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quinta-feira, 31 de maio de 2012

Poluição estrogénica


Fala-se muito no défice de natalidade, que está a preocupar muitas nações, entre as quais a nossa, já que de ano para ano nascem menos crianças, que, por sua vez, são geradas em úteros cada vez mais envelhecidos. Consequências? Muitas, nomeadamente problemas demográficos com implicações a vários níveis. O fenómeno é relativamente novo, começou a dar os primeiros passos há meio século com a descoberta de uma das maiores invenções da humanidade, a "pílula". A mulher libertou-se, passou a controlar a natalidade separando-a da sexualidade, autonomizou-se, revolucionou o mundo e a vida sofreu grandes e profundas transformações.
Uma substância química pode originar estranhos e complexos fenómenos e, ao mesmo tempo, ter outras implicações, nomeadamente de natureza ambiental. Um dos principais componentes dos contracetivos orais, o etinilestradiol (EE2), é lançado nos esgotos através da urina. Sabendo que mais de cem milhões de mulheres tomam estes compostos, é fácil de compreender que alcançam com facilidade rios, estuários e lagos provocando alterações em muitas espécies, eliminando algumas e originando, sobretudo, o estado de "interessexo".
Não é de hoje a preocupação dos cientistas com estes fenómenos, mas, atendendo ao crescente número de mulheres que usam a pílula e à insuficiência das estações de tratamento na eliminação destes produtos, tudo leva a crer que estejamos a caminhar para mais um desastre ecológico a somar a tantos outros. Neste momento, uma doutoranda, que acabou de realizar o seu trabalho nesta área, detetou resultados preocupantes que irão ser discutidos em breve. Numa das nossas conversas, confessou-me que a minha sugestão de estudar os batráquios nos cursos de água foi muito complicado e que lhe "deu água pelas barbas". Teve enorme dificuldade em os encontrar, e quando os capturava - um pequeno parêntesis apenas para informar que obteve autorização do ICN para obter amostras de sangue, libertando os animais logo de seguida -, verificava que eram "raquíticos" e quase sempre fêmeas; machos nem vê-los, aparecia por vezes um ou outro.
A natureza anda a levar todos os dias nas "trombas" com uma pílula monstruosa! Perante esta realidade, o Parlamento Europeu agendou para discussão a contaminação ambiental pelos estrogénios e a respetiva correção, levantando de imediato a necessidade da indústria farmacêutica ter de encontrar substitutos, e em doses mais baixas, apesar de já terem sofrido uma forte redução, e serem utilizados meios relativamente sofisticados para reduzir e tratar convenientemente nas estações de águas residuais estas substâncias. Não é que seja difícil, mas é dispendioso, calcula-se que só no Reino Unido seria necessário um investimento de 24 mil milhões de euros para livrar a natureza dos efeitos do EE2.
O preço da água está sempre a subir e na fatura está incluído os "resíduos". Se um dia destes vier a ser aprovado algo no sentido de evitar a poluição estrogénica em curso, então, a fatura aumentará dramaticamente, incluindo, quiçá, uma nova rubrica, "taxa de poluição estrogénica".
Este planeta é mesmo curioso e os seres humanos não lhe ficam atrás. Inventam, poluem, logo, têm de reinventar, para poluírem em seguida! Ciclos humanos que acabam quase sempre em poluição. Espero que um dia destes a poluição antropogénica não esterilize de vez o planeta, é que não há “procriação medicamente assistida” capaz de tratar um "ventre" desta grandeza...

Espanha: luzes de aviso passam a vermelhas, vem aí um Junho bem agitado...

