora com as suas portas abertas à cidade, é um contributo para a valorização do património religioso português. E é, também, um benefício para a dinamização do Chiado, depois do dramático despovoamento provocado pela destruição do incêndio de 1988.
O bem-estar e o progresso também se conquistam acarinhando a História e a Cultura. Vale a pena conhecer...

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A tragédia dos aumentos de impostos

1. A economia portuguesa enfrenta hoje 2 grandes problemas que são ao mesmo tempo formidáveis desafios para os responsáveis pela política económica:
- Um desequilíbrio externo aparentemente insanável, decorrente de um excesso de despesa em relação à produção, que agrava permanentemente o endividamento e ameaça sufocar financeiramente o País;
- Uma perda progressiva da capacidade de crescimento potencial, decorrente da duradoura e elevada taxa de desemprego, que enfraquece o capital humano, e de sucessivas quebras da taxa de investimento que enfraquecem o capital técnico.
2. Sem a resolução destes dois gravíssimos problemas – tarefa para bastantes anos mesmo que seja iniciada já – a economia vai irremediavelmente empobrecer e o ritmo de empobrecimento acelerará nos anos mais próximos, atingindo porventura proporções dramáticas no decurso dos próximos 2/3 anos...
3. O enfraquecimento ou depreciação do capital humano é a consequência obvia da situação de desemprego prolongado em que muitas pessoas activas se encontram - a qualificação profissional supõe a continuação da actividade, a inactividade reduz qualificação.
4. As sucessivas taxas negativas do investimento – agora até o Estado reduz drasticamente o investimento ao contrario do que sugere o discurso propagandístico – reduzem a capacidade técnica de produção, aspecto seriamente agravado com o encerramento de um incontável número de unidades produtivas (sobretudo no sector transformador) atingidas pela insolvência nos últimos 2 a 3 anos.
5. Essa perda do crescimento potencial significa que mesmo em cenários económicos externos muito favoráveis a economia nacional não será capaz de crescer mais do que os miseráveis 0 a 1%...nunca mais saindo da “cepa-torta”.
6. A única política que nos pode fazer sair desta dificílima situação é a da promoção arrojada do investimento produtivo, em sectores voltados para o exterior (chamados de bens e serviços transaccionáveis) e não em obras faraónicas cujo efeito será agravar os problemas acima detectados.
7. Com efeito, o aumento do investimento produtivo nos sectores concorrenciais tem um duplo efeito:
- Aumenta a capacidade de crescimento potencial da economia;
- Contribui para reduzir o desequilíbrio externo.
8. Uma componente essencial - “sine qua non” - de uma política arrojada de promoção do investimento produtivo, voltado para os mercados externos, seria um agressivo alívio da carga fiscal e para-fiscal que as empresas têm de suportar, uma vez que essas mesmas empresas enfrentam já condições bastante desfavoráveis por exemplo nos custo do capital e de outros factores produtivos e serviços (e.g. energia e transportes).
9. Nesta perspectiva, qualquer ideia de agravamento fiscal nesta altura, sobretudo dos impostos sobre o rendimento, torna o cenário de evolução futura da economia portuguesa simplesmente ATERRADOR...
10. Por isso aqui no 4R nos temos batido, e continuaremos a bater-nos “até à última gota de sangue”, contra os aumentos de impostos em Portugal no actual quadro de desempenho da economia.
Tenham lá paciência, arranjem outras soluções para reduzir o défice orçamental...mas sacrificar irremediavelmente a economia é que não!

Cura de leucemia num menino...

Cura de leucemia em menino com 'poucas semanas de vida' intriga médicos

Vale a pena ler. Certos fenómenos começam a ser esclarecidos, mesmo sem ajuda divina...

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Desesperado apelo

Depois da alta recorde das taxas de juro da dívida pública e de, no Parlamento, Teixeira dos Santos imputar responsabilidades ao PSD pela situação do país, fiquei certo de que o Governo já não tem solução para nada.
No fundo, tratou-se do mais explícito e desesperado apelo à intervenção do FMI que algum dia pudemos ouvir.

Situação da Universidade

E ainda me queixo da minha...

Um injusto castigo...

A Microsoft seleccionou este ano para integrar a rede mundial de escolas hi-tech a escola EB 2,3 de Nevogilde, em Lousada, e a Secundária de Lagoa, nos Açores. Boas notícias, portanto. Não há dúvida que este género de iniciativas constitui um incentivo extraordinariamente importante à criatividade e inovação e funciona como uma ferramenta pedagógica facilitadora da transmissão e da aprendizagem do conhecimento. O trabalho em equipa e o espírito colectivo são estimulados e a auto-estima de professores e alunos é reforçada. Será que estas escolas inovadoras irão conseguir resistir ao processo de modernização economicista do parque escolar?
A propósito destes dois casos de sucesso, voltou a ser lembrado o encerramento da escola de Lamego que, no ano passado, foi escolhida pela Microsoft para integrar a rede mundial de escolas inovadoras. Desta vez para dar conta do que ainda não se sabia.
É que “Os 32 alunos da EB1 de Várzea de Abrunhais - que dispunham de wireless e em cujas aulas os Magalhães trabalhavam conectados com o quadro interactivo - foram transferidos para um centro escolar onde não há telefone nem Internet”. Pode ler-se aqui.
Um péssimo exemplo do que de pior se pode fazer. Não faz sentido. Esperemos que estas crianças não percam o ânimo e não se deixem abater emocionalmente por este injusto castigo. São ainda muito pequenas para entenderem certas coisas...

