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terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A Inevitável Realidade

Já fui criticado por alguns dos meus oponentes em debates em que participei devido ao facto de os confrontar com a realidade – e de chegar à conclusão que tudo o que defendem no campo económico pode ser muito estimável (embora eu discorde da maior parte) mas não é possível concretizar.
Que sou resignado; que desisto com facilidade; que é lastimável ver alguém com responsabilidades políticas vergar-se à realidade – foram algumas das expressões que me foram dirigidas...
... Que, evidentemente, não levei a mal, nem tomei como críticas – porque não é disso que se trata. É que, em minha opinião, não há pior do que expressarmos aquilo que defendemos, as nossas ideias e soluções, as nossas alternativas, sem que elas tenham o mínimo de exequibilidade porque... não descemos à realidade.
Atenção, o que acabei de referir não deve ser confundido com conformismo ou resignação – que, evidentemente, não professo. Deve-se sempre tentar que as coisas possam correr como defendemos ou desejamos – mas não de forma que se torne irrealista.
E nada melhor do que contactarmos com a realidade para percebermos que podemos estar... muito enganados. Como mostram os dois casos que a seguir aponto: um, a nível nacional; outro, internacional (em França).
Durante vários anos, Bernardino Soares, por quem tenho consideração e simpatia, foi Deputado do PCP e líder da bancada comunista na Assembleia da República. Durante todo esse tempo, teve apenas que difundir soundbites, na maior parte das vezes contra o “grande capital” e os “grupos económicos”, bem como contra o "Pacto de Agressão" que constitui, para o PCP, o Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), e a austeridade a ele associada (nomeadamente os cortes nas prestações sociais e na massa salarial na esfera pública). Sucede que, desde Outubro passado, Bernardino Soares é presidente da Câmara Municipal de Loures. E desceu à terra: ao tomar posse, deparou-se com um município depauperado, com uma situação financeira “dramática” (nas suas palavras), e a absoluta necessidade de tomar medidas que, na maior parte dos casos, são o contrário do que anos e anos a fio defendeu no Parlamento. Veja-se: realização de uma auditoria à gestão e à situação financeira do município; adopção de “inevitáveis medidas de redução da despesa”; avaliação das avenças e da prestação de serviços; reajustamento dos serviços da câmara... E mais: “temos de ver onde podemos reduzir os custos”; “estamos a arrumar a casa"; “há que fazer muito com pouco”. E decidiu também não aumentar o IMI para os residentes no concelho, porque isso lhes “dificultaria ainda mais a vida”. Ou seja: cortar na despesa e não aumentar impostos para não degradar a economia do concelho – quem diria, hein?!...
O segundo caso que aponto tem a ver com o Presidente Francês, François Hollande que, depois de já ter desiludido os que depositaram nele a esperança de contrabalançar a gestão, digamos, muito alemã que tem sido feita da crise das dívidas soberanas na Zona Euro (nomeadamente para os países periféricos, nos quais se inclui Portugal), apresentou, na semana passada, um plano de austeridade que passa por uma ampla reforma do Estado – nas suas estruturas e funções – e por cortes mais profundos na despesa pública, designadamente nos "excessos e abusos" na saúde e prestações sociais, incluindo pensões. Tal significa, depois dos cortes de cerca de EUR 15 mil milhões na despesa pública programados para 2014, reduções adicionais de cerca de EUR 50 mil milhões para o período 2015-2017 (quase 2.5 pontos percentuais do PIB). Tudo isto com o objectivo de anular progressivamente o défice público e o peso do Estado na economia, de modo a criar margem para baixar os impostos sobre as empresas. E porquê? Porque, de acordo com Hollande, só as empresas são “capazes de gerar empregos sustentáveis”, sendo que o combate ao desemprego, que afecta quase 3.3 milhões de franceses, é a sua prioridade. Voilà. Depois das promessas da campanha eleitoral, François Hollande tem vindo progressivamente a perceber a realidade em que caiu e, face a ela, o que é necessário fazer para colocar “nos carris” uma economia estagnada e com um nível de endividamento público que começa a ser preocupante.
Creio que os dois exemplos são paradigmáticos e falam por si – mas ainda os posso reforçar com a minha experiência: como se sabe, tenho defendido que o PAEF de Portugal deveria ter sido melhor negociado de início e melhor modificado – tornando-se mais realista – ao longo do tempo. Teria sido benéfico para todos – mas, infelizmente, não foi essa a leitura da Troika, que nos está a financiar e que tem “a faca e o queijo na mão”. E, como tal, o que melhor tínhamos (e temos) a fazer era... mostrar vontade de cumprir e procurar alcançar resultados. Porque, pragmaticamente, dada a realidade, qualquer outra opção seria muitíssimo pior.
Quando não temos que lidar com a realidade (como sucedeu com Bernardino Soares e François Hollande antes de serem eleitos), tudo parece fácil – incluindo apontar potenciais caminhos e soluções que, depois, afinal... têm que ser metidos na gaveta. Por mim, procurarei sempre não me afastar da realidade – porque entendo que só assim conseguirei apresentar soluções concretizáveis. Quer enquanto economista, quer como professor ou político.