1. De há muito que a situação financeira/bancária em Espanha tem constituído motivo de preocupação, sendo apontada como o “calcanhar de Aquiles” da economia espanhola, em consequência sobretudo do formidável impacto da crise do sector imobiliário sobre os balanços dos bancos...as Cajas de Ahorro, outrora um motivo de orgulho para o sector bancário espanhol pela sua originalidade, são hoje motivo de enorme pesadelo pelo enorme envolvimento nessa crise...
2. Como é do conhecimento geral, o Bankia, 4ª instituição bancária de Espanha pela dimensão do balanço, que resultou da fusão de 7 Cajas de Ahorro entre elas a outrora toda-poderosa Caja de Madrid, acaba de ceder perante a avalancha de perdas sofridas com o crédito ao sector imobiliário, tendo-se visto na necessidade de recorrer a um apoio de emergência do Estado, para reforço de capital, de 4,5+19 mil milhões de Euros, em resultado do que ficará nacionalizado em mais de 90%...
3. O Governo espanhol, de fresca data, foi apanhado em contra-pé neste dossier, uma vez que o anterior executivo, convencido de que o tempo resolveria os problemas, promoveu uma série de fusões bancárias, sobretudo das tais Cajas de Ahorro, mas deixando lá ficar todos os maus activos, numa amálgama bem difícil de gerir...e o tempo, em vez de resolver, acabou por agravar a situação, que agora tem de ser enfrentada em toda a sua crueza...
4. Talvez imprudentemente, o novo Governo espanhol resolveu assumir a posição “bail-out” internacional “jamais” (onde é que já ouvimos isto?), garantindo que o Estado espanhol seria capaz de mobilizar recursos suficientes para resolver a crise do sector bancário.
5. Só que esta crise pode assumir proporções, em termos de requisitos adicionais de capital dos bancos para compensar as perdas que têm de contabilizar, que o Estado espanhol poderá não ter capacidade para ultrapassar só por si mediante a emissão de dívida no mercado – se for qq coisa como € 100 mil milhões como se tem dito, não terá mesmo – necessitando de assistência internacional (o tal “bail out”) em moldes algo parecidos aos que a Irlanda utilizou para sanear o seu sector bancário...
6. Acontece que no início desta semana, fruto de todas estas incertezas, o diferencial (spread) entre os juros da dívida pública espanhola a 10 anos e os juros da dívida pública alemã para o mesmo prazo ultrapassaram pela primeira vez os 500 pontos base...
7. E os comentadores/analistas logo recordaram a distância FATÍDICA, medida em número de dias, entre a DATA em que os “spreads” entre os juros da dívida a 10 anos da Grécia, da Irlanda e de Portugal e os juros da dívida alemã atingiram os 500 pontos base...e a DATA em que esses países apresentaram os seus pedidos de resgate internacional - 16 dias para a Grécia, 24 dias para a Irlanda, 34 dias para Portugal...
8. Tanto bastou para que se acendessem luzes vermelhas de aviso quanto ao risco da situação em Espanha...quantos dias faltam para a Espanha formalizar o pedido de resgate do seu sector bancário, 30 dias, 40 dias? E se o não fizer o que vai suceder?
9. Vamos ter provavelmente um dos meses de Junho mais agitados das últimas décadas...cintos de segurança bem apertados, recomenda-se...

Um país de "piqueniques"...

Sim, é no mínimo polémico que operações de marketing como o megapiquenique do Continente ou que fosse de uma qualquer outra cadeia comercial ou qualquer outro “piquenique” do género – o ano passado na Av. da Liberdade e este ano no Terreiro do Paço - invadam e danifiquem espaços públicos cuja nobreza ou funcionalidade devem ser respeitadas e preservadas de usos que lhes retiram dignidade, alteram a fruição pública que lhes está destinada e causam perturbações públicas e grandes incómodos ao normal funcionamento da cidade.
O Zé, refiro-me ao vereador da Câmara Municipal de Lisboa José Sá Fernandes, continua a fazer das suas. Há já algum tempo que não era notícia. É o Zé que precisa de dinheiro e vende o que for preciso com a justificação de que as finanças camarárias precisam de ajuda.
Não é razoável que espaços públicos com a dignidade de um Terreiro do Paço ou a funcionalidade de uma Av. de Liberdade estejam à mercê de fogareiros e chouriços, couves e galinhas com o argumento de que as empresas pagam. Era o que mais faltava se não pagassem. Se todos os “continentes” do país quisessem fazer piqueniques nas zonas nobres de Lisboa a cidade seria transformada num local indesejável para quem nela trabalha, vive ou faz turismo. Mas isso parece que pouco interessa.
E, depois, também me pergunto quais são as contrapartidas negociadas pela Câmara Municipal de Lisboa. Onde estão as regras que regem estes negócios? Devem ser do conhecimento público. Como é que está salvaguardada a transparência destes negócios? Enfim, devem ser pormenores sem importância, para quê estas preocupações.
Vou anotar na minha agenda o próximo dia 16 de Junho para evitar, uns dias antes e uns dias depois do dito megapiquenique, circular nas zonas próximas, pois à semelhança do ano passado o trânsito foi um caos, com muito prejuízo para quem trabalha e vive em Lisboa.
Alguém me dizia, deixe lá que há coisas piores, assim o povo sempre se alegra e esquece a crise, afinal juntar meio milhão de pessoas nos comes e bebes como aconteceu o ano passado é obra que não acontece todos os dias…

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Eurobonds: porque não Gallic-bonds, para começar?

