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domingo, 3 de junho de 2012

Incerteza


Não passa um dia em que não assista ataques à ciência e às teorias que nos permitem ver o mundo. O comportamento dos criacionistas exige atenção e muito cuidado, não vão um dia "proibirem" que se produza ciência.

Num editorial da Nature, Russel Garwood analisa o aproveitamento sistemático de certas notícias por parte dos não cientistas para desacreditarem o evolucionismo. A última foi a propósito das penas de um grande dinossauro recentemente descoberto e as penas das aves.

Os movimentos criacionistas estão em crescendo, obrigando que, nalguns estados norte-americanos, através de leis, seja ensinada a "fraqueza da evolução". Estes grupos reiteram continuamente os "hiatos" da evolução, e, também, utilizando alguns achados, como a não evolução de algumas espécies, que se mantém inalteráveis há mais de 350 milhões de anos, como sendo "provas" da criação. Os cientistas, perante estas críticas, dizem que não sabem os porquês. E dizem muito bem, porque a ciência é sinónimo de incerteza, embora tenha uma única certeza, sabe que nunca conseguirá dar resposta a todas as questões. Aqui poderíamos desenvolver um pouco mais o tema, relembrando que a ciência tem como objetivo ajudar a pensar e a ver o mundo com base nos níveis de conhecimentos do momento. É por isso que as ideias científicas são credíveis, não por serem totalmente verdadeiras mas porque sobreviveram às críticas do passado e expõem-se de peito aberto às que qualquer um queira fazer.

As teorias científicas estão em constante mutação e transformação, mas o que importa não é propriamente o que a teoria diz, mas sim a forma como ela nos permite ver o mundo. Desaparecem, são substituídas, mas a forma como nos permitiram ver o mundo ficou e ficará.

Numa recente entrevista de Carlo Rovelli, como seria de esperar, veio à baila a problemática da religião e da ciência. Não há volta a dar, o choque é inevitável, embora não necessite ser tão duro, e deve-se exclusivamente ao facto de a ciência não conseguir ou poder dar respostas, o tal grau de incerteza que nos incomoda, e bem, na minha perspetiva. A religião, como não aceita o tal grau de incerteza, tem certezas absolutas, tem de entrar em conflito com a ciência. Talvez seja esta a principal razão porque certos movimentos focam a sua atenção e ataquem à ciência, e não são só os "bíblicos", porque entre os muçulmanos é também moeda corrente, basta olhar para o currículo oficial do programa de biologia do Paquistão que obriga os estudantes a aprender que "Alá é o criador e o sustentador do universo"!

A ciência não põe em causa a crença de ninguém e nem pretende substituir Deus, caso exista, porque, também, nunca o poderia fazer, dado que aborda apenas as incertezas da vida e do universo, limitando-se a ajudar-nos a ver o que se passa com o cérebro que possuímos. Mas é bom estar atentos aos movimentos anticientíficos, que não se esgotam neste quadrante. Se os movimentos anarquistas começarem a adotar o comportamento da "Informal Anarchist Federation International Revolutionary Front", que alvejou o patrão de uma companhia de engenharia nuclear "para devolver uma pequena parte do sofrimento que vocês, homens da ciência, colocam no mundo", então estamos feitos ao bife.

O mundo começa a ficar um pouco preocupante para os homens da ciência, se de um lado o "cheiro a bispo" ameaça retornar, do outro a ameaça não é menor, já que uns tiros nas pernas não é nada agradável.

10 comentários:

Catarina disse...

O problema de sempre. Alguns homens e algumas mulheres continuam a pensar que são os detentores e as detentoras da verdade.

MM disse...

A propósito deste post do Prof Massano, permito-me referir o livro "The Geek Manifesto - Why the Science Matters",de Mark Henderson. Um complemento, de leitura fácil e muito interessante.

António J. B. Ramalho disse...

Não sei quem é o Prof. Massano Cardoso, sei apenas que gosto de ler o que escreve.

