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sábado, 25 de fevereiro de 2012

Tempo de mares revoltos

É atribuida a Margaret Thatcher a frase: “Se os meus críticos me vissem a caminhar sobre as águas do Tamisa diriam que era por não saber nadar”. As opiniões “críticas” vivem cada vez mais do imediatismo, do juízo feito em cima da imagem que passa no instante, que foca o que interessa para desencadear a polémica, está tudo muito facilitado a estes comentadores a la minute. E eles não se fazem rogados, os seus cérebros fulminantes ditam logo a opinião, a imagem ainda não saiu do ecran ou o título do jornal ainda está fresco de tinta e já as análises definitivas correm céleres nos rodapés, são quanto basta para alimentar outros tantos cérebros ávidos do momento e multiplicam-se os ditos, os comentários, as indignações ou as gritarias dissonantes, tudo numa confusão geral e tão rápida que fecha o espaço que seria necessário para se pensar um pouco. Que diabo, pode perguntar o sensato que ainda resiste àquele turbilhão, será que foi mesmo assim? Não pode ser, cogitam os lógicos e os analíticos, isto não faz sentido, duvidam e procuram atarantados um pouco de reflexão, mas não, já cresceu a onda possante de opiniões, já criou a sua corrente, os sensatos metem a viola no saco, encolhem os ombros e dizem, se "toda a gente" diz o mesmo é porque foi, os lógicos pensam quem diria, que estranho, mas a onda não gosta de obstáculos, ai de quem se lhe atravesse, a onda também se alimenta do que tenta enfrentá-la, vai tudo na barafunda. Depois, as vozearias cansam-se, encantadas com os destroços que a onda já esmorecida deixou na praia. Com sorte, envergonham-se um pouco, calados, dos seus erros de avaliação, quando baixa o ruído e é finalmente possível ouvir a voz rara dos que pararam um pouco para pensar. Mas os tempos que vivemos são propícios a mares revoltos, mais do que à serenidade inteligente dos que se dão ao trabalho de pensar.
A propósito, já viram o filme A Dama de Ferro”? É excelente, não percam.

14 comentários:

Anónimo disse...

Cara Suzana, como me revejo neste seu post... Vivemos tempos demasiado rápidos, anda-se demasiado depressa e, em geral, as pessoas estupidificaram tanto, tanto, que se esquecem de parar para pensar sendo que eu tenho dúvidas que ainda saibam sequer faze-lo. Ao fim e ao cabo talvez seja mais uma habilidade que os seres humanos estejam a perder a par de várias outras que a evolução física da humanidade nos levou a perder. Ponderação, calma, busca de dados que permitam pensar, frieza, raciocinio lógico, avaliação cuidada, análise fria e calma, enfim, tudo isso saiu de moda. Sabe, é em parte por estas coisas que gosto de África. Pelo menos na África que conheço (e ainda é alguma do Saara ao Cabo) ainda se vive calmamente...

P.S.: Já vi o filme "A Dama de Ferro" e realmente a interpretação de Meryl Streep é magistral. Quanto ao enredo não me agradou assim tanto o enfoque tão grande no estado da Senhora (não sei mesmo se não terá sido exagerado...) nos seus últimos anos. E parece-me que falta ali alguma maior ênfase nos bons resultados das suas opções.

Tavares Moreira disse...

Cara Suzana,

Por curiosa coincidência vi ontem à noite a "Dama de Ferro" e confesso-lhe que fiquei totalmente rendido à qualidade da interpretação da Meryl Streep! Não consigo encontrar palavras que exprimam com fidelidade a minha opinião sobre essa interpretação: direi tão somente que melhor não me parece de todo possível...e igual será quase impossível...
Quanto ao teor do seu Post subscrevo-o fervorosamente, a extrema vulgarização da crítica e sobretudo a sua inconsistência intertemporal são hoje valores seguros, que caracterizam a deriva da sociedade, estando com ela em relação dupla de causa e efeito...

Rui Fonseca disse...

Vi o filme há dias. Vale, sobretudo, pela excepcional interpretação de Meryl Streep.

De resto o realizador centra excessivamente o guião na fase de demência de Thatcher. Na minha perspectiva, não é um filme sobre o thatcherismo nem sobre o carácter, como muitos consideram.

É, essencialmente, um filme sobre a fragilidade da condição humana.

Quanto à citação de Thatcher que refere, é curiosa sem dúvida mas não me parece que acerte em cheio nos seus adversários. Até porque o tema é anedótico: a travessia do Jordão por cima do caminho de pedras.

Se Thatcher pretendia criticar aqueles que julgam pelas aparências não lhe daria a eles a possibilidade de imaginar uma capacidade sobre humana. Porque isso seria um motivo de admiração, de aplauso, de realizar aquilo que para qualquer outro seria impossível, soubesse nadar ou não.

