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segunda-feira, 30 de junho de 2014

Mais guardiões do vício e da virtude

Os seus mais destacados elementos (grupos de extrema-esquerda), que valem no ambiente mediático muito mais de mil por cento do que valem nas urnas, desunham-se em entrevistas. Escrevem artigos. Influenciam análises. Consomem-se na intriga…”.
João Marcelino, Director do DN, em editorial do dia 29 de Junho, A extrema-esquerda e o PS 
Não foi preciso passar dois dias para a comprovação do facto e, pasme-se, na edição de 30 de Junho do próprio jornal dirigido por João Marcelino, que ocupa uma página inteira a verberar a participação de um destacamento de militares na procissão da Senhora da Saúde, no dia 11 de Maio, em Lisboa.
Chega o artigo a interrogar se tal participação não é inconstitucional, ilegal ou mesmo abuso de poder...
A participação ou não de militares na procissão é-me completamente indiferente. Mas já não me é a incultura histórica de quem pensa que o mundo começou com eles. Eles não sabem, nem algum dia compreenderão que a Procissão se iniciou em 1570, precisamente por iniciativa de uma companhia de artilheiros, como prece para acabar com a peste que grassava na capital.
À iniciativa logo aderiu o povo de Lisboa, numa comunhão com os militares, que nela continuaram a participar de forma praticamente ininterrupta ao longo dos séculos, com excepção de alguns anos após 1910 e 1974. Et pour cause…
Chamar a Constituição para impedir tal presença é mais uma comprovação do jacobinismo pateta de uma esquerda sem sentido, mas com um injustificado e injustificável poder mediático a que, como dizia o director do DN,  não corresponde qualquer adesão popular. Qualquer dia, para eles, já a própria procissão é inconstitucional. 
Verdadeiros talibans da Constituição, noutros lados estariam na primeira linha dos guardiões de um qualquer ministério do vício e da virtude. Por cá, pululam nos media. 

Natalidade nos mínimos, alarmes nos máximos?


Quem é que pode não estar preocupado com o declínio da natalidade? Mas uma coisa é estar preocupado, coisa diferente é estar disponível para fazer parte de uma solução que ajude a inverter ou pelo menos a travar este caminho devastador. 
Melhorar a natalidade poderia ser um desígnio nacional. Para além de um conjunto de medidas a tomar que terão que passar por uma política fiscal amiga da família, por uma articulação favorável entre a vida familiar e o trabalho e a acessibilidade a rede de equipamentos sociais, é fundamental que as empresas incorporem na sua realidade a natalidade. 
No campo da segurança social também poderão ser introduzidos benefícios que premeiem a maternidade, majorando por exemplo as pensões ou estabelecendo alguma diferenciação contributiva seguindo as práticas já adoptadas por outros países.
Mas nada funcionará se não existir confiança no futuro do país e no Estado em particular. Confiança quer dizer estabilidade e segurança, significa que o Estado não pode promotor hoje uma coisa e amanhã fazer o seu oposto. As políticas públicas de apoio à natalidade só funcionarão se conquistarem a confiança da sociedade. É uma tarefa muito difícil, considerando as políticas contrárias que têm sido seguidas. O problema não é apenas nacional, é certo, mas Portugal não acompanhou, em devido tempo, as preocupações e as políticas seguidas por muitos países europeus, em alguns casos com bons resultados. Fizemos de conta, olhamos para o lado, apesar de muitas campainhas terem tocado e durante muito tempo. 
O Inquérito à Fecundidade, realizado em 2013, publicado hoje pelo INE chama a atenção para a complexa teia de causalidade ente padrões de fecundidade e factores de influência e para a necessidade de informação que possibilite uma compreensão abrangente dos comportamentos de fecundidade que já tenham tido ou não filhos. Aguardemos pelo trabalho da Comissão nomeada pelo governo que está a estudar este assunto, mas não fiquemos à espera de milagres...

Política económica: nem tanto ao mar, nem tanto à terra...

