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sábado, 29 de dezembro de 2012

"Arte ou necessidade" de enganar



A espécie humana apresenta características próprias, sendo algumas particularmente interessantes, universais e tão frequentes que esbarramos nelas a toda a hora, em todos os locais e níveis sociais. Pretendo destacar uma delas que nos incomoda, que nos faz sentir pequenos, responsável às vezes por elevados prejuízos, sofrimento físico, morte de alma ou simplesmente por pequenos custos que com o tempo se esquecem; de qualquer modo deixam sempre qualquer coisa a moer por dentro, alertando-nos para que não caiamos novamente. Trata-se do engano.
A capacidade de enganar está muito disseminada, a ponto de, em determinadas circunstâncias, chegar a ser considerada como normal, como uma forma de vida, havendo técnicas mais ou menos elaboradas para conseguir que as pessoas adquiram os serviços e os bens em causa. Neste caso basta ver a publicidade que passa na televisão, abusiva, distorcida, eticamente condenável, mas legal, em que vários agentes se "enfeixam" com a maior das naturalidades. Muitas pessoas são "convidadas" para poderem vender a sua banha da cobra. Estamos perante enganos "legais". Noutras circunstâncias as coisas são mais complicadas, como é o caso de relatos de pessoas que são burladas a torto e a direito por indivíduos sem escrúpulos. Somos todos potenciais vítimas, mas o caso dos idosos merece particularmente atenção. Caem com extrema dificuldade, agravando mais as suas condições de vida ao serem espoliados dos seus parcos bens. Outros, mais organizados, arrebatam para longe dos seus países pessoas ansiosas de deixarem a miséria, acabando por serem exploradas a vários níveis, caso da escravatura sexual e dos migrantes que vão trabalhar e que não recebem, verdadeiras formas de escravatura, fenómenos que definem bem os seres humanos. Mas há, também, os de alto coturno, que conseguem, através dos sistemas financeiro e económico, destruir as sociedades como é o presente caso em que estamos todos envolvidos. Mesmo na área da saúde esta é vendida com despudor de várias maneiras, apelando, por exemplo, à ansiedade futura de doenças que nunca irão ocorrer e se ocorrerem não há garantias de solução com as técnicas propostas. Sempre é uma forma de enganar, quase que diria, ironicamente, "cientificamente comprovada", um termo utilizado de forma abusiva em muitas circunstâncias. Há, também, burlões que conseguem entrar em certos circuitos sociais, políticos e económicos, capazes de distorcerem a realidade, criando novas expectativas e originando "verdades de ocasião", que podem provocar prejuízos, isto para não falar dos enganos mais comuns, os de natureza política. Mas afinal o que está por detrás deste fenómeno? A crença de que os outros são honestos e capazes de ajudarem o próximo, o que nem sempre é verdade e a facilidade de acreditarmos em falsas promessas, a que podemos acrescentar ambições ocultas, típicas de quem, também, pode "enganar o próximo". Quase que diria que o ser humano "gosta" de ser enganado ou necessita de enganar para poder atingir os seus objetivos, políticos, económicos, sociais, profissionais e, até, religiosos.
"Meio mundo anda a enganar a outra metade". Alguns nascem, vivem e morrem nas suas próprias metades, sempre burlões ou sempre honestos, mas há também um grupo muito significativo que, volta e não volta, salta de um campo para o outro, burlões hoje, vítimas amanhãs. Por fim, há ainda aqueles que passaram "definitivamente" do lado dos "burlões" para o lado dos "honestos". Quando tal acontece falam com um à-vontade fora de comum, tornando-se em moralistas de primeira e fina água. Será que estão verdadeiramente arrependidos? Não sei, pode ser que sim.

4 comentários:

Rui Fonseca disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rui Fonseca disse...

A sua relexão remete-me para uma opinião da historiadora Fátima Bonifácio, ontem, num programa da Sic notícias. Afirmou a historiadora que uma federação europeia é uma ideia impossível porque os europeus são radicalmente diferentes uns dos outros e, por essa razão, sempre se combateram-se mutuamente. A excepção são estes últimos sessenta anos, depois da Segunda Guerra Mundial. Que coincidem com criação e construção da União Europeia.

Acrescentou FB que, confessando-se liberal, nunca aceitaria um padrão de comportamento ditado pelos europeus do norte. E, atítulo de exemplo do que afirmava, disse que nunca deixaria de usar o seu automóvel para passar a usar os transportes colectivos ... ou a bicicleta, penso eu.

Tal afirmação é susceptível de múltiplas apreciações de índole moral. Refiro-me apenas a duas: a primeira, não sendo, em princípio, o comportamento da historiadora susceptível de esbarrar com os meus valores morais, pode a senhora andar de automóvel à vontade que nem eu, e presumo que ninguém, do norte ao sul se oporá, nem isso pode colocar em risco a convivência numa sociedade mais ou menos complexa. O que pode colocar em risco a convivência numa sociedade, qualquer que ela seja, a começar pela família, é a não comunhão de valores morais que dão coesão às sociedades.

E chego agora ao tema da sua reflexão. Durante décadas, contactei, por razões profissionais, pessoas das mais variadas partes do mundo. E posso garantir que honrar os compromissos, proceder com honestidade de processos, respeitar os outros, que é apanágio do norte da Europa, mas também dos asiáticos, é desvalorizado no sul da Europa. Honra, honestidade, cumprimento, são palavras que tendem a desaparecer das línguas meridionais.

Mas esses, sim, são valores morais que, ou toda a sociedade comunga ou não hà sociedade possível.

Em Portugal, por uma questão de ilusão sociológica decorrente de uma exposição prolongada à banalização da mentira e da falta de vergonha, a que pelos vistos nem FB escapa, confundem-se frequentemente os diferentes níveis de valores morais.

E enquanto essa confusão persistir a convivência entre norte e sul será realmente um ideia peregrina.

Gonçalo disse...

Burlas e burlões. Todos atentos a um tipo inóquo cujo "crime" foi apenas de ter feito deles uns palhaços. Enquanto isso, é o descalabro do BPN. Onde mais haverá que pagar (por todos nós), por conta de outros, esses sim, burlões de verdade. http://notaslivres.blogspot.pt/2012/12/burlas-e-burloes.html

Massano Cardoso disse...

Mas quem é que disse que estava atento a um tipo inócuo? Estou atento a todos, "inócuos" e menos inócuos. Eu falei do "engano", da sua amplitude, da sua importância e do impacto que tem a todos os níveis.