Floribundus disse...

a evolução tem sido apresentada como dogma, situação que ofende a minha consciência de agnóstico.
Eça diria «não estive lá para ver».

resta a anedota dos macacos na selva africana
«macaca:-vamos recomeçar que esta evolução deu merda»

Rui Fonseca disse...

Em Novembro de 2005 escrevi no meu caderno de apontamentos uma nota acerca deste assunto, a propósito de uma notícia do "Público"

"Manuais escolares do estado do Kansas vão poder por em causa a teoria da evolução"

A forma desinformada como muitas vezes se retrata a sociedade norte-americana leva a uma generalizada convicção na Europa que os norte-americanos são geralmente pouco esclarecidos

Vem isto a propósito das notícias que, de vez em quando, aparecem na nossa Imprensa e que, propositadamente ou não, sublinham alguns aspectos aparentemente ininteligíveis do comportamento da sociedade norte-americana. Um dos mais batidos é a questão à volta do evolucionismo versus criacionismo.

Não pretendo divagar sobre o assunto que, aliás, não é susceptível de discussão científica, mas apenas referir o seguinte:

1 – Cerca de 50% dos norte-americanos está consciente que a espécie humana é resultado de um processo de evolução natural, tendo os desenvolvimentos científicos mais recentes concluído que existe uma similaridade genética da ordem dos 98,4% entre humanos e chimpanzés. O próprio Darwin, certamente, se espantaria com tão elevado grau de proximidade.

2 – Darwin, contudo, ficaria não menos espantado se soubesse que, passados 146 anos sobre a publicação da “Origem das Espécies”, cerca de 50% dos norte-americanos e uma percentagem idêntica de europeus ainda, intransigentemente, rejeita a sua teoria. Em Portugal, quantos? Não sabemos, mas a avaliar pelo que se vê à nossa volta, o número é seguramente muito superior.

3 – A principal razão pela qual o assunto é objecto de discussão, tão badalada, nos Estados Unidos decorre do facto da política tradicional de decisão dos conteúdos de ensino serem votados ao nível dos “town councils” e dos “local school boards”, encorajando uma larga variedade de opiniões que, naturalmente, tendem a competir entre si no sentido de ganhar influência e poder de decisão. Esta descentralização extrema não se faz sentir apenas ao nível do ensino e decorre do modo com os Estados Unidos se formaram.

4 – Tendo sido rejeitadas pelo Supremo Tribunal de Justiça diversas tentativas de validar o Criacionismo como Ciência, os adeptos do Criacionismo (e existem diversos ramos com diferentes perspectivas e diferentes nomes) evoluíram para uma plataforma que consiste grosso modo em afirmarem-se utilizando como contra-argumentos alguns aspectos científicos da teoria que ainda se encontram por confirmar.

5 – Em resumo: O criacionismo não é ensinado nas escolas norte americanas como ciência (por não ser legalmente consentido, enquanto tal) mas em algumas escolas de alguns Estados, o criacionismo é indicado como uma proposta que tem os seus defensores.

Não penso que venha grande mal ao mundo por isso.

Uma vantagem da controvérsia pode e está, aliás, a promover o avanço da confirmação da teoria da evolução natural.

E por cá? Quantos é que se preocupam com isto?

E já agora: Quantos se preocupam com o fim das espécies?

Massano Cardoso disse...

"Não há ensino oficial do criacionismo", mas há leis que obrigam ensinar a "fraqueza da evolução", se não é a mesma coisa anda por lá.
"Não vem grande mal ao mundo"? Não sei, perante tanto mal que anda por aí talvez tenha razão!
Um bom argumento que os criacionistas ainda não utilizaram, como as espécies andam a desaparecer, e a nossa não será exceção, então, se houver um fim, estará provada a vontade de Deus, assim como nos "criou" assim nos "exterminará". Não vai ficar bem no filme, mas como não estará cá ninguém para comentar, não se vai importar... Deus também falha?! Já não digo nada.

Bartolomeu disse...