A racionalidade está do nosso lado...valha-nos isso!

1. Um membro do Governo da equipa do Ministério das Finanças produziu ontem uma curiosa observação a propósito da forte subida dos juros na emissão de dívida da República Portuguesa: “Portugal continua a sentir a irracionalidade dos mercados”...
2. Ficamos assim a saber que, pelo menos em relação à avaliação do risco da dívida portuguesa, os mercados funcionam irracionalmente...não entendem o que por cá se passa, não são capazes de enxergar o sucesso da política portuguesa.
3. É claro que não nos é explicado em que deveria consistir um comportamento racional dos mercados...mas deve presumir-se, pelo teor da declaração, que um comportamento racional seria, por exemplo, atribuir à dívida portuguesa um risco no máximo idêntico ao da dívida espanhola ou italiana...para já não falar da dívida alemã, holandesa, finlandesa ou francesa...
4. Certamente que na visão esclarecida dos responsáveis governamentais lusos, a Espanha e a Itália são na melhor hipótese um risco idêntico ao português, pelo que têm vindo a beneficiar de um “desconto” na taxa de juro que os mercados exigem a Portugal – situação obviamente irracional.
5. Os mercados também mostram irracionalidade quando não parecem não entender que apesar do forte AUMENTO do saldo da dívida directa do Estado (+13%) e da SUBIDA das taxas de juro...os encargos com a dívida, até Agosto último, segundo a informação divulgada esta semana pelo Governo, BAIXARAM 8%, revelando um esforço enorme de contenção da despesa...
6. Os mercados não são capazes, ainda, de entender aquilo que é “crystal clear” em relação ao formidável projecto do TGV: cancelar hoje o concurso, por falta de condições financeiras, mas prometer que o mesmo será reaberto em 6 meses...qualquer pessoa compreende o fundamento e a clareza desta posição, só os mercados na sua irracionalidade é que não a entendem...
7. Em suma, é deplorável esta irracionalidade dos mercados sobretudo porque somos nós quem paga a factura dessa irracionalidade...mas temos a consolação da racionalidade estar do nosso lado, valha-nos isso!

Em casa de ferreiro, espeto de pau

"Falta de separação de resíduos, mau uso dos mesmos e abertura de um poço sem licença. Tudo isto dentro de uma zona protegida. A GNR não perdoou e levantou três contra-ordenações contra a Quercus. O processo está no ICNB e a Inspecção do Ambiente foi informada." lê-se hoje no JN.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Buzinar ou não buzinar, eis a questão!

