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terça-feira, 14 de janeiro de 2014

O efetivo poder

As TV colheram e exibiram dezenas de depoimentos de cidadãos franceses. Unanimidade: na senda do tradicional liberalismo de costumes, para os franceses o episódio da vida privada do seu chefe do Estado pouco lhes interessa do ponto de vista da qualificação de Hollande para o desempenho de funções. É um fait divers que não desvia das reais preocupações nem influencia o juízo individual e coletivo sobre as suas responsabilidades na condução política no seu país. Contudo, os media tomaram posição diferente e ergueram a alegada infidelidade do senhor a assunto de Estado de primordial relevância. Fazem-no com pormenores verdadeiramente caricatos como estas interrogações que dão lastro ás mais fantásticas análises: sendo o homem solteiro, pode verdadeiramente falar-se em infidelidade à primeira dama? E não sendo casado com a primeira dama, a primeira dama tem o direito ao estatuto?
Cada vez é mais evidente que é a comunicação social que dá ou retira dimensão política aos factos. Não admira, pois, que tantos façam gestão política em função da comunicação social.

8 comentários:

Bartolomeu disse...

Tão pertinentes quanto estas, será uma outra questão; quanto a mim, a primeira que deveria colocar-se, tanto lá, como cá. Primeira dama, porquê? O que tem a mais esta, que outra dama não tenha, para merecer que se considere a primeira? Por ser casada ou viver segundo um qualquer estatuto social, com o chefe do estado? Então, porque não é atribuído o mesmo "título" à mãe do mesmo? Ou à avó? Porque não atribuir o título a imensas outras mulheres de Homens que se destacaram pelo seu mérito em outras áreas da sociedade?
E, a que plano hierárquico obedece esta classificação? Porque existe uma escala onde se seguem uma 2ª, uma 3ª, uma 4ª damas? É engraçado verificarmos a necessidade que as pessoas evidenciam de se destacar dos demais, sem fazerem nada que o mereça verdadeiramente...

Unknown disse...

O que noto como retrocesso na vida colectiva francesa é o carrear para a politica o que durante anos( e bem) foi mantido na esfera privada.
A hipocrisia anglosaxonica de "esquecer" muito assunto importante (Lembram-se do Iraque ou da espionagem doG7 ou das reunioes emBruxelas por ex)e valorizar uma facadinha no matrimonio não se pode deixar de lamentar.

Pinho Cardão disse...

Caro Bartolomeu:
O meu amigo está a achinesar-se, penso eu de que...
As esposas dos imperadores chineses é que eram graduadas numa hierarquia rígida até ao grau 71. A partir daí era tudo ao molho.
Mas um molho cheio de benesses, mesmo que carecido de uma actividade mais frequente que era própria dasa primeiras setenta e uma...
Claro que faz todo o sentido haver apenas uma primeira dama, agora que estamos em tempo de restrições e com intervenção da Troyca.
Já na França, Hollande vai aproveitando poder dispôr de várias, isto enquanto a Troyca não chegar lá...

Luis Moreira disse...

Todo o sentido.

Bartolomeu disse...

É bem provável que esteja, caro Dr. Pinho Cardão... aliás, não tenho dúvidas de que os olhos já tenho em bico, com tanta coisa estranha que lhes passa pela frente.
Mas apesar de tudo, os imperadores chineses ficam prejudicados, se os compararmos aos mártires muçulmanos, que têm direito a mil e uma virgens... para a eternidade.
;)

Suzana Toscano disse...

Claro que é a comunicação social que dá dimensão aos factos, sejam eles quais forem, e escolhe aqueles que lhes valem mais audiências. Se um político ou uma figura relevante pelo cargo que ocupa tem pouco peso específico, o melhor é tratar de ganhar prestígio e notoriedade antes de se meter em problemas que distraiam as atenções e preencham as agendas mediáticas. Concordo em absoluto que a vida privada dos políticos não deve ser devassada e tem que ser respeitada mas também me parece que nem todas as circunstâncias permitem que um cidadão aja como se fosse um simples anónimo isento do juízo alheio. Hollande disse que é um cidadão que "por acaso" é Presidente da República e por isso não há que invadir a sua esfera privada, mas as coisas não são assim e não há como impedir que não sejam, o facto é que é hoje comum os políticos exibirem a família, fazerem-na participar nas campanhas, enfim, mostrarem-se como "exemplo" irrepreensível que inspira a confiança dos cidadãos. Mas se afinal se comportam como se ninguém os devesse conhecer, se se dividem entre "o cargo" e a pessoa, então o mais certo é que os tratem como um "acaso" nos respectivos cargos. Há de facto perda de liberdade individual quando se assumem alguns cargos importantes, a menos que se tenha já um estatuto tal que supere isso.

Bartolomeu disse...

Exatamente, cara Drª Suzana - «que tenha já um estatuto» ou então, que possua o dom da omnipotência; nesse caso já poderá ser umas coisas e outras em simultâneo sem que alguém o impeça ou critique (o que seria muiiiito desejável para muiiita gente).

Anónimo disse...

Meus caros, compreendo os V. comentários. Em especial a observação que a Suzana fez, certíssima, chamando a atenção para que não raro são os próprios políticos que constroem a sua imagem à custa da comunicação social. Não disse menos do que isso, escrevi até que o poder dos media é tal que a maioria dos responsáveis antes de pensar no interesse geral pensa no impacto mediático da medida que vai tomar.
Mas se reconheço que é assim, não consigo conformar-me com o caráter desmesurado e sobretudo incontrolado deste quarto poder (que ameaça ser o primeiro). Aliás, este caso de Holland é paradigmático: confundem-se questões de estado com questões de Estado.