A resposta mais coerente com a crítica que queria fazer a quem julga pelas aparências e pretende retirar dividendos do imediatismo, do sensacionalismo, da demagogia teria respondido com a anedota: " Se os meus críticos me vissem a caminhar sobre as águas do Tamisa diriam que estava a utilizar o caminho das pedras"

Admita que via Thatcher a caminhar sobre as águas do Tamisa. Admita que é crítica dela mas é objectiva na sua apreciação. Diria que ela, por não saber nadar, o que acontece com muita gente ilustre, tinha escolhido um meio alternativo, original e inexplicável, e aplaudi-a, não?

Crítico mesmo, sem olhar a honestidade de qualquer espécie, diria que ela tinha recorrido ao caminho das pedras.

Suzana Toscano disse...

Caro Zuricher, o problema é exactamente o de levar a pensar que já não há quem pense, fica tudo reduzido ao comentário imediato, à marcação em cima da hora, com a aparencia definitiva de quem não admite quaisquer dúvidas para além do que ali está. Quando vejo um comentador de serviço usar palavras como “óbvio”, “nunca mais”, “ruína” e “ireeversível” fico logo esclarecida. O que é curioso é que, quando essas certezas se evaporam, em vez de cederem à realidade inventam ainda mais argumentos para justificar o que disseram, tornando impossível descortinar a realidade. Quando entramos num mundo diferente, como África, sente-se logo a dificuldade em adaptarmo-nos ao ritmo, é um exercicio saudável de confronto com a nossa própria alienação.
Quanto ao filme, creio que a ideia não era a avaliação política mas precisamente a solidão de quem decide e muitas vezes a incompreensão. Também a exigência de ver para além do que é conveniente, baseada na força das convicções. O que impressiona é a coragem dela, a firmeza de seguir aquilo em que acreditava e que era tão forte que, mesmo velhinha, quase “demente” na nossa avaliação singela, a mesma solidão e o mesmo orgulho em manter o seu espaço e o seu olhar sobre mundo. A “demência” é um pouco nossa, teimando em impor-lhe um formato que ela nunca aceitou, por isso vivia no seu próprio casulo, buscando força na memória e olhando com espanto quem se agitava para cuidar dela como se ela tivesse perdido a identidade.

Suzana Toscano disse...

caro Tavares Moreira, realmente a interpretação chega a ser irreal, como é possível alguém vestir assim uma pele que não é a sua?
O que é incrível é que essa inconsistência temporal se acentua às medida que as pessoas exigem mais certezas e mais segurança nas decisões, parece que se demitem de pensar e confiam em que outros pensem por eles...mas insistindo em ser ouvidos.
caro Rui Fonseca, discordo de si, não é sobre a fragilidade humana mas sim sobre a firmeza, a consistência de quem tem caracter, não há demência nenhuma que o esconda, os traços essenciais daquela personalidade ficam totalmente expostos quando ela deixa de conseguir decidir por si, vê-se ali a mesma rebelião e o mesmo sentido critico em relação aos outros. Eu acho que o filme mostra que não há demência nenhuma naquela aparência meia tonta,nós é que não lhe desculpamos a fragilidade.
Já agora, também discordo do resto :)não se trata de julgar pelas aparências mas sim de ignorar, de recusar contra todas as evidências. "Andar sobre as águas do Tamisa" é uma proeza metafórica mas os criticos não querem ver a proeza mas sim "descobrir" a fraqueza que ela pode esconder e é nisso que se fixam e procuram divulgar. É a atitude destrutiva, que recusa qualquer elogio.Podemos dizer que é a oposição cega, insensata, que inventa contra o que vê para "provar" a sua tese de insuficiência daquela pessoa.
Se eu fosse crítica de alguém e quisesse, como sempre tento, ser objectiva,diria que ela fez uma coisa de que poucos são capazes e admirá-la-ia por isso,ficando à espera que não fosse um embuste. Mas não lhe recusaria a admiração. Se fosse adversária, ia tentar aprender a andar sobre as águas, para não lhe ficar atrás,uma vez que saber nadar está ao alcance de qualquer um. É um erro enorme desvalorizar as proezas dos que criticamos, corremos o risco de cairmos nós no descrédito. Por isso nós sentimos, ao ler a frase, que ela ridiculariza os críticos que assim procediam, desprezava-os por não serem capazes de se colocar ao nível dela mas apenas de a tentar levar ao nível deles.

Rui Fonseca disse...

Não vimos o mesmo filme ou não o vimos do mesmo modo.

