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sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Passeio à arqueologia industrial - Minas de S. Domingos


A abóbada celeste é uma esfera oca, de raio imenso, que parece limitar o espaço. Esta definição, que aprendi na escola, ocorreu-me há pouco enquanto observava a miríade de constelações que se podem observar neste límpido céu de Verão no Baixo Alentejo, mais precisamente em Minas de S. Domingos, onde o Hotel tem um surpreendente observatório astronómico e se observa o céu noturno em todo o seu esplendor.
Minas de S. Domingos, no concelho de Mértola, bem na raia espanhola, é uma visita inesquecível à arqueologia industrial e também à história de uma povoação que nasceu e cresceu por causa da mina e que com o abandono da mina definhou e morreu. Hoje vivem aqui apenas umas centenas de pessoas e da aldeia mineira sobram as ruínas da actividade que aqui se desenvolveu durante pouco mais de 100 anos, desde 1854. Já os romanos aqui tinham vindo à exploração do filão de cobre, ouro e prata, um “chapéu de ferro” que cobria a pirite, mas foi uma empresa inglesa, Mason and Barry, que deu início a nova exploração no séc. XIX. Aqui, do nada se construiu uma aldeia inteira, incluindo a igreja. As casinhas brancas, minúsculas, onde viviam famílias numerosas, alinham-se em várias filas, entre ruas muito estreitas, como comboios compridos, todas iguais só com uma porta e o respectivo postigo e uma chaminé. A aldeia mineira funcionava como um território isolado do resto do País porque continha todas as infraestruturas necessárias à autonomia da exploração, uma central eléctrica que também iluminou as casas antes de qualquer outra aldeia, telefones, posto médico, três enormes edifícios para escolas (os 10 alunos actuais levaram ao encerramento), cine teatro, campo desportivo, oficinas de tudo o que era preciso para alimentar, vestir e calçar os quase 15 000 habitantes desta região para além, claro, de toda a estrutura para o trabalho de extração e tratamento do minério.
Os ingleses construiram também aqui o seu pequeno mundo isolado.A sede da empresa, ou “palácio”, hoje convertido num pequeno mas encantador hotel, de linhas sóbrias e elegantes, rodeada de arvoredo, relvados e jardins, um pequeno oásis verde e tranquilo no meio do bulício da aldeia da época e do pó da terra vermelha, esventrada a céu aberto pela escavação do minério. Foi construido um caminho de ferro até ao Pomarão, na confluência do Guadiana com o Chança, porto de embarque do minério para transporte directo para Inglaterra.Também aí estão, enferrujadas, a destoar da beleza natural da paisagem, muitas das engrenagens usadas para o embarque.
Vale bem a pena uma visita guiada às ruínas mineiras, a ouvir não só a decifração de cada um dos vestígios e da actividade mineira mas também as histórias que ainda contam de viva voz protagonistas daqueles tempos de trabalho durissimo a que se seguiu a fome, o abandono e por fim o êxodo da população.
É nos meandros do caminho que conduz até este extremo, entre curvas e lombas dos montes, que se encontra o desvio para o Pulo do Lobo, em pleno Parque Nacional do Vale do Guadiana,uma garganta funda que aperta de súbito o leito do rio num nó tão estreito que a água se revolta e ruge violenta até se libertar do jugo, fazendo ecoar o seu grito no silêncio das serranias mansas e desertas em que se esconde. E, claro, é obrigatória uma visita demorada a Mértola e a Serpa, que não ficam nada a dever ao que há de mais bonito em Portugal. Para não falar na gastronomia...!

6 comentários:

Bartolomeu disse...

Belíssima descrição de um passeio, carregado de história, cara Drª. Suzana!
O Pulo do Lobo impressionou-me. Visitei esse local, indo pelo acesso da margem esquerda e, antes de descer até ao leito rochoso do rio, detive-me extasiado pela magnificência de toda a paisagem circundante. O silêncio, o espaço, a luminosidade, são grandiosos. Depois, em baixo, no meio dos rochedos que foram o leito do rio, novamente a sensação de pequenez que as coisas grandes nos fazem sentir, acompanhada de uma outra que nos faz duvidar, se estamos realmente acordados.

SLGS disse...

Muito boa descrição de um interessante passeio pelas terras Baixo- Alentejanas (O Alentejo profundo).
Pena a DªSuzana não ter mencionado a praia fluvial da Mina de S.Domingos, que completa e bem o oásis que refere.
Tenho uma interessante foto, desculpem a imodéstia, do Pulo do Lobo, que só não remeto porque não o sei e creio que não posso, fazer.

Suzana Toscano disse...

Caro Bartolomeu, essa parte é lindissima mas as ruinas da "paisagem" industrial,verdadeiro museu abandonado ao ar livre, impressionou-me imenso, a desolação, os sinais ainda muito visíveis de uma actividade frenética à volta da extracção e tratamento do minério, nunca tinha visto nada parecido.
Sim, caro SLGS, tem toda a razão, devia ter falado na Praia Fluvial, mesmo ao lado do hotel, uma beleza aqueles braços de rio que formam a albufeira mandada fazer para enquadrar a zona "inglesa". Mas ainda hoje de manhã fomos à Achada do Gamo, uma zona da fábrica onde se fazia a trituração e a lixiviação do minério, parece que estamos num planeta depois de uma catástrofe que matou tudo para sempre, é um belo terrível. Há muito para ver, belezas naturais incluidas onde se abrigam espécies de aves em extinção noutros lugares e que ali, naquela quietude, encontrararam abrigo, a natureza é sempre surpreendente.

Pinho Cardão disse...

O Pulo do Lobo deu uma das mais notáveis frase de Cavaco Silva. Deveria passar a chamar-se Pulo do Cavaco.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
Este seu passeio ilustra bem que vale a pena investir no turismo regional, tirando partido não apenas das belezas que a natureza generosa tem para nos oferecer, mas também fazendo reviver as histórias das regiões.
Continuação de bom passeio!

just-in-time disse...

As Minas de S. Domingos são muito impressionantes, mas julgo que não terão sido muito diferentes do ambiente industrial português prevalecente até 1960.
Há poucos meses tive oportunidade de visitar o Museu da Indústia Cimenteira em Maceira-Liz, próximo de Leiria.
Num filme mudo de 1932, a lembrar os filmes do Charlot, pude ver o arranque da fábrica sob a égide do empresário Sommer Ribeiro e do Director Técnico Eng. Rocha e Mello e a já então preocupação de aumentar a produtividade.
Tive também a oportunidade de ver o bairro operário, o posto médico e o balneário, onde as crianças iam tomar o seu banho semanal, grande novidade para a época.
Vi, ainda, o grande entusiasmo com que os guias do museu, antigos reformados da fábrica, falavam de tudo isto.
Finalmente, cruzei-me com o pequeno grupo de jovens que actualmente conduz as operações fabris, totalmente automatizadas.
Tudo realmente impressionante!