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quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

"Marlise Munoz"


No estado do Texas, assim como noutros estados norte-americanos, existem leis que nos obrigam a pensar sobre o objetivo das mesmas e quais as razões em que se apoiam. 
Marlise Munoz sofreu um acidente e acabou por ficar em morte cerebral, mas a senhora estava grávida, na altura na décima quarta semana. Segundo a lei deste estado não pode ser interrompido às doentes ou sinistradas o tratamento de suporte de vida caso estejam grávidas. O marido, paramédico, discorda da situação porque não pode cumprir com o desejo da mulher que nunca queria ser mantida "viva" por máquinas, em consequência da morte trágica do irmão. O marido e os pais tentam opor-se a esta violência legal e moral, mas, na minha opinião, com resultados pouco seguros. Meter a "justiça" da lei texana na Justiça não deve ser pera doce.
Os pais afiançam que o hospital lhes comunicou que a filha estava em morte cerebral, mas quando instado a se pronunciar sobre a matéria os responsáveis recusam-se a dizer o que quer que seja. Entretanto a gravidez vai decorrendo num ser que está "morto", mantendo-se as funções vegetativas graças a um encarniçamento patético justificado pela nova vida que deveria ter acompanhado naturalmente a mãe há muitas semanas se não tivessem tido esta atitude.
A lei tem objetivos bem definidos, a lei deve proteger e defender a vida, mas chegar a este ponto é muito discutível e até assusta qualquer um. 
As técnicas médicas devem ser postas ao serviço da humanidade como um bem, mas é um atrevimento difícil de explicar quando as mesmas são utilizadas para violar regras e vontades naturais. Há aqui uma nítida invasão do curso natural de uma condição. É legítimo intervir na natureza das coisas para as corrigir, mas não é legítimo que provoque dor, ansiedade e desrespeito pela vontade de um ser. 
A senhora está "morta". A vida de um feto faz-se num corpo sem alma e contra a vontade dessa mesma alma. Ultrapassa a minha compreensão. Evidentemente que a lei tem um propósito. Neste caso não está a defender os interesses de ninguém, mas sim de correntes ideológicas fundamentalistas. 
A ciência e as técnicas permitem corrigir os "erros e as desigualdades" da natureza. A ética tem de corrigir os "erros e as desigualdades" de algumas leis.

5 comentários:

Carlos Santos disse...

Caro senhor,
Discordo profundamente da lógica que valida o seu texto:
1- Quem pode garantir que era o desejo da senhora ser desligada da máquina, mesmo num caso extremo (tendo no seu seio um feto)? Muitas vezes as pessoas mudam de opinião perante casos destes.
Imaginemos que esta se preparava para doar um órgão ou parte a um familiar, será que também quereria ser desligada de imediato antes de fazer a doação correndo o familiar risco de vida?
2- Mas o mais estranho é mesmo o argumento "o que é natural".
Quer dizer que o senhor defende, como algumas Igrejas, que não se façam transplantes, transfusões de sangue, ou até, quem sabe, vacinas, antibióticos? Que eu saiba nada disso é natural.

Massano Cardoso disse...

" É legítimo intervir na natureza das coisas para as corrigir..." "
Transplantes, transfusões de sangue, vacinas, antibióticos", combater infeções, infertilidade, tratar doenças, coisas que já fiz, que já ajudei a fazer e que ainda faço na minha qualidade de médico.
Discordar é um direito.
Neste caso as opiniões do marido e dos pais são concretas, objetivas e respeitadoras da vontade da mulher e da filha, a quem não negam o seu amor.

Massano Cardoso disse...

A ciência e as técnicas permitem corrigir os "erros e as desigualdades" da natureza. A ética tem de corrigir os "erros e as desigualdades" de algumas leis.

Suzana Toscano disse...

Os progressos científicos colocam-nos cada vez mais problemas que a natureza se encarregava de resolver sozinha, sem intervenção da nossa vontade, das nossas emoções ou da nossa razão. Os deuses castigam-nos muitas vezes realizando os nossos desejos de vencer a morte, a decrepitude ou simplesmente de lutar contra a adversidade, o caso que o Prof. Massano Cardoso aqui nos traz é um bom exemplo de uma escolha quase impossível que a lei quis ultrapassar, quantas vezes foi preciso decidir entre a vida da mãe ou a vida da criança a querer nascer custando a vida da vida mãe quando as máquinas náo resolviam o problema? Neste caso, infelizmente a mãe está morta, é apenas um organismo portador, não tem vontade e a que teria tido em vida certamente não tinha contado com esta partida do destino, morrer podendo ainda dar vida, o mais que posso dizer é que, se fosse eu, teria querido que a criança vivesse, e então poderia morrer em paz.

Massano Cardoso disse...

http://www.publico.pt/mundo/noticia/hospital-do-texas-desligou-maquinas-que-mantinham-viva-mulher-gravida-1621206

A Justiça funcionou e o bom-senso também.