O que eu referi, e volto apenas para explicitar melhor o meu ponto de vista, foi a centralidade do guião na fase da demência de Thatcher. Isso é inquestionável porque quase todos os os flashback partem daquela situação onde o descontrolo mental é repetido tantas vezes que não podem deixar de nos obrigar a interrogar: Por quê? Para quê?

O realizador poderia, se fosse essa a sua intenção, filmar o carácter de Thatcher, o seu temperamento, a sua determinação, e não lhe faltaria material. Poderia, se quisesse, criticar ou defender o thatcherismo, ou uma coisa e outra, mas faria outro filme.

Em nenhum destes casos necessitava de centrar a acção numa altura em que Thatcher, como qualquer ser humano, acaba destruído pelo tempo.

Não, Cara Susano Toscano. Para mim, o realizador pretendeu mostrar a fragilidade da condição humana. Vejam: O que ela foi e o que ele é.

É um filme cruel.

Nenhum filme, nenhum quadro, nenhuma obra de arte, nenhum livro,
realça a grandeza de um personagem confrontando-a tão insistentemente com a sua inevitável degradação física final. Conhece alguma? Eu não conheço.

Anónimo disse...

Interessante esta muito agradavel troca de impressões sobre o filme. Ao ler os comentários subsequentes da Suzana e do Rui veio-me à memória uma pergunta; o que seria aquele filme sem a magistral interpretação de Meryl Streep? Tornar-se-ia um insulto à Senhora Thatcher? E veio-me esta questão ao espírito por lembrar-me dum filme, também sobre as mulheres Britânicas, um enredo claramente feito para ridicularizar a Coroa mas do qual sai um filme espantoso e sem qualquer menosprezo para a Rainha precisamente por causa da actriz que lhe deu corpo. Refiro-me ao filme "The Queen", de Stephen Frears e à actriz Helen Mirren que com uma interpretação fabulosa deu completamente a volta a um enredo, quando muito, sofrivel para a Coroa Britânica.

Suzana Toscano disse...

Caro Rui Fonseca, é natural que cada pessoa veja um filme a seu modo e também acho muito interessante confrontar esses pontos de vista, faz parte do gosto em ir ver um filme, ou ler um livro.Podemos ver a demência, como diz, mas o que eu vi, e me emocionou, foi o retrato firme de um carácter que subsiste para além de toda a debilidade da velhice. De certo modo, o filme reabilita aquiloa que chamamos demência, obriga-nos a olhar do ponto de vista do velho, nós "sentimos" a perplexidade dela quando não lhe reconhecem a realidade da companhia do marido, os seus diálogos, as suas memórias. A vida nãoé compartimentada, como costumamos encará-la, não acaba enquanto nãomorremos,apenas ganha contornos diferentes, a essência da pessoa continua ali, a merecer o nosso respeito e a nossa admiração. Aos meus olhos, apresentá-la assim engrandeceu todos os que, parecendo dementes aos nossos olhos, são tratados com indignidade e compaixão quando, afinal, merecem que os deixemos viver com as alucinações e os hábitos que os alimentam, no rescaldo da vida. Foi uma grande mulher e, mesmo já sem a adesão à vida dos outros, continuou a viver a sua vida tal como sempre a definiu. Não é um filme cruel, é um filme doce, se o compreendermos, e apaziguador em relação aos nossos temores, afinal mesmo na velhice podemos habitar o nosso próprio mundo.
Caro zuricher, era realmente um risco enorme, só alguém que sentisse e respeitasse aquela personagem poderia manter-lhe a grandeza.Uma fronteira muito fininha que MS conseguiu respeitar com génio na interpretação. e com alma, sobretudo.Também vi esse filme The Queen e concordo consigo,embora não seja um filme que me tenha ficado na memória, como este de certeza vai ficar, podia vê-lo várias vezes.

Suzana Toscano disse...

Caro Rui Fonseca, só mais uma coisa, eu disse que é um filme doce, mas não é, é um filme duro. Mostra como a Dama de Ferro trava a sua luta final, contra a saída do mundo e o fim das suas referências que ela nota, uma a uma, o diálogo com o médico é extraordinario, ou a teima em ir comprar o leite e estranhar o preço.Quando finalmente desiste de "manter" o marido com ela fá-lo porque percebe que isso agrava as suspeitas dos outros sobre a sua sanidade mental. E fica completamente só, sentada no sofá, como se se preparasse para resistir sozinha, uma vez mais, a última.

Rui Fonseca disse...

Desculpe-me a insistência mas não me parece que os pormenores que refere contraponham aquilo que afirmei.

Todos sabemos que na demência por velhice (ou Alzheimer?), chamo-lhe assim porque não sou médico nem de médico tenho pretensões de ter um pouco, há intervalos de lucidez.

