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quarta-feira, 22 de junho de 2011

Dobragem

Há muito tempo que não estava com uns amigos. Calhou encontrá-los um dia destes, e, como é habitual, cada um dá o seu mote para a conversa. Na sequência do novo acordo ortográfico, que está em vigor - admira-me que o “vigor” dos opositores se tenha esmorecido, pelo menos aparentemente -, o literato, ensaísta, tradutor, escritor, cinéfilo, em suma, homem de farta e larga cultura, “descambou” para a dobragem. Fiquei de olho aberto e ouvido atento, porque a simples palavra dobragem teve vários efeitos obrigando-me a viajar no tempo e no espaço. Ainda o meu amigo não tinha começado a dissertar já eu navegava com prazer noutras paragens, mas tive de assentar a imaginação aguardando o que ele queria transmitir. Inicialmente falou da necessidade da dobragem porque tal atividade constituiria uma forma de dar trabalho e reduzir a subsídio dependência. Depois de auscultar as nossas reações faciais, passou a dizer que o facto de não se ler as legendas permite apreciar melhor as mensagens dos filmes. E a malta calada, cada um a fazer o seu juízo. O meu era contra as dobragens. Os argumentos iam-lhe saindo, dizendo que quanto mais programas forem em português maiores serão as audiências, razão do sucesso inicial de um canal privado de televisão aquando do seu nascimento. E a malta calada, a ouvir, sem legendas, claro. Os argumentos a favor multiplicavam-se, chegando, inclusive, a contar uma história pessoal. Um realizador italiano, que viu o filme “Non, ou a Vã Glória de Mandar” dobrado em italiano, considerou-o como uma bela peça cómica! Aqui está, disse ele, como se transforma uma peça histórica e séria, sem grande interesse, numa obra de qualidade, bastou dobrá-la. Ri-me, a pensar que se fosse assim mais valia dobrar alguns dos nossos políticos, que passariam, automaticamente, de atores trágicos a atores cómicos, uma mera questão de idioma. Mas não ficou por aqui, segundo ele, alguns filmes dobrados ficam muito melhores e quem nunca escutou a voz original não pode ter saudades. Como já eram argumentos a mais a favor da dobragem, o que não seria difícil de perceber pelas nossas caras, terminou dizendo que, caso houvesse alguma posição contra, sempre se poderia fazer como em Espanha, uma parte das cópias era dobrada e a outra não, sendo a original apresentada depois da meia-noite e com a possibilidade de ser sincronizada com a rádio, encarregada de transmitir o som em espanhol. A seguir, três amigos manifestaram-se, afirmando, em primeiro lugar, a sua condição de cinéfilos. Coisa que eu também ambicionei em novo, mas não consegui, devido à minha dificuldade em decorar nomes e, diga-se de passagem, estava completamente a borrifar-me para isso, o que eu queria era divertir-me. Levar-me-ia demasiado tempo, e muitas linhas, a escrever o que ouvi, mas um deles afirmou que assim se perdia a sonoridade original, que faz parte da encenação, e citou muitos, mas muitos, artistas definindo as características de cada um e de cada uma, até falou da Silvana Mangano! Na réplica acabou por ser informado de que a Silvana tinha voz de cana rachada e, por isso, era uma desconhecida que lhe dava a voz, porque quanto ao corpo não precisava de substituta.! O cinéfilo, número dois, teve de “engolir” a Mangano, a da voz de cana rachada. Sorri com satisfação. Mas há gente meia tola, não é que este amigo chegou a ver um filme vinte e duas vezes, o “Apocalipse Now”? Arrepiei-me todo. E não viu mais vezes porque a última versão incomodou-o muito. No momento em que Marlon Brando sussurra em inglês, “Horror! Horror!, em italiano foi muito diferente: “Hóórróre! Hóórróre! Não aguentou. Foi o seu principal argumento contra a dobragem, mas foi-lhe muito útil, na minha opinião, senão, hoje, estaria na nonagésima visualização.
A primeira vez que saí para o centro da Europa foi para Lugano, cantão italiano. Abri a televisão e deparei-me com um filme de índios e cowboys aos tiros e aos gritos, mas em italiano. Foi um choque para mim. Lembro-me à hora de jantar de comentar com os meus colegas sobre tão inusitada estreia. Para mim, índios e cowboys não podiam falar italiano, apesar de muitos dos westerns serem feitos em Itália. A minha infância está cheia de outros filmes, dobrados, como, por exemplo, o Rin-Tim-Tim, em que se falava brasileiro, e os filmes de Walt Disney, que também usavam o português da outra banda. Acabei por descobrir que eram segundas vozes porque os movimentos da boca não coincidiam com o que diziam, o que me irritava, e muito. Comecei a preferir os filmes legendados,
Antes de terminar a discussão, o meu amigo, literato, ensaísta, tradutor, escritor, cinéfilo, voltou à carga, deixando no ar a solução espanhola, sem que antes deixasse de comentar Jorge Luís Borges que, no seu texto, “Sobre a Dobragem”, explicou as razões da sua oposição visceral a esta “prática usurpadora de vozes”, capaz de destruir a cena de Eisenstein quando Alexander Nevsky, perante o exército dos teutões, com a superfície do lago gelado a separá-los, lhes chama: “cães alemães”, em russo, naturalmente. A beleza da cena está na frase em russo. Citou-a sem que eu a entendesse, mas, mesmo assim, “senti” o seu simbolismo.
E agora? Agora termino com uma legenda, mas sem imagens. À vossa saúde e um bom feriado...

3 comentários:

Pedro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bartolomeu disse...

Sim; dobrar filmes de índios e cowboys em italiano, é da mais refinada ironia.
Mas, quanto ao exercício de dobragem de alguns políticos trágicos, transformando-os automáticamente em cómicos, lembro-me de o Ricardo Araújo Pereira já o ter feito, numa rúbrica televisiva intitulada Gato Fedorento "Esmiuça os Sufrágios", por exemplo, neste programa:
http://www.youtube.com/watch?v=pRCjSKeZVoU
Agora... a questão da "dobragem", nem sempre é conseguida... é que alguns têm uma coluna ´~ao rígida e vertical... que ninguem consegue dobra-los.

Unknown disse...

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