Descansava pachorrentamente de um dia pesado, sem vontade de fazer o que quer que fosse, a não ser saborear o final da noite, quando ouço buzinar. Caramba. Que chatice. Uma, duas, três vezes... Alguém deve ter estacionado o veículo em local indevido e agora o reclamante tenta chamá-lo. Desloco-me à janela e vejo um carro na rampa a querer entrar na rua. Um veículo cinzento de cor e de idade, dando fé ao aspeto baço do capot, estava no limiar do aceitável, não revelando que constituísse um obstáculo. Discretamente saí de casa – a noite estava decente e convidativa a um passeio –, e constatei que o jovem casal podia sair sem qualquer dificuldade. Feitas as contas por alto, admito que a obstrução deveria ser da ordem dos três a quatro centímetros. Mas por que diabo não avançam? Rapam do telemóvel e chamam a polícia. Deram as coordenadas e passado pouco tempo, mas mesmo pouco, apareceu um carro patrulha com três jovens polícias. Aproximaram-se e rapidamente ficaram inteirados do caso. Disseram que não podiam proceder ao reboque porque o carro não estava em infração. O casal jovem protestou, alegando dificuldade na manobra e dizendo que daí a pouco chegaria uma carrinha que, assim, não poderia descer a rampa. O agente, face à inusitada situação, procedeu à chamada do chefe. – O chefe que resolva. Para isso é que há chefes! Eu é que não chamo o reboque. Passados mais uns minutos chegou uma outra viatura policial com um graduado e um agente. Cinco polícias à minha porta. Um festival que já não via há muito, desde a tentativa de assalto à casa vizinha. Nessa altura chegou a estacionar uma carrinha com muitos agentes que saltaram para a rua de armas em punho. Alertado com o azul tremeluzente do pirilampo, dirigi-me à porta rua onde assisti, meio deslumbrado, a uma cena de um Hill Street à portuguesa. O mais curioso foi um dos agentes que, de arma em punho, pôs-se a correr na minha direção e a perguntar: - O senhor conhece a dona desta casa? Claro que conheço! O jovem policial não sabia o que fazer, hesitava, andava de um lado para o outro, meio apalermado, mas sempre de arma na mão, enquanto os colegas entravam no jardim e nas traseiras da habitação. Foi quando lhe perguntei: - Mas o que é que se passa? – Telefonaram a dizer que há um assalto e o que os ladrões ainda estão lá dentro. - Ai estão?! Hum! Não me parece. De facto, vieram a constatar que já tinham ido à vida. O corrupio instalou-se com várias pessoas a abrirem as janelas e a debruçarem-se nas varandas. Ao fim de pouco tempo havia muitos espetadores a enriquecer o evento da noite. Quebraram a rotina sem dúvida, tal como agora.
Desta feita, o chefe, um rapaz também novo, com um sorriso temperado de algum sarcasmo, olhou, ouviu e não ligou grande patavina aos queixosos, dizendo ao agente que o tinha chamado: - Oh S. não se esqueça de identificar o reclamante. - Sim chefe. Meteu-se no veículo e foi-se embora. Entretanto dois veículos já tinham entrado sem dificuldades na rampa, o segundo, então, não teve qualquer problema, era um Smart, mas o outro era normal. Um grupo de estudantes, numa varanda da rua em frente, gozava até à exaustão o quadro com os seus ditos, apupos, palmas e gritos de vitória aquando da entrada dos veículos. Os agentes, muito educados, tentavam com muita calma resolver a situação.
Não foi complicado saber onde morava a dona do carro. Chamaram-na. O polícia expôs-lhe a situação e a senhora disse que não tirava o carro porque não estava em infração. O polícia, claro, calou-se. Mas a situação aquecia, como é timbre do pessoal que quando julga que tem razão usa todos os argumentos. Disse então à senhora que ainda podia avançar uns três a quatro centímetros até ao carro da frente. - Se o fizer o problema fica resolvido. Riu-se para mim, dizendo: - Anda muita gente mal com a vida neste mundo. – Pois anda, ripostei. Mas vai ver o que fazem três centímetros. E assim foi. Ajudei-a a avançar e a partir daquele instante ficou alinhado ao milímetro. Eu esperava que a confusão terminasse, mas enganei-me. Redobrou de intensidade, agora com outros argumentos: - Então, porque é que ela mudou de lugar? – Por que é a dona não tirou o carro do sítio para outro local? – Quem é que me paga o tempo perdido? Estou aqui há uma hora e meia para resolver o assunto! E os pobres agentes com uma pachorra dos diabos lá iam tentando explicar que não tinham razão, mas qual quê! Tiveram, naturalmente, de registar os dados do reclamante e, a dada altura, enfiaram-se no carro muito chateados, dizendo: - Vamos para o local do incêndio que é mais importante do que isto e, para comprovar a sua indignação, o motorista acelerou o pobre do veículo que se assustou a ponto de fazer um barulho de dor, tossindo e expelindo gases de irritação acumulados. Polícia sofre, e a viatura também!
E, assim, inesperadamente, assisti a uma comédia digna de uma soap opera. Pelo menos não faltaram espetadores. Sempre deu para por a conversa em dia e descansar após um dia de trabalho um pouco pesado...

Prova de rendimentos a "passo de caracol"...

Não gosto de ver as pessoas em filas intermináveis à porta dos serviços públicos para tratarem da sua vida e muito menos por razões de necessidade. O facto de serem pessoas desempregadas, pessoas idosas ou pessoas carenciadas não pode ser motivo para que esperem horas e dias para serem atendidas. É um espectáculo pouco digno, a lembrar um país do terceiro mundo. A sua condição económica e social merece todo o respeito.
Para situações extraordinárias impõem-se soluções igualmente extraordinárias, sem perder de vista que muitas destas pessoas já eram, antes de se tornarem beneficiários da Segurança Social, infoexcluídos. Os balcões de atendimento continuarão, também por isso, a constituir uma via preferencial.
Até final de Outubro cerca de um milhão de pessoas terão que fazer prova de rendimentos para poderem continuar a receber os apoios sociais a que têm direito. Ao ritmo de "passo de caracol" duvido muito que todos os beneficiários o consigam fazer sem que o prazo não tenha que ser alargado...

Adivinhe se for capaz

Quem proferiu esta frase:  "Não temos o direito de pedir nada aos portugueses"

1. Angela Dorothea Merkel
2. José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
3. Manuel Alegre de Melo Duarte
4. Paulo Jorge Gomes Bento
5. Fernando Teixeira dos Santos
6. Porta-voz do FMI

Ver a resposta AQUI.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

A moda dos "deslizamentos semânticos sugestivos"