1- O tema dos Eurobonds voltou à discussão pública, nas últimas semanas, nomeadamente após as eleições francesas uma vez que o Presidente Hollande afirmou seu apoio a esta ideia.
2- Como se sabe, a emissão de Eurobonds seria uma forma de mutualização das dívidas emitidas por países da zona Euro: assim, pelo pagamento dos Eurobonds que viessem a ser emitidos pela Grécia (ou por qq outro país da zona) seriam responsáveis não apenas o país emitente mas todos os demais países da mesma zona (solidária ou conjuntamente, seria ainda ponto a esclarecer).
3- A emissão de Eurobonds tem sido fervorosamente sustentada pelos Crescimentistas domésticos mas não só, como forma de ultrapassar as dificuldades de financiamento em que se encontram os países mais vulneráveis do Euro: Grécia, Portugal, Itália, Espanha. Como é evidente, a partir do momento em que todos os demais países do Euro passassem a ser responsabilizados pelo pagamento de suas dívidas, Alemanha em especial, até um país com as enormes dificuldades em que a Grécia se encontra poderia voltar ao mercado, tranquilamente, para se financiar…
4- A Alemanha tem-se oposto a esta ideia com o fundamento de que a mutualização das dívidas faria desaparecer o incentivo para que os países menos cumpridores da disciplina das finanças públicas e com economias mais desequilibradas corrijam as suas políticas orçamentais e adotem medidas estruturais para melhorar a competitividade das suas empresas (risco chamado de “moral hazard”)…e é capaz de ter uma forte dose de razão…
5- Acontece que o Presidente Hollande parece estar pouco preocupado com o “moral hazard”, ele pensa (ou diz que pensa) em 1º lugar no Crescimento…e os Eurobonds, resolvendo as restrições financeiras, permitiriam abrir uma janela larga – uma larga varanda talvez – para a política de crescimento com bese no endividamento…talvez para tragédia nossa mas enorme satisfação dos Crescimentistas domésticos e outros, como sabemos…
6- Assim sendo, ocorre perguntar: se a França se encontra agora tão convencida das vantagens dos Eurobonds, e se a Alemanha continuar, como parece, a não aceitar esta ideia, porque não avança a França, acompanhada por um grupo de países que parece simpatizar com a mesma ideia – a Itália, a Espanha e a Grécia, pelo menos – e criam uma “proxy” dos Eurobonds, a que poderiam apelidar de Gallic-bonds em homenagem à iniciativa e arrojo europeus da França de Hollande?
7- Para além de não existir qualquer obstáculo legal à inciativa, poderia ser uma forma muito interessante de testar o apetite dos mercados por esta dívida mutualizada, criando um incentivo para que outros países viessem a aderir à ideia e esta acabasse por vingar…e uma oportunidade para a “nova” França mostrar ao mundo que a solidariedade não é apenas uma questão de discurso, também se pode praticar...
8- Porque estar sempre à espera da Alemanha? Teremos de estar sempre aguardando que a Alemanha apadrinhe todas as iniciativas? E depois queixamo-nos do excesso de poder da Alemanha?

Teatro de amadores

O Massano Cardoso escreveu aqui sobre a importância de se saber as regras para chegar a conclusões fidedignas a partir do que se pergunta e se responde, de modo a obter a verdade sobre uma matéria e se fundamentarem devidamente as conclusões e decisões. Mesmo sem conhecermos a complexidade dessa ciência e as variáveis que é preciso dominar para chegar a bons resultados, podemos com facilidade avaliar a importância dessa técnica para as nossas vidas. Um médico, por exemplo, deve ter a capacidade e o treino necessário para obter do doente os elementos importantes para fazer a sua história clínica, escolhendo as perguntas, avaliando a consistência e coerência das respostas, detectando e sabendo gerir o que o Massano indica como sendo os “vieses e variáveis de confundimento a fim de explicar quais as consequências em termos de qualidade de informação que se obtém no decurso de uma investigação”. Se o não fizer com a competência necessária, o doente pode induzi-lo em erro, manipular os sintomas e fazer interferir no diagnóstico variáveis que não seriam de considerar, levando a um tratamento errado. O mesmo se diga dos advogados, dos juízes e dos profissionais que têm a responsabilidade de ouvir, comparar, analisar e deduzir a partir não só de factos mas de depoimentos e testemunhos de vária ordem. Ou seja, isto de ser “investigador” não é para amadores nem para curiosos, por muito bem intencionados que sejam, e pode levar a graves injustiças ou erros grosseiros, em qualquer caso só por muita sorte é que se chega à verdade quando ela é difícil de deslindar.
Ora, acontece que a “investigação” está na moda em Portugal, lamentavelmente alheia a qualquer ciência ou técnica apurada no estudo e no pensamento exigente e disciplinado, alerta para os riscos e responsabilidade de uma acção alardeada e mal conduzida. De repente, há um investigador em cada cidadão, são os deputados, os jornalistas, as entidades várias, os bloguistas, os vizinhos, os espiões, em cada esquina há alguém com “suspeitas” e logo na outra há um pressuroso “investigador”. Investiga-se em directo nas televisões, na rádio, em folhetins nos jornais, nas leitarias, no café e nos empregos, há um jogo de futebol e logo se investiga tudo o que aconteceu, há um desastre e investiga-se no local de câmara em punho, há um incêndio e os bombeiros são interrogados em directo sobre a origem do fogo, desfilam no Parlamento os chamados a depor em investigações múltiplas e tantas vezes recorrentes. Que se saiba procurar e se descubra a verdade propriamente dita, ou mesmo que se chegue sequer a perceber que verdade procuram, já é secundário, a “investigação” tornou-se um teatro de amadores e tudo o resto é cenário.