1. Com chamada da 1ª página, podia ler-se na edição de Sábado do magnífico PÚBLICO um artigo dedicado à evolução recente da economia portuguesa, intitulado "A economia está a crescer graças à quebra da poupança".
2. O artigo, da autoria do (respeitável) jornalista Sérgio Aníbal, utilisa informação divulgada pelo INE na última 6ª Feira, que dá nota de uma quebra da taxa de poupança das famílias no 1ºtrimestre de 2014, para 11,9% do rendimento disponível, depois de ter atingido 13,5% no 2º trimestre de 2013, que foi o registo mais elevado desde a adesão ao Euro em 2009 (o mínimo foi atingido em pleno consulado socrático, 2007/2008, com valores da ordem de 5,5%).
3.Salienta o artigo que tem sido graças a esta quebra da poupança que o consumo privado tem vindo a recuperar ( ou vive-versa, acrescentarei eu), contribuindo para o regresso do País a taxas de crescimento positivas a partir do final de 2013.
4. E acrescenta que "este cenário de recuperação da confiança (dos consumidores) até pode ser considerado normal e desejável à medida que a economia recupera. O preocupante é se o crescimento estiver apenas sustentado nesta melhoria das expectativas"...
5....concluindo "Nesse caso, e tendo em conta o elevado nível de endividamento das famílias, esta subida do optimismo poderá revelar-se insustentável".
6. Como já aqui tenho argumentado, a maior ou menor sustentabilidade da recuperação da procura interna - um fenómeno natural, associado à melhoria das expectativas dos agentes económicos - tem um indicador muito claro: o comportamento das contas com o exterior.
7. Tal como referi em último Post, a evolução das contas com o exterior nos primeiros 4 meses de 2014 não obstante evidenciar alguma deterioração no saldo da balança Corrente - estava praticamente equilibrada nos primeiros 4 meses de 2013, este ano mostra um défice de cerca de 0,5% do PIB - permite concluir que a recuperação até agora verificada da procura interna é sustentável...
8....uma vez que para o conjunto do ano se devem esperar saldos positivos nas diversas rubricas das contas com o exterior (balanças Corrente, de Bens e de Serviços e Corrente+Capital, esta última aliás já positiva nos primeiros 4 meses),embora menos expressivos do que em 2013.
9. O que seria de estranhar, face a uma melhoria das expectativas dos agentes económicos e após a forte contracção dos últimos 4 anos, é que a procura interna não estivesse a recuperar...
10. Bem sei que, depois dos fabulosos erros acumulados ao longo de tantos anos, culminando na hecatombe financeira de Maio de 2011, toda a cautela será pouca para não se voltar atrás...mas isso não justifica que se anatematizem os primeiros sinais de recuperação da procura interna num contexto de melhoria das expectativas; será caso para dizer "nem tanto ao mar nem tanto à terra"...

A promessa esquecida

Já tem uma idade razoável. Por isso a vida presenteou-a com a doença. Vive sozinha, é autónoma, e anda, felizmente, bem. 
Depois de alguma conversa, e dos meus parabéns, os quais caem muito bem na sua alma, basta ver a alegria estampada nas feições, chamou-me a atenção para as festas da cidade. 
- Ah, é verdade! Este ano há procissão, não há?
- Há pois.
- Lembro-me que nos dias de procissão costuma estar um calor dos diabos.
- É verdade senhor doutor. A procissão do domingo é muito penosa. Agora já não vou.
- Era o que mais faltava. Não pode! Retorqui.
- Pois não. Sabe, eu sou irmã da Rainha Santa.
- Irmã da Rainha Santa? Explique-me lá isso melhor.
- É verdade. Até tive de levar um documento da junta a atestar a minha religiosidade.
- Não me diga! Foi há muito tempo?
- Foi. Paguei na altura cinco contos de réis. 
- Cinco contos? Era uma quantia apreciável.
- Eu gosto muito da Rainha Santa. Tenho muita fé. Muita. O senhor lembra-se daquelas dores muito fortes que tive na coluna?
- Então não me lembro.
- Pois olhe. Foram tão violentas que eu fiz uma promessa à Rainha Santa.
- Ah! Mas melhorou com a medicação, não melhorou?
- Sim. Disse de forma a poder continuar o seu relato sem dar muita importância à minha terapêutica. Mas sabe uma coisa? Esqueci-me qual foi a promessa.
- Esqueceu-se?
- Sim. Mas sabe como resolvo o problema?
- Não. Diga.
- Quando passo por lá deixo-lhe qualquer coisa, uma vela, um ramo, uma flor. Talvez ela se esqueça. Uma gargalhada contagiosa salpicou-me de uma forma intensa, provocando uma sensação agradável.
- Deixe lá. A esta hora a Rainha Santa já se esqueceu. Mesmo que não tenha esquecido já sabe como tratar as dores, não sabe?
- Ai! Suspirou. Se tiver essas dores eu faço-lhe novamente uma promessa, mas desta vez vou apontá-la para não me esquecer...