Falida a engenharia financeira, entrou-se agora de peito aberto no campo da engenharia linguística, com a mesma temeridade e inconsciência com que se propagou a outra. Basta ouvir, mesmo distraidamente, os debates e opiniões a propósito das hipotéticas medidas a tomar para resolver a quadratura do círculo orçamental. Ainda há pouco ouvi, e tem sido recorrente, um analista dizer que não é possível aumentar mais os impostos e por isso o remédio seria reduzir os salários da função pública. E, pergunto eu, para quem sofre a medida qual é a diferença? Bem sei, do ponto de vista do documento, os impostos entram no lado da receita e os salários do lado da despesa, logo, esta diminuía enquanto a carga fiscal ficaria contida no seu limite actual. Isto formalmente, ou seja, no papel. Porque, no caso da discussão sobre a redução de deduções fiscais, por exemplo, que foi apresentada como sendo uma “redução do défice fiscal”, poucos foram os que não consideraram que se tratava, de facto, de “um aumento de impostos”, pela óbvia razão de que quem passava a ter que pagar o que antes podia descontar passaria a ver a sua conta fiscal aumentada.
Ora, o aumento da carga fiscal significa menos rendimento disponível para as famílias e empresas e mais dinheiro nos cofres do Estado, certo? Então porque é que a redução do salário de uma parte da população, ficando o Estado com a fatia retirada, não é um aumento de impostos para essa parte da população? O efeito não é precisamente o mesmo? Do mesmo modo que a inflação é "um imposto escondido", só que para todos.
Nos idos de 80, quando o Governo de então, com o FMI cá, decidiu que não podia pagar o 13º mês aos funcionários, essa medida foi considerada um imposto retroactivo, retroactividade essa que foi considerada constitucional com argumentos que então o Tribunal Constitucional aduziu. Mas, que me lembre, foi considerado um imposto, o que foi aceite foi a sua retroactividade. Nessa altura, porém os funcionários públicos recebiam salário líquido, ou seja, estavam isentos de impostos, pelo que só acompanhariam o esforço fiscal equivalente ao da população com uma redução directa do salário líquido auferido.Depois, em finais da década de 80, quando houve a reforma fiscal, os funcionários passaram a ser tributados em IRS, compensando-se com o aumento que desse o anterior salário líquido, sem englobamento de eventuais outros rendimentos, ficando em igualdade de regime com os restantes contribuintes. Ou seja, não percebo como é que hoje ainda se contrapõe, à "impossibilidade de aumentar a carga fiscal”, a "possibilidade de baixar os vencimentos da função pública”, raciocinando-se como se os funcionários não fossem contribuintes que já sofrem a mesma carga fiscal dos restantes cidadãos pagantes.
Entenda-se, o que ouvi sobre esta matéria foi apenas, em abundância, analistas e comentadores a fazer piruetas com palavras e conceitos para dar palpites que só aumentam a confusão. A dúvida que aqui trago é muito simples: em que é que a redução dos salários de quem trabalha para o Estado não se traduz para os visados num aumento de impostos específico, a somar à tal carga excessiva que se considera intolerável?
Por estes e outros exemplos invoco o filósofo francês Patrick Viveret que chamou a atenção para os perigos do recurso aos “deslizamentos semânticos sugestivos”…

O Papel do Estado na economia globalizada

O post “O Papel do Estado na economia globalizada” concitou análises geralmente discordantes, mas relevantes, de diversos comentadores habituais do 4R.
Como o texto já vai longínquo, por entretanto terem surgido outros posts, e dado o interesse do tema e das análises, e por respeito aos comentadores, voltarei brevemente ao assunto.

Praga do défice externo não tem cura? Claro que tem, quando o dinheiro acabar...

1. Divulgadas hoje as contas externas para o período até Julho, constata-se que o défice corrente está praticamente inalterado em relação ao mesmo período de 2009 - com uma leve descida de 1,4% devida a uma melhoria de € 315 milhões...nas transferências públicas da EU.
2. No tocante aos valores mais significativos, verifica-se que as exportações de bens continuam a crescer bem, +14,1%, ou seja mais € 2.626 milhões, mas esta melhoria das exportações é anulada por um aumento também forte das importações - de + 10,85% ou seja mais € 3.067.
3. Assim e tal como em Post anterior já salientei, não vale a pena “embandeirar em arco” com o crescimento das exportações quando esse crescimento é mais do que anulado pelo aumento das importações...não é assim que vamos lá....
4. Regista-se também um crescimento assinalável na rubrica de Serviços, com uma melhoria do saldo positivo de 12,8%, sendo de realçar aqui as receitas líquidas do Turismo, que registam uma melhoria de 9,2%.
5. Em contraponto, as coisas vão de mal a pior (sem surpresa) no que se refere aos Rendimentos, com o défice a aumentar 4,6% em relação a 2009, atingindo quase € 5 mil milhões ao cabo de 7 meses, o que confirma a última previsão aqui feita de um défice anual bastante superior a € 8 mil milhões nesta rubrica, ou seja 5% do PIB - absorvendo na totalidade o superavit dos Serviços (Turismo incluído) e das Transferências Privadas (Emigrantes) e Públicas e ainda “sobrando” défice...
6. Esta evolução das contas externas é uma boa ilustração de duas importantes realidades: (i) do total esgotamento do modelo económico em que temos vivido, com um Super Estado gastador, impulsionador da despesa e do desequilíbrio externo, ao mesmo tempo que (cada vez mais) castrador da iniciativa empresarial e do investimento; (ii) de que, apesar de todas as declarações em contrário, a política económica continua um enorme equívoco, fomentando a despesa e penalizando o investimento.
7. Em resumo, preparemo-nos em 2010 para mais um défice externo igual ou superior a 10% do PIB, implicando igual aumento da dívida ao exterior...
8. Perguntar-me-ão: mas então este problema não tem solução? A resposta é simples: tem, com certeza, quando o dinheiro acabar...aí acaba o défice, mas o que isso nos vai custar é melhor nem pensar...

A barreira da cidadania...

