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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Os sonhos desfeitos


Ouvimos falar da “bolha imobiliária” mas ela quase desapareceu no rol daqueles factores abstractos associados a engenharias financeiras que conduziram o mundo ocidental à grave situação de que ninguém sabe ao certo como sair. Mas o artigo publicado esta semana no “El País semanal”, intitulado “Aquí vivo solo” leva-nos a conhecer a incrível realidade dos factos. Milhares de casa vazias em bairros semi construídos, destinados a outros tantos milhares de pessoas que só existiam nos planos dos construtores e de quem autorizou as urbanizações. Os números da loucura interrompida são impressionantes: 565.000 casas prontas à venda, 290.000 em construção, 360.000 com as obras paradas, em projecto 1.073.670 e terreno urbanizado preparado para 1.342.435. Os nossos vizinhos espanhóis teriam casas novas para mais de 3,5 milhões de compradores.
O pior é que não foi só um problema de paisagem lunar, uma espécie de filme do impossível, o que é impressionante é vermos a vida a que ficaram condenadas muitas famílias, sobretudo casais jovens, que empataram as suas vidas com créditos para se verem agora no meio do nada e sem solução possível a não ser abandonar tudo e começar de novo, mais pobres. Urbanizações projectadas para 30.000 pessoas ocupadas por pouco mais de mil. Um prédio semi habitado entre dezenas e dezenas por acabar ou impossível de vender, toda a organização que suportaria a vida normal de uma enorme concentração de gente ficou suspensa, transportes, o resto das infraestruturas, escolas, tv cabo, recolha do lixo, tudo o que damos como garantido quando compramos uma casa novinha em folha num bairro anunciado como um oásis perto do centro. Um deles até tem campo de golfe, as vivendas por acabar parecem esventradas e no meio delas a única que tem sinal de vida, habitada por um casal que teve o azar de decidir pouco antes do desabar de tanto delírio. Em breve aquelas cidades fantasma deixarão de ser uma prova fresca do sonho que se vivia para passarem a memória de um pesadelo, a prova provada da loucura colectiva que, em poucos anos, arruinou países e vidas sem precisarem de outra catástrofe que não a das ilusões de uns e a ganância de outros.

5 comentários:

Bartolomeu disse...

Em Portugal, este problema tem uma solução simples e eficaz, cara Drª. Suzana.
As entidades bancarias, considerarem liquidadas todas as dívidas para aquisição de casa própria, daqueles agregados familiares hipotecados, que não possuão mais nenhuma habitação e cujo valor liquidado já tenha prefeito o capital emprestado e que um dos elementos, ou ambos, se encontrem desempregados, ou aufiram de rendimentos muito baixos.
Utópico?!
Será, mas... mais cedo ou mais tarde é este o cen´´ario possível, ou então a execução das hipotecas e a venda dos imóveis em leilão, pelo valor do capital em dívida, neste caso, sem juros.
Afinal, queremos um país justo e equilibrado e permite-se que entidades bancárias assaltem de forma despudorada os incumpridores?
Não pode ser, se queremos avançar e compor aquilo que está mal, é necessário, reduzir os prejuizos de ambas as partes e abandonar os modelos que, apesar de apoiados na lei, fogem por completo à realidade social e economica do país e dos cidadãos.

Oscar Maximo disse...

É guardar bem o texto, pois com a grande crise energética e alimentar que se aproxima, vão ser precisas muitas fotocópias.

Anónimo disse...

Impressiona pela dimensão do fenómeno. Mas também pela dimensão das colossais fortunas que gerou a par da destruição das bases racionais da economia.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Pois é, Suzana, são estes colossos imobiliários que provam bem o estado de alavancagem financeira a que se chegou. Um fenómeno totalmente desencontrado da economia, apostado no endividamento em nome do desenvolvimento e da promessa de bem-estar e qualidade de vida.
É a parte vem visível da crise económica e social. Pelo meio, foram construídos impérios financeiros e destruídos sonhos virados pesadelos.

José Soromenho-Ramos disse...

O mundo industrializado está doente de húbris e do seu contrário. Vivia nos US quando foi politicamente decidido que teriam que ser feitos empréstimos para compra de casa, mesmo às famílias manifestamente sem capacidade de os pagar. Esses empréstimos foram misturados em pacotes e vendidos nos mercados. Era só uma questão de tempo até se tornarem “tóxicos” e contagiosos, despoletando uma crise financeira que se tornou económica.
Essa crise chegou por caminhos tresmalhados até ao interior de Portugal, na região da minha “gaiola” temporária há prédios e mais prédios vazios, construídos para uma população que partiu e já não volta para comprar uma casa de férias, para jovens que ficaram mas ainda não as podem pagar. Construtores e outras empresas faliram e as que sobrevivem empregam mal. Nem tudo é mau, há pólos de excelência e de esperança, mas são ainda poucos e levarão tempo a frutificar.