domingo, 29 de junho de 2014

Morte de um filho

Desde pequeno que toco na morte. Ensinaram-me a conviver com ela. Nunca me esconderam esse estranho episódio que faz parte da vida. Muitas das minhas primeiras experiências construíram-se em seu redor. Velhos, menos velhos e muitas crianças. Era o tempo em que Deus recrutava anjos! Nunca percebi bem o que levava Deus Todo-Poderoso a fazer anjos desta maneira. Era o que diziam sempre que me atrevia a fazer certas perguntas. Era pequeno e mal sabia escrever ou juntar as letras, mas fazia perguntas. Perguntas que tinham como resposta olhares surpreendidos e cheios de repreensões. Um dia respondi ao silêncio dos meus porquês. - Sabem? Ainda bem que Deus não quis que eu fosse anjo. Eu também não queria. O silêncio foi mais uma vez ultrapassado por outro tipo de silêncio. - Deixa-te dessas conversas. Eu deixava, mas continuava a sentir e a ouvir as lágrimas das mães a quem Deus roubava os filhos para os transformar em anjos. Levei alguns até ao cemitério, anjos sem nome. Quando colocavam a pequenina caixa branca no chão sagrado ficava triste e indignado com Deus. Nunca tive medo Dele, nunca. Depois, com a idade, fui vendo a partida de filhos antes dos pais. Muitos. Ficaram gravadas na minha memória as dores e as lágrimas dos pais. Ainda hoje correm na minha alma esses momentos, os mais dolorosos que um ser pode viver. Sempre que acontece um caso destes, todos os dias acontece, lembro-me do que pensava quando Lhe entregava um anjo roubado à mãe. Se Ele existir decerto que não se esqueceu do pensamento de uma criança de calções e joelhos esfolados. 
Eu não me esqueci, e nem esqueço.

Mas a Procuradoria, Senhor!...

Li que a Procuradaria Geral da República está a investigar os autores das provocações e dos insultos de que António Costa foi vítima em Ermesinde e não sou eu que deixo de apoiar o facto. Os prevaricadores devem ser sancionados. Ponto final.
Mas, ou me engano muito, ou nunca li que as provocações, os insultos, as interrupções ofensivas  de discursos, de que regularmente vêm sendo vítimas membros do governo e o próprio Presidente da República sejam investigadas pela Procuradoria Geral. Porventura por até concitarem a compreensão generalizada dos partidos da oposição, nomeadamente o socialista, e dos media, que logo desculpam tais actos como afirmação de liberdade de expressão que não pode ser negada.
O que é compreensível e até recomendável se for contra o governo ou contra o Presidente, é condenável se for contra Costa.  No olhar vesgo das oposições e seguidores é perfeitamente natural, enquanto tiverem os líderes que têm. 
Mas a Procuradoria, Senhor! 

sábado, 28 de junho de 2014

O quebra-cabeças dos cortes e dos chumbos...