Nota: Este texto foi publicado no Jornal de Negócios em Janeiro 21, 2014.

9 comentários:

joshua disse...

Muito bem Miguel. Com sabedoria e bom senso, acredito no teu contributo para um Portugal Político mais tragável, ético e confiável.

Abraço.

joshua disse...

PS.: Parabéns pelo desempenho no Eixo do Mal.

Miguel Frasquilho disse...

Muito obrigado pelas suas palavras, meu caro!... Vamos fazendo o possível!...

Anónimo disse...

Caro Miguel, eu não tenho dúvidas de que tanto Bernardino Soares como Hollande sabiam perfeitamente que o que diziam enquanto não estavam no poder era inexequivel. São as mentiras normais quando um político quer ser eleito. Há umas semanas um deputado ou militante ou coisa parecida do CDS escandalizou o país dizendo que um político tinha que mentir ou não era eleito. O que ele disse é a pura verdade. Cada vez mais um político não é mais do que uma embalagem de detergente para lavar a roupa. Vende a que tem melhor publicidade. E a verdade simplesmente não vende.

jotaC disse...

Caro Deputado Miguel Frasquilho,

Estou de acordo desde que as medidas se ajustem à verdadeira realidade.

Quero com isto dizer que se as medidas forem consensuais (e elas só são consensuais se forem compreendidas e suportadas por todos), então acredito que todos teremos a ganhar. Mas não é o caso. O caso é outro.

O caso faz lembrar muito aqueles "dizeres" que nos chegaram do tempo de Colbert: - Não se pode criar impostos aos ricos porque dão trabalho a muita gente; logo, tira-se àqueles que anseiam ser ricos...

Esta é que é a verdadeira realidade. É por isso que o seu governo saca por onde pode quem trabalha, funcionários públicos e reformados, deita foguetes e apanha as canas; e longe da realidade ainda não percebeu que vai chegar a altura em que haverá só pobres e ricos…

Luis Moreira disse...

Pode-se sempre vender a lua quando se sabe que ninguém a pede

Anónimo disse...

Meu caro Miguel, eis um escrito ajustado à realidade. Aliás, por muito que se diga, escreva ou comente os factos são o que são. Por muito que se suspire ou deseje a realidade é impiedosa. Há no entanto algo que sei que o Miguel partilha, a negação do determinismo e do demissionismo. Há muita coisa que podemos mudar na realidade de hoje...

Regina Nabais disse...

Não nego as dificuldades que encontraram e encontraria qualquer governo que se predispusesse a enfrentar a nossa situação.

Apesar disso, não encontro explicações para que não se tenham AINDA tomado algumas medidas previstas no Memorando da Troika, a saber: Revisão das exageradamente numerosas Estruturas Autárquicas e empresas,revisão dos Contratos com PPPs, em especial, as dos Transportes Públicos e da Saúde, revisão e REGULAMENTAÇÃO das organizações profissionais e, porque não, TAMBÉM,revisão da legislação de privilégios diversos no que diz respeito à Administração Pública CENTRAL, às Organizações Profissionais, em especial Ordens.

Poderia explicar, pormenorizadamente?

Ficaria muito AGRADECIDA.

OBSERVAÇÃO - Declaração de interesses: Não tenho preferência por nenhum partido político.


Rui Fonseca disse...


Senhor Deputado,

Aproveito, na falta de melhor oportunidade, para lhe colocar uma questão (entre muitas, escolhi esta)
que, como deputado, que também elegi,
pode certamente ajudar a esclarecer de forma conveniente e na sede própria.

A CES, a que senhor PM chama redução de despesa pública (nem só o senhor Bernardino Soares nem o senhor Hollande fazem o contrário do que prometem, a carteira do nosso PM também está recheada de promessas
inversamente cumpridas) mas, escrevia eu, a CES incide sobre, para além das pensões e reformas geridas pela administração pública, também sobre os fundos privados, geridos por entidades privadas, onde o Estado não tem responsabilidades nem riscos.

E, no entanto, para o senhor PM até os fundos privados são atingidos pelo CES e o produto dessa redução considerado pelo senhor PM, despesa pública!

Um cidadão que tenha adquirido PPR como forma de reforçar o seu pecúlio
após a idade da reforma (seguindo as recomendações de todos os quadrantes ideológicos do dito arco governamental) e tenha transformado esses PPR em renda vitalícia tem, por determinação deste Governo, essa renda sujeita a CES que pode atingir 50%, além do IRS.

Quem é o tolo que, estando ainda no activo, vai continuar a pagar para uma
renda futura que o Estado lhe confiscará em nome da redução da despesa pública?

Senhor Deputado,

Se não lhe for possível contribuir para a correcção desta arbitrariedade inqualificável faça, pelo menos, chegar ao senhor PM que nem a CES é redução de despesa pública e, muito evidentemente, a CES sobre fundos privados além de não ser redução de despesa pública é uma prepotência que acabará com a única possibilidade que
os actuais activos poderiam ter para reduzir os riscos da gestão pública.

E, que não nos tome a todos por ignorantes.