O Público alertava ontem para o facto de que “ninguém sabe se a Lei das Acessibilidades está a ser cumprida por falha de fiscalização”.
Os anos passam, ou melhor passam-se décadas, e continuamos entretidos a fazer novas leis, em cima de outras tantas que supostamente seriam necessárias para ajudar a resolver as questões ligadas à acessibilidade física das pessoas com deficiência mas que pouco ou nada acrescentaram.
É também evidente que as leis não resolvem tudo, porque a cidadania e a solidariedade não se decretam. E na falta destas, fazem-se leis com a promessa de que vão ser aplicadas, não passando raras vezes de meras intenções porque, a bem dizer, a vontade política não é determinante.
Sabemos agora que a nova Lei das Acessibilidades não está a ser cumprida, começando logo por ser o Estado a prevaricar, não obedecendo às normas que ele próprio aprovou. O Estado não só deveria cumprir a lei como deveria dar o bom exemplo. É extarordinário que ninguém saiba se a Lei das Acessibilidades está a ser cumprida porque afinal a lei tem problemas de harmonização e de falta de eficácia. Tudo indica, portanto, que iremos ter nova legislação porque a que está em vigor não serve, já terá sido ultrapassada por outros acontecimentos.
Para além desta trágica produção legislativa e da sua ineficácia, o que é mais trágico é não cuidarmos efectivamente da integração económica e social das pessoas com deficiência. Não me refiro apenas às acessibilidades físicas. Há muitas outras barreiras que é preciso vencer. Há um problema de falta de cidadania. Não é com “choques tecnológicos” que lá vamos. Estamos a precisar de um “choque de cidadania” que nos sensibilize e mobilize para os reais problemas das pessoas e para a vontade de os resolver e de lhes dar prioridade.
Às vezes pergunto-me: se somos capazes de construir auto-estradas e fazer TGVs porque não queremos resolver as coisas mais elementares da vida?

Nada de grave, tudo dentro da maior normalidade - VI


I
Alguns sectores da oposição parecem vibrar de prazer a cada notícia negativa sobre o País ou que  anuncia que se agravaram as condições de obtenção de crédito ou que se torna cada vez mais provável o recurso a uma tutela externa para suprir as nossas incapacidades. Patológica esta reacção? Não. Tudo dentro da maior normalidade.
II
Anunciado ontem que a execução do orçamento em 2010 revela um aumento da despesa pública em relação a período homólogo do ano transacto quando era susposto observar um decréscimo acentuado. Ouvi, porém, um secretário de estado da equipa do ministério das finanças a dizer que estamos no bom caminho, que a despesa reduziu o seu crescimento consistentemente. Paradoxal? Não. Tudo dentro da maior normalidade.

O estado do social



Creio que aqui, no 4R, já em tempos e por mais de uma vez nos referimos a este assunto dos idosos abandonados (ou acolhidos, conforme a perspectiva) pelos hospitais a que hoje o DN se dedica, apesar de não necessitarem de cuidados desses estabelecimentos de saúde.
Não deixa de ser chocante o fenómeno pela dimensão que a peça do DN revela, mas sobretudo pela que se calcula que exista para além desta, uma vez que serão muitos mais os casos em outros hospitais e outras instituições. Mas impressiona também que este Estado social tão louvado ultimamente não consiga garantir um minimo de dignidade na recta final da vida daqueles que deram ao longo dela um contributo muitas vezes sofrido, para a construção do que a sociedade que somos tem de bom.
Estes casos não deixam, por outro lado, de nos fazer pensar no crepusculo de outro dever, o dever de solidariedade e de coesão familiar, a profunda crise, afinal, do valor da responsabilidade individual. Muitos daqueles idosos têm famílias. Algumas não terão condições de acolhimento sem sacrifício da sua precária felicidade. Mas outras tê-las-ão certamente. E a essas não assalta, pelos vistos, o remorso de deixar que os seus vivam na indignidade de uma vida passada num recanto de um hospital em contacto permanente com a doença, cedido pela piedade de um administrador ou pela influência de um médico.
Enferma, profundamente enferma está esta sociedade, e não se encontra nem remédio nem SNS que lhe valha.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O Papel do Estado na economia globalizada

(Artigo publicado no Jornal de Negócios de 14.09.10)
Não adianta discutir a globalização: ela está aí e as economias e as empresas que não entram na corrente tornam-se marginais e, a prazo, excluídas.
A chave de entrada na globalização é a competitividade, expressa na qualidade e preço dos produtos e serviços. Se é nos produtos clássicos que mais se sente a concorrência e são difíceis ganhos de produtividade, a solução é apostar na inovação: inovação expressa em novos produtos ou em acrescentar valor aos existentes.
É a forma de conseguir resultados positivos para as empresas e de criar riqueza e desenvolvimento para a sociedade. É este o papel das empresas, mas ele não pode ser conseguido sem um Estado inteligente, que deixe de ser um obstáculo, antes crie o ambiente favorável ao desenvolvimento empresarial.
Condições que o Estado actual, gigantesco, não pode satisfazer; exorbitando das suas funções essenciais, deixou de dar atenção a elas; alargando o domínio a funções acessórias, exerce-as mal, por não estar para tal vocacionado. A consequência é o insatisfatório e caro serviço público e o avolumar dos custos de contexto. Em tempo de globalização, pior se compreende esta concepção do Estado.
Assim, o Estado tem que redefinir as suas funções, limitando-se às funções soberanas e a assegurar políticas de coesão e protecção social, exercendo-as de forma óptima...

domingo, 19 de setembro de 2010

Da Ribeira até à Foz...