segunda-feira, 28 de maio de 2012

Viés de confirmação



Costumo dar uma aula sobre vieses e variáveis de confundimento a fim de explicar quais as consequências em termos de qualidade de informação que se obtém no decurso de uma investigação. Se não forem controlados corremos o risco de obter informação de má qualidade, falsa, incorreta ou distorcida, o suficiente para comprometer a nossa visão da realidade e levar a que tenhamos comportamentos errados.
O ser humano adquiriu há muito a capacidade de argumentar, uma característica que o ajudou muito na evolução. Essa capacidade de argumentar não é propriamente sinónimo da procura da verdade mas sim o meio mais eficaz de persuadir os outros convencendo-os de que tem razão, mesmo que não a tenha e, deste modo, adquirir as respetivas vantagens. Talvez seja por isso que procura sempre os factos, as opiniões e tudo o que venha a reforçar os seus "preconceitos", ideias, tiques doutrinários, estereótipos religiosos e tudo o demais com o qual se identifica.
Chamam a isto o "viés de confirmação". Nunca o abordei, e tenho uma grande "coleção" de vieses. Um bom tema para discutir.
Não é preciso recorrer a situações da saúde para o desenvolver, se bem que começo a vislumbrar alguns exemplos do mesmo, mas prefiro olhar para o que me rodeia, áreas do social, do desporto e da política.
Algumas pessoas ao escreverem sobre os outros apontam-lhes aspetos negativos, e estão sempre atentos a transcrever e a justificar as suas más opiniões como se os mesmos não tivessem cinco reis de caráter ou um mínimo traço de honestidade. "Não gosto dele, nunca gostei", nem é preciso dizer a razão, mas estão atentos a solidarizarem-se com tudo o que puderem para confirmar essas tendências utilizando-as como argumentos de peso. E se não forem de peso, arranjam sempre maneira de conseguir, criar ou inventar argumentos com esse objetivo. O que é interessante é que se preocupam mais com a aquisição de elementos, notícias, ideias ou opiniões que alimentem os seus preconceitos do que propriamente saberem a verdade. Alimentam-se do viés de confirmação, uns verdadeiros esfomeados, sem o qual não conseguem sobreviver.
Arrepio-me, é o termo certo, quando leio muitas opiniões nos blogs, no facebook, na televisão, nos jornais e em algumas entrevistas ou reportagens.
No entanto, admiro a capacidade de argumentação de muitos, elegante, sóbria, despretensiosa, sempre abertos a mudarem de opinião e a contribuírem para a procura da verdade, mas intimida-me a de muitos outros, que tudo fazem para se imporem, frequentemente à custa da procura e do uso de tudo o que estiver de acordo com os seus "princípios doutrinais" ou preconceitos.
Não tenho a pretensão de ser imune a esta forma de ser, mas faço todos os possíveis para a evitar. Volta e não volta sou rotulado de herege ou acusado de ter atitudes muito pouco ortodoxas. Interessa-me mais a verdade do que me alimentar através do viés de confirmação. Infelizmente nem sempre encontro a primeira e quanto ao segundo preferiria passar fome, mas passar fome é muito complicado...

Um bom sinal


Já aqui deramos como exemplo dos reais problemas da justiça, entre outros, o caso das testemunhas que são convocadas vezes sem conta para depor em tribunal e dispensadas depois de horas de espera, sacrificando o seu tempo ou o tempo que deveriam ocupar a trabalhar, dispensadas quase sempre sem uma palavra do tribunal. O Conselho Superior de Magistratura emitiu uma orientação dirigida aos senhores magistrados no sentido de só serem convocadas as testemunhas que possam ser ouvidas em cada sessão da audiência de julgamento. Simples, tão simples e de tão óbvio senso que custa a crer como é que os senhores magistrados precisam de ser orientados nestas práticas e, se precisam, como é que a orientação chega tão tarde e não tem força de lei. Pode ser que este seja um sinal. Um sinal bom, de que o que está mal na justiça se repara com medidas destas (assim venham a ser respeitadas) e não com reformas "estruturais" que mais não são do que experimentalismos de laboratórios onde pontificam os sábios que nenhuma vivência têm do mundo concreto da justiça. Pode ser...