Número total de visualizações de páginas

domingo, 3 de fevereiro de 2013

São Brás


Soube desde muito pequeno que o dia 3 de fevereiro era dedicado a São Brás e o dia 2 à Nossa Senhora das Candeias, tudo por causa da minha mãe que nasceu a três e do seu pai a dois, avó que nunca conheci. Ouvi-a contar histórias de romarias à Nossa Senhora das Candeias, que para mim se traduziam em procissões em que as pessoas deveriam levar as típicas candeias, algumas das quais ainda havia lá em casa. Punha-me a imaginar as festividades e perguntava para quê "candeias". - Para alumiar os nossos caminhos, dizia. Claro, pensava, de noite dá muito jeito levar uma candeia pelos caminhos. - Não é para alumiar os caminhos, é para alumiar as almas, para que não façam disparates. - As almas precisam de candeias? Então, elas não veem no escuro? - Veem, mas olha lá, não consegues fazer outro tipo de perguntas? - Consigo. E para que serve o São Brás? - Para curar as doenças da garganta. - Ai sim? Então por que é que o Brás, que tem o nome do santo, anda com aquelas escrófulas no pescoço? - O Brás, mas qual Brás? - O meu companheiro de carteira. - Explica-me melhor o que é que se passa com o teu coleguinha. Eu expliquei-lhe que andava doente, com panos e pensos ao redor do pescoço, que deitava uma espécie de pus, parecia queijo derretido e queixava-se do incómodo e de dores na garganta. - Ora, se ele se chama, também, Brás, tal como o santo, que tu dizes que cura as doenças da garganta, então, deveria curá-lo porque tem o seu nome. Era o mínimo que podia fazer. - Mas para isso tem que rezar ao santo e ir em romaria. - Onde está o São Brás? Desesperada, dizia: - Olha, não sei, hoje é o dia dos meus anos e tenho que fazer um bolo. Não queres comer bolo? - Quero pois. - Então faz o favor de bater os ovos, a farinha e o açúcar. - Só se me deixares rapar o tacho no fim. - Deixo, mas é só rapar, não te ponhas a comer a massa, porque depois faz falta. Uma delícia lambuzar-me com aquela doçaria.
Todos os anos comemorava os seus anos, presencialmente, e, depois, telefonicamente.  
Dava os parabéns e um beijo e lembrava-lhe o dia de São Brás. Foi assim durante muitos anos, até que para o final lhe perguntava: - Sabes que dia é hoje? - Não. - Não? Não sabes que é dia de São Brás? - Não sei. É? - É. Em seguida, como o silêncio queria entrar em cena, dizia-lhe: - Hoje fazes anos! - Faço? - Fazes. - Se o dizes, está bem. A conversa continuava entremeada de meias lembranças a quererem impor-se a um esquecimento atormentador. 
Hoje não lhe telefonei, hoje não lhe falei, hoje não lhe dei um beijo, hoje não consegui lembrar-lhe que era dia do seu aniversário, dia de São Brás. Hoje, em silêncio, estive a seu lado, lembrei-me dela, de São Brás, de bater e rapar a massa dos bolos, e senti um aperto angustiado na garganta para o qual não há São Brás que valha.

6 comentários:

Bartolomeu disse...

«Hoje não lhe telefonei, hoje não lhe falei, hoje não lhe dei um beijo, hoje não consegui lembrar-lhe que era dia do seu aniversário, dia de São Brás.»
Desculpe Senhor Professor, mas não posso concordar.
Hoje, talvez tenha sido o dia em que esteve mais próximo Dela. Em pensamento, é verdade, mas, um pensamento mais forte, mais sentido, mais recheado de boas memórias.
E já agora; eu também participava na feitura dos bolos caseiros e tal como o Senhor, deliciava-me com o rapar da tigela onde era batida a massa.
Será que esse gosto de crianças faz de nós uns "rappers" e não sabemos?!
;)))

Tavares Moreira disse...

Caro Professor,

Quero dizer-lhe que ainda hoje sou um apreciador, e compro regularmente, os tradicionais rebuçados de S. Brás, que são muito bons para conservar a garganta afinada!

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bartolomeu disse...

Manuel Silva, apesar de ter errado a pontaria à caixa de comentários, pense: Se o homem sabia da tramoia e não "meteu a boca no trombone", é um tipo de confiança. Merece que lhe dêm outra oportunidade.
Para quê?
Ora, para voltar a ser íntegro e ético...

alberico.lopes disse...

Há sempre um silva qualquer que quer "borrar" a pintura!E vir defender o consulado socratiano.O que é o mesmo que dizer:branquear o facto de ter havido constâncios que ignoraram que deveriam ter ordenado a tempo e horas inspecções aprofundadas ao que se passava,na medida em que os ordenados chorudos que auferiam (e que continuam a auferir em dobro)a tal os obrigavam!E quanto ao facto de terem sido quadros do PSD os"únicos"intervenientes nessa marosca julgo que ainda está muito por esclarecer,pois ao que consta há muitos quadros socialistas e doutros partidos no mesmo barco!Mas o mais interessante é o não se falar do que o ministro das finanças afirmou ao país,quando se lembraram de nacionalizar SÓ o BPN:que só teríamos de suportar,quanto muito,700 milhões de euros,para que não adviesse uma crise sistémica nos bancos!Aliás,ao que me lembro,era esta a verba que o dr.Miguel Cadilhe pedia para recuperar o banco. O que lhe foi negado pelo sr.sócrates e pelo min.das finanças!
Por isso, era bom que todo este caso fosse deslindado até às últimas consequências!Vamos lá ver se lá chegaremos!

alberico.lopes disse...

Caro Dr.Massano Cardoso:é por artigos como este que V.Exª.nunca mais deverá deixar-se levar pelas insinuações que por aqui possam chegar só com o fito de tentarem silenciá-lo!
Revi-me também no "rapar" o tacho!E não só:lembro-me bem quando a minha mãe e a minha avó se preparavam para fazer os folares e eu e os meus primos,muito sorrateiros,"roubávamos"umas rodelitas de salpicão que elas fingiam não ver;ou quando,ao fazer o fumeiro,pedíamos para nos deixar meter a massa nas tripas para as alheiras e linguiças, após saborearmos um naquito de lombo assado!Belos tempos esses!Que,ao que parece, tendem a voltar!Oxalá!