Viu, certamente, "Driving Miss Daisy", recorda-se a cena final com Hoke, o motorista, a dar-lhe comida na boca depois de ter rejeitado a presença do filho?

Pois a cena na loja, a preocupação com o preço, é comum às pessoas que não nasceram ricas e se habituaram a contar os tostões. É uma cena interessante mas é muito vulgar, particularmente nas pessoas
de certa idade que não nasceram de pais ricos.

Quanto à cena do médico: Não vejo nela, desculpe mais uma vez, uma marca assim tão vincada de um carácter invulgar. É normal os velhos ( e não só os velhos) rejeitarem a condição de doentes sobretudo se a doença não os apoquenta físicamente.

Daí a resposta de Thatcher: Atenda lá esse porque eu (porque não estou doente) posso esperar.

É divertido? Eu achei que sim. Mas a personalidade de Thatcher, admire-se ou não a senhora, não se enquadra nestes detalhes.

Porque são demasiadamente comuns.

E ela, para bem ou para o mal, ou para o bem e para o mal, cada um que escolha, foi uma mulher fora do comum.

Suzana Toscano disse...

Bem, caro Rui Fonseca, eu não pretendo "convertê-lo" à minha interpretação do filme :) mas lá terei que discordar mais uma vez.O filme confronta-nos precisamente com o nosso conceito de demência, com a necessidade que temos de desclassificar aqueles que, por terem referências muito diferentes das nossas, não reagem de acordo com o que consideramos "lucidez". No filme, ela luta desesperadamente por manter as referências daquilo em que acredita, luta pela sua autonomia epela sua independência, não desiste de confrontar as pessoas com os seus pontos de vista mas as pessoas não a compreendem, protegem-na e tentam impor-lhe comportamentos que, manifestamente, são desajustados ao que aquela mulher foi. A ida às compras dá uma imagem perfeita de como o mundo mudou sem ela dar por isso, sem ser ela a comandar, e ela indigna-se com o preço, como velha combatente, mas vê que já não pode nada contra isso. A ida ao médico, onde ela diz "já ninguém pensa, só se pergunta pelas sensações (feeling), o que importa são as ideias, não as emoções, a única pessoa, digamos assim, com quem consegue ter um comportamento normal, completamente assumido, repetindo os gestos de sempre e comandando o que queria comandar é com o marido, ou recordação dele. É esse espaço que ela habita, não o nosso, será demente? Todos os seus traços de carácter estão lá, clarinhos como água, só que perderam a força e o vigor que lhes deu vida. Ela era uma pessoa que se preocupava com a vida comum, o que não quer dizer que fosse comum, saber o preço das mercearias era um orgulho, porque a queriam diminuir por isso e ela resisitiu, mesmo quase incapaz de sair fez questão de ir saber o preço do leite.Uma dama de Ferro, uma resistente, mesmo na decrepitude física da velhice.

jotaC disse...

Também já aqui tinha dito que o filme vale pela interpretação magistral de Meryl Streep. Contudo, não quero com isto dizer que desvalorize a inclusão de Margaret Thatcher na política e a sua subsequente ascensão ao poder, muito pelo contrário, basta pensar que foi a única mulher a consegui-lo, o que é bem demonstrativo da sua personalidade de líder. E são a meu ver um conjunto de características únicas, aliadas a um estilo “obstinado” de fazer política que a fazem lembrar. Não é fácil, pois sabemos que são poucos os que deixam a sua marca precisa, boa ou má…

Rui Fonseca disse...

"com a necessidade que temos de desclassificar aqueles que, por terem referências muito diferentes das nossas, não reagem de acordo com o que consideramos "lucidez"."

Desculpe a insistência mas eu não desclassifiquei Thatcher mesmo na fase, mentalmente debilitada, debilitada da sua vida.

O que eu disse é que considero que o realizador montou um filme cruel por sustentar o guião nessa fase da vida dela.

O valor do filme está para mim, quase exclusivamente, na interpretação notável de Meryl Streep, aliás consagrada ontem com o Óscar para a melhor actriz, como se esperava.

Ilustre Mandatário do Réu disse...

Só há pouco vi o filme. A relação mais comum com a "demência" é de horror.

No entanto uma análise mais cuidada revela por vezes que sob a capa da "demência" há um humano em luta. E isto confere-lhe nobreza e valor numa situação trágica de desfecho inevitável. Arno Gruen fala sobre esta luta do "demente".

Já agora e como fait divers não deixa de ser digno de nota que Tatcher cai também por recusa da participação do UK no projecto do euro. Tema de grande actualidade cujo filme evita talvez porque o seu tema não seja a glorificação de M.T.