...num dia que criou a ilusão de que o Verão está aí para durar.

"Duzentos anos depois..."


Memória Ponte do Rio Dão

"Foi esta ponte cortada em 20 de Setembro de 1810 pela invasão do exército francez commandado por Massena foram reedificadas as suas ruínas e de novo feitas estas cortina dos lados e a estrada e calçada da parte sul mediante o paternal desvelo do excelso imperador e rei o senhor D. João VI em 1825 e gastarão se 3:898$055 anno domini MDCCCXXV."

(Nota: D. João VI não contribuiu com um único real para a reedificação das pontes. As pontes dos rios Dão e Criz foram custeadas pelo povo de Santa Comba Dão graças a impostos suplementares autorizados pelo rei. A verdade a seu dono!)


Junto à antiga ponte sobre o rio Dão, com os seus seis arcos desiguais e angulosa a meio do percurso, existe uma memória relativa ao corte efetuado aquando das invasões francesas. Desde muito pequeno, praticamente desde que sei que existo, conheço aquele monumento. Ouvi as descrições das lutas ocorridas em 1810 quando o Marechal Massena, a mando de Napoleão, invadiu Portugal. Os relatos populares inflamaram-me a imaginação que se enriquecia à medida que ia crescendo e adicionava informações sobre o sucedido. Passei inúmeras vezes na ponte e recriava os atos heroicos praticados naquele tempo. Um local de verdadeira adoração, que perdura e irá perdurar. Agora que se comemoram os duzentos anos da batalha do Buçaco, que marcou o princípio do fim do império napoleónico, é notório o realce dado a um dos períodos mais dramáticos da nossa história. As iniciativas realizadas, e a realizar, são de louvar, porque preservam a memória, e sem memória não valemos nada. A par das iniciativas de nível nacional, importa destacar outras, mais comezinhas, praticamente do foro “doméstico”, mas nem por isso menos importantes. São tradutoras dos profundos efeitos produzidos nas populações daquela época e que, curiosamente, ainda perduram na consciência coletiva de pequenas comunidades. Foi o que aconteceu este fim de semana em Santa Comba Dão. No sábado, dia 18 de setembro, decorreu no pequeno auditório municipal a apresentação de um livro sobre este período, “Santa Comba Dão na época das Invasões Francesas”, da autoria de um conterrâneo, José Morais Branquinho. Delicioso, no mínimo, a forma como descreve o que aconteceu nesta localidade e a vida dos locais na altura. Durante três dias, as tropas passaram e assentaram arraiais nesta localidade. Cometeram atrocidades, mataram pessoas, cujos nomes e causa de morte – forão mortos pelos francezes – estão descritos nos registos paroquiais. O evento ocorrido na ponte sobre o rio Dão, designado por “Combate de Santa Comba Dão”, está documentado. O Brigadeiro Diniz Pack, com a 1ª Brigada Portugeza composta pelos regimentos de Infantaria nº 1 e 16 e Caçadores nº4, respetivamente comandados pelo tenente-coronel Noell Hill, major Armstrong e Visconde de Luís Rêgo Barreto, destruíram a ponte travando o avanço dos inimigos. Estacionados em Santa Comba Dão retiram-se para a ponte do Criz onde fizeram o mesmo. Loison, o general que não fazia prisioneiros, permaneceu nesta localidade durante dois dias. Mas, antes da passagem, já tinha feito das suas no antigo concelho do Couto de Mosteiro, hoje freguesia de Santa Comba Dão. No dia 19 de setembro de 1810, as ordenanças e a milícia popular tiveram o atrevimento de atacar os franceses, matando algumas dezenas. Loison, O Maneta, não esteve com meias medidas e, como represália, no dia seguinte, arrebanhou as pessoas que conseguiu, pendurando-as no Cabeço das Forcas. Estes acontecimentos de foro local estão bem vivos na memória dos seus habitantes. Graças a iniciativas que merecem ser dignas de registo, como aquela que hoje assisti no Couto do Mosteiro – inauguração de uma placa a comemorar a “Batalha de Couto do Mosteiro” - , senti o reacender de um período único que não pode ser esquecido. Ao mesmo tempo a memória aviva-se, continuando a projetar-se no futuro, um verdadeiro garante da nossa identidade, valores e princípios que temos a obrigação de cultivar. Não esquecer que os grandes eventos são condicionados por pequenos episódios. Aqui também os houve.

sábado, 18 de setembro de 2010

Saberes fundamentais

«Para mim, foi óptimo, Mas é claro que é bastante injusto porque os outros passam anos a esforçar-se para terem boas médias. Com o Novas Oportunidades, uma pessoa que só tem o 7.º ano pode fazer o 9.º em seis meses e a seguir, em ano e meio, consegue tirar o 12.º. Se tiver sorte, pode passar à frente [no acesso à universidade] e tirar o lugar às pessoas que fizeram esse esforço”.
Tomás Barcelos em declarações ao Expresso.

