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domingo, 23 de fevereiro de 2014

Domingo à tarde

Um dos meus passatempos favoritos é sair de casa sem destino. Saio. A minha mulher pergunta-me, sabendo antecipadamente a resposta, para onde vamos? Respondo, não sei. Começo a andar e deixo o destino às mãos do próprio. É a melhor maneira de fugir à depressão de um domingo à tarde. Acabei por entrar numa autoestrada à beira de casa. Novinha em folha, mais uma a somar a tantas outras. Entrei e andei. Vamos a Tomar. Entretanto fiz um desvio em Alvaiázere. Nunca tinha ido aquele local. Lembrei-me dos chícharos. É pena ser domingo. Gostava de os comprar. Fazem bem à saúde. Lá estás tu, com as tuas manias. Qual quê! Os chícharos são uma maravilha gastronómica para quem é diabético. Temos de começar a comê-los. A par dos feijões, das favas e do grão-de-bico é muito saudável para nós, para nós e para qualquer um. Entretanto retomámos a autoestrada. Sabes, somos um país muito rico. Penso não estar errado, li em qualquer lado que nós, portugueses, somos o segundo povo do mundo com mais quilómetros de autoestradas por habitante. Ai sim? E quem é o primeiro? O Canadá! O Canadá? Sim, mas é um país muito grande e com pouca população. Somos um povo muito curioso, pobre, em vias de nos transformarmos num país miserável, mas ricos em autoestradas. Claro que não estão pagas, nem sei quem vai pagá-las. Às tantas os nossos netos, não? Os nossos netos? Qual quê, os netos dos nossos netos. Credo! Não me digas. Digo, digo. Os nossos bisnetos é que vão pagar isto tudo? Não, os nossos trinetos. Valha-me Deus! Graças a Ele já não vou ver nada disso. A conversa continuou ao redor desta "riqueza" louca e de outros temas até chegar à entrada de Tomar. 
Olha, disse-lhe, parece que conheço esta curva. Conheces? Sim conheço. Conheço esta e mais esta. Há cerca de trinta e sete anos fazia este trajeto quando ia para Tancos, para a tropa. Lembras-te? Claro que me lembro. Gosto muito de Tomar. Temos de vir aqui passar uns dias. Chegámos, passeámos, entrámos num velho café que não mudou nada, rigorosamente nada em quase quarenta anos. Entrei na igreja, esbafori-me de beleza, de recordações de amor e de muitas outras coisas que afluem ao espírito sem esforço, mas com prazer e determinação. Gosto de viajar no meu país, gosto de recordar velhas histórias e lembranças arquivadas, dispostas a libertar odores inesquecíveis. Subi ao castelo, passeei e recordei o que é meu e o que é do mundo. Gosto de recordar, adoro imaginar, sinto que vale a pena representar. Sentir a vida e dar-lhe significado é viajar pelo nosso passado, passado individual e coletivo, sentir o amor desejado e o esquecido. Dar sentido à vida, através da beleza, do encanto e da esperança de novas lembranças, seduz-me. Entrego-me às suas mãos. Não me importo de morrer desde que possa inebriar-me de felicidade ao som dos seus cantos. É tão estranho e tão simples viver uma tarde de domingo em que consegui afugentar o meu amigo e triste fantasma. Não sei o que é que ele andou a fazer durante todo este tempo. Talvez tenha sentido alguma sensação de felicidade com a viagem que fiz. Espero que esteja bem. Eu fiz o meu possível, dentro da natural impossibilidade...

2 comentários:

Henrique Pereira dos Santos disse...

Os chícharos são bons (a clássica sopa de grão com espinahfres fica óptima com o grão substituído por chícharo) mas muitos dos seus colegas mais velhos ficariam espantado com a ideia de ser bons para a saúde. Na Espanha miserável da guerra civil houve muita gente doente (e morta) pelo consumo excessivo de chícharo (mas seria mais de 80% da alimentação, não é coisa que aconteça a quem come uma vez por outra).
henrique pereira dos santos

Henrique Pereira dos Santos disse...

serem bons, peço desculpa pelo erro de concordância.