La para os lados de Seia, existe uma quinta muito antiga, propriedade de um juiz.
Contam os mais antigos, que o juiz empregava muitas pessoas das aldeias em redor, para os trabalhos do campo e que era um homem justo.
Certa altura, o capataz da quinta, deu porque faltavam alguns animais de capoeira e relatou o facto ao patrão. Passados poucos dias, voltou a dar por falta de mais animais, voltando a dar do facto, conhecimento ao patrão. Até que, começaram a faltar pavões, pelos quais um juiz tinha muita estima.
Entretanto, muitas hipoteses eram aventadas pelo capataz~; que seríam raposas, que seria ladrão, etc.
Então o juiz, resolveu pôr cobro à situação; carregou a caçadeira com sal grosso, e passou a prenoitar na varanda, de atalaia.
Não sei quantas noites teve de esperar, mas o certo é que, certa noite, o meliante saltou o muro da quinta, dirigiu-se às capoeiras, fêz a escolha do que queria e quando vinha no caminho de regresso, o Senhor Juiz já se encontrava de caçadeira assestada às pernas do pilha-galinhas. Disparou, acertou no alvo e o outro desgraçado ficou com uma chaga que não mais teve cura, impossibilitando-o de andar e de trabalhar.
Consta que, como a família era pobre, o juiz encarregou-se de lhes providenciar o sustento (se é que neste caso, o verbo "providenciar" seja o mais adequado...).

Massano Cardoso disse...

Caro amigo Bartolomeu.

Interessante história! No entanto, vou recordá-la não propriameten pela moral que pretende transmitir, mas pelo facto de ficar a saber que nunca se deve dar "uma espingarda e sal grosso" a um juiz. É um perigo e não está de acordo com as suas funções e responsabilidades, se fosse um outro "mortal" qualquer vá que não vá, mas um deus, ou melhor um juiz nem pensar...

Bartolomeu disse...

É bem verdade, caro Professor; deixar que um deus, ou seja, um juíz não-vendado, tenha na sua posse, uma arma mesmo que seja uma espada, é sempre um risco que pode resultar no desiquilíbrio do fiel da balança. E depois... quem se lixa, são os mortais.
;)
A propósito; estive no sábado passado em Pombal, com o propósito de visitar o museu que o caro Professor me tinha referido. Bati com o nariz na porta. Mas não perdi a viágem porque, na rua do Louriçal, encontrei duas pérolas de que o tempo se esqueceu; uma loja de ferragens, que vende de tudo e que, mal se transpõe a porta, passa a reino encantado e uma mercearia daquelas que ainda cheiram a mercearia, com balcão em madeira e armários. Gostei imenso! Quanto ao museu, vai ter de ficar para um dia de semana.

Tonibler disse...

As pessoas não gostam de ser tratadas como ignorantes, principalmente quando são mesmo. Qualquer coisa que venha mostrar que a sua ignorância até pode ser qualquer coisa de socialmente aceitável será sempre um produto muito vendável.

O Big Brother que mostra que as fraquezas dos mais fracos podem ter sucesso, o futebol que mostra que um assunto que não é assunto pode ter especialistas naquele assunto e a religião, onde até o maior ignorante pode encontrar soluções para os problemas mais complexos que surgem na natureza.

Basta, para isso, encontrar muita gente que corrobore a nossa opinião para que ela receba logo um banho de credibilidade. Muita gente a ver o big brother transforma o programa de telelixo em telenovela da vida real tal como muita gente a acreditar numa patetice qualquer ela deixa de ser uma patetice para ser algo "acima dos homens".

Neste sentido a ciência põe em causa as crenças. Porque as crenças não existem numa busca de verdade, existem numa busca de conforto e a ciência põe em causa esse conforto. Deus não é verdade, é conforto. E mesmo que se diga a ciência não nega a existência de deus, é desconfortável e "arrogante" porque não a confirma. E levanta questões, incómodas, sobre a ignorância.

Eu deixei de ter uma postura "apaziguadora" face à religião quando comecei a ver miúdos com 18 anos a quererem enveredar por uma carreira científica ao mesmo tempo que vão a Madrid dar vivas ao papa. Não pode ser. Estarei sempre do lado oposto.