Tomás Barcelos chumbou várias vezes no ensino secundário, inscreveu-se num Centro de Novas Oportunidades em Esposende, frequentou os módulos de Saberes Fundamentais e Gestão, conseguiu a equivalência ao 12.º ano, teve 20 valores na prova específica de Inglês (não contaram as notas do secundário), entrou na Universidade de Aveiro, no curso de Tradução, e é o aluno com a nota mais elevada de entrada nas Universidades portuguesas. Vinte valores, redondos!...
No meio disto tudo, releve-se a atitude do Tomás, que considerou injusto o processo, mesmo beneficiando dele.

Cérebro e informação

Lutar contra as falsas crenças, através de informação correta e verdadeira, é um imperativo que esbarra, frequentemente, contra um cérebro “escondido” que escolhe a que deve sobreviver e mata a que não deseja.
Em indivíduos normais a obtenção da informação sofre modificações ao mesmo tempo que modula a maneira de pensar. Se este fenómeno de influência recíproca ocorrer, então, é muito provável que se possa evitar manipulações do tipo propagandístico, baseadas em falsos conceitos, mentiras e deturpações. Na prática, no dia-a-dia, não é isso que verificamos. Informações corretas, verdadeiras e úteis não são assimiláveis, são filtradas, são bloqueadas, são deturpadas, são alteradas de forma a não beliscar o cérebro da pessoa. Uma recusa muitas vezes inconsciente. Como explicar que as mentiras nazis tivessem entrado no cérebro de muitos alemães? O mesmo se pode dizer do estalinismo e de muitas outras ditaduras baseadas na propaganda. Mas não é só no campo político, o campo religioso também é dado a estes comportamentos, como o desportivo e até o médico. Crendices de todo o género são um tormento com consequências terríveis a todos os níveis.
São poucas as pessoas que, face a novas informações corretas e de qualidade indiscutível, mudam a forma de pensar.
Um falso conceito predomina na população. Prova-se até à exaustão que o mesmo é errado. Apresentam-se provas irrefutáveis do mesmo, mas na prática recusam aceitá-las e persistem no erro, no preconceito e no mau juízo.
O cérebro humano é muito esquisito. Algumas pessoas têm um cérebro desprovido de plasticidade, rígido até dizer basta, incapaz de ser moldado pela informação que lhes chega a toda a hora, mesmo a mais correta. Não há nada ou muito pouco a fazer. Socorrendo-me de Vedantam, autor de The Hidden Brain (Cérebro Escondido), é como se o cérebro de uns fosse uma espécie de savana e de outros como a região ártica. Se a informação for um “leão” adapta-se naturalmente ao “cérebro da savana” mas não sobrevive no “cérebro ártico”. Se a informação for do tipo “urso polar” observa-se o oposto. Esta forma de reagir, inconsciente, determina muitos comportamentos e problemas, alguns dos quais afligem-nos neste momento. A maioria dos cérebros dos políticos dos diferentes quadrantes funcionam sem a adequada plasticidade à informação correta e verdadeira. Distorcem-na, bloqueiam-na, adulteram-na e sabe-se lá que mais. Uma mente dotada de plasticidade é aquela que, embora possa perfilhar uma determinada ideologia como fio condutor da forma de estar e ser na vida, sabe aceitar uma informação correta e verdadeira venha ela donde vier, acabando por modificar a sua opinião e forma de pensar. Enquanto os responsáveis, e o cidadão comum, não adotarem esta forma de ser, não é previsível grandes soluções, antes pelo contrário, iremos observar uma radicalização e extremismos que não são aconselháveis, para falar apenas do “cérebro escondido”, porque o outro, o consciente, esse já é de outro domínio, do caráter, da honestidade e dos princípios...

Que falta faz a educação...

Senti-me envergonhada. Perguntei-me como é que ainda é possível que se autorize a prestação de um serviço público naquelas condições. Mas quem será que permite este estado de coisas, pensei cá para mim. Mas quem é o alguém? Provavelmente uma mão de “alguéns” que mandam em tudo e não mandam em nada.
Dirijo-me à praça de táxis com a pressa que a hora marcada de uma reunião me impõe para não chegar atrasada. Olho, como já tenho o hábito, para ver se o carro me inspira o conforto necessário de um dia de calor a pedir um pouco de recolhimento no fresco do ar condicionado. Na praça, um táxi e o seu motorista esperam pela próxima vítima. Vítima, sim. Já vou contar…
Ainda espero uns minutos, na esperança de chegarem mais um táxi e mais um cliente para apanhar o táxi que aguardava em primeiro lugar a vez de fazer o serviço. Com sorte, iria num carro mais moderno. Mas nada, nem táxi nem cliente. Olho para o relógio e acto imediato tomo a decisão de não esperar mais.
Pergunto ao motorista, um homem que dava pelos seus 60 anos, se “está livre?”. Claro que estava. Entro e indico a morada de destino.
Já dentro do carro, o motorista liga a telefonia bem alto, impedindo qualquer outra coisa que não fosse aguentar a vibração de gritos e apitos vindos de um aparelho tão velho como o carro, para lá de 20 ou 25 anos, seguramente. Lembrei-me daqueles condutores que de vez em quando atravessam as ruas de Lisboa a alta velocidade com a telefonia aos berros para toda a gente perceber que são gente, têm carro e telefonia.
Não bastando o batuque insuportável, as quatro janelas ficaram bem abertas, fazendo deslocar o ar abafado de um lado para o outro, mais parecendo um tornado. Fiquei com a cabeça feita num ninho!
O cheiro entranhado a transpiração acumulada assentava que nem uma luva naquele ambiente a rasar o inconcebível nos tempos que correm.
Mas há mais. O motorista, num traje absolutamente impróprio para quem presta um serviço público com um mínimo de dignidade e qualidade, seguia com os pés pregados nos pedais bem a fundo, alternadamente, ora no acelerador ora no travão, conduzindo o carro e o cliente num verdadeiro sobressalto. Não houve sinal laranja que não o desafiasse. Senti uma má disposição terrível, que nem o ar em turbilhão dentro do carro foi capaz de me ajudar.
Ainda puxei do telemóvel, claro que a fingir porque naquela loucura não seria possível falar fosse o que fosse, mas em vão. O motorista ficou absolutamente insensível ao gesto, não tendo qualquer intenção de ver interrompido o seu ambiente de trabalho.
Ao descer a Praça da Alegria olhei, inconscientemente, à minha direita para ver a esquadra da polícia, talvez pensando que o caso merecia um tratamento especial. Mas não chegou a fazer caminho essa ideia, é que tive tempo para ler o aviso que dava conta que a esquadra tinha encerrado.
Estive para fazer o que há muitos anos fiz, quando me dei conta que o motorista conduzia bêbado. Ordenei que parasse o carro no meio da Avenida da Liberdade e saí, sem ter tempo para pagar porque a coisa inverteu-se e acabei expulsa do táxi no meio de um furacão de palavrões que não seria capaz de repetir.
Como em todas as actividades e profissões há gente boa e gente má, competente e incompetente. Os taxistas não são, naturalmente, excepção. Mas incomoda vermos que continuamos a ter portugueses que não aprenderam nada ao longo das últimas décadas, porque não quiseram ou porque ninguém se lembrou de os ajudar a ser cidadãos do mundo. Negar sermos apreciados positivamente aos olhos dos outros, desconhecer o bem que é o reconhecimento, a consideração e o gosto pela atenção que os outros nos podem conceder é qualquer coisa que não deveria acontecer...

O jantar

Entrou no apartamento novo e deixou que a pesada porta de segurança se fechasse lentamente atrás de si, ficando sozinha na imensidão da sala elegante e fria, decorada com móveis que ainda não reconhecia nas memórias da sua vida.
Atirou ao acaso as sandálias de salto alto e pisou com volúpia a carpete sedosa, sentindo finalmente a lassidão invadi-la. A mesa, num recanto, estava posta com o detalhe cuidado de quem espera um convidado, dois pratos, um pequeno arranjo de flores, os candelabros de cristal que apenas se notavam na sua transparência límpida e discreta. E os copos, claro, altos e finos, bem alinhados, impacientes pelo néctar precioso a gargalhar na celebração, finalmente, finalmente, do sucesso da sua pequena empresa depois de tanta luta e tanta ambição.
Passou pelo espelho sem resistir a uma olhadela furtiva, de pura confirmação da sua beleza já madura. Apenas perceptíveis na maquilhagem as marcas do dia intenso, um pouco vincados os cantos da boca naquele traço triste que se instalara, aquele traço triste e teimoso, talvez nos olhos também, sim, nos olhos também, aonde o brilho da glória tão merecida?, era decerto o cansaço, só o cansaço, da espera infinita que agora se resolvera. Escolheu um disco da estante apenas iniciada e deixou a tocar uma música suave.
Tirou a garrafa do frigorífico e abriu-a com destreza, num gesto firme e súbito.
Regressou à sala fazendo dançar a roda do vestido contra as pernas, imaginando que sentia os olhos dele a percorrer-lhe o corpo, como dantes, e sentou-se à mesa. Escolheu o lugar virado para a janela ampla e para a paisagem da noite limpa de estrelas e recostou-se um pouco, forçando um sorriso enquanto servia o vinho nos dois copos, na mesma medida generosa. Ergueu o seu, em brinde, tocando levemente no outro copo quieto, e sorveu um gole devagar, saboreando, à procura da alegria que sentira nessa tarde, quando festejava com o seu grupo na empresa.
Num tom neutro, falou então para o lugar vazio.
- Tu nunca acreditaste que eu era capaz, diz lá, tu nunca acreditaste. Mas vê, aqui estou, celebra comigo, vá lá, ao menos celebra comigo, a minha vitória podia também ser a tua, desejei tanto que me acompanhasses, que quisesses estar comigo, não pedi mais, não te pedi demais, apenas que ficasses. Mas continuei, assim mesmo, talvez depois voltasses, talvez quando o reconhecimento chegasse, a casa nova, uma vida desafogada, talvez então sentisse o teu orgulho em mim, queria tanto que tivesses vaidade em mim. Tchim, tchim, ao meu êxito!
Pousou o copo e tirou do dedo o anel que nesse dia oferecera a si própria, deixando-o abandonado na mesa.
Enroscou-se a um canto do sofá largo e confortável e a música embalou-lhe o fio manso de lágrimas livres até adormecer profundamente, amarrotada no seu vestido de festa.