É um verdadeiro quebra-cabeças o emaranhado de medidas que têm incidido nas pensões e os efeitos concretos no seu cálculo. As vítimas deste labirinto são os pensionistas que para além de verem o seu rendimento cortado, não sabem com o que podem contar. 
Atordoados com os cortes e os chumbos do tribunal constitucional vivem na permanente incerteza sobre o que o mês seguinte lhes reserva. De há muito tempo a esta parte que os pensionistas não conhecem um mês igual ao outro. Cada mês que se segue é diferente do mês anterior. Não bastando todo este emaranhado, são volta e meia bombardeados com cartas,  indecifráveis para o comum dos mortais, que descrevem o quadro jurídico-legal, citando as leis que se aplicam e outras leis que revogaram as primeiras e outras ainda que introduziram alterações nas segundas e por aí em diante,  um tratado que pode culminar com o anúncio de que será iniciado daqui por mais uns meses um reembolso em regime de prestações de um corte que inesperadamente chegou atrasado. 
O ano de 2014 é o campeão de medidas e contra medidas. Primeiro, o OE de 2014 introduziu o corte nas pensões de sobrevivência e não salvaguardou a acumulação da sua aplicação e da CES (contribuição extraodinária de solidariedade). Segundo, o OE Rectificativo veio estabelecer a proibição daquela acumulação, estabelecendo os respectivos critérios de aplicação. Terceiro, entrou em vigor o novo regime da CES, tendo sido alterado o montante da pensão a partir do qual a mesma é aplicada, de 1.350 euros (em 2013) para 1.000 euros. Quarto, foi alterada a contribuição para a ADSE. Quinto, o Tribunal Constitucional (TC) chumbou a redução das pensões de sobrevivência. Sexto, está em apreciação no TC a constitucionalidade do novo regime da CES. Sétimo, o governo aprovou a Contribuição de Sustentabilidade que substituirá em 2015 a CES. Oitavo, está a caminho do TC a fiscalização do aumento da contribuição para a ADSE. 
As medidas tomadas e alteradas pelo governo e os chumbos do TC darão origem a diversas correcções no cálculo das pensões, umas de sinal mais e outras de sinal menos. Não se sabe quando, nem como. A este respeito não foi produzido qualquer esclarecimento oficial. Por exemplo, quem vai ser reembolsado dos cortes efectuados nas pensões de sobrevivência terá acertos na CES, pelo que tem a receber, mas, também, tem a pagar. Os cortes das pensões de sobrevivência mantiveram-se no mês de Junho para espanto de muitos pensionistas que não entendem porque ficou tudo na mesma.
Este quebra-cabeças de cortes e contra cortes merece que os pensionistas sejam informados regularmente pelas entidades responsáveis, numa linguagem simples e acessível sobre as medidas, os efeitos da sua aplicação, os montantes em causa e o calendário da sua entrada em vigor e aplicação. E, já agora, convinha que estas entidades - Caixa Geral de Aposentações e Segurança Social - se coordenassem para evitar tratamentos contraditórios e diferentes. Não é pedir muito, os pensionistas agradecem...

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Multiplicação socialista

E há muitos na fila...
É votar...é votar!...

Sobre a questão do modelo de justiça constitucional


Há quase 30 anos (tanto tempo, Deus meu!), escrevi e publiquei as notas para um estudo que serviu de base às provas públicas do concurso para Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Incidiu sobre a justiça constitucional em Portugal e nele incluí um pequeno capítulo em que analisava as críticas ao modelo de controlo da constitucionalidade que tem como peça central o Tribunal Constitucional, adotado entre nós na sequência da 1.ª revisão da Constitucional, por referência à opinião expressa por Otto Bachof, emérito professor alemão de direito público , nessa altura uma das vozes mais escutadas sobre a matéria. Tive hoje necessidade de revisitar o que então escrevi. Mudei, ao longo do tempo, muitas vezes de opinião sobre questões de Direito, como é natural. Mas o que na minha juventude e na juventude da Constituição que temos, expressei sobre tema que, adormecido por muitos anos, de repente despertou interesse sobretudo de políticos, não perdeu acuidade. Aliás, este súbito interesse e as razões subjacentes, só comprovam - passe a imodéstia - o acerto do que opinava então e reescreveria agora sem tirar nem por: 

  •  “…acrescenta aquele professor (Otto Bachof): «mais importante que este problema é a outra questão que se trata igualmente sob a rubrica `politização da justiça': o facto de se confiarem aos juízes decisões de alcance político, pode supor um forte estímulo para que os grupos políticos influam nos critérios de selecção dos membros dos tribunais, e, sobretudo, do Tribunal Constitucional, dando lugar a que o provimento dos cargos não obedeça às aptidões mas às opiniões e pelas (verdadeiras ou presumidas) simpatias do candidato. Desde logo, este perigo não deve ser menosprezado». Temos fundadas dúvidas sobre se os autores da 1.a revisão constitucional encontraram a solução avisada contra o perigo assinalado. Dúvidas que resultam fundamentalmente dos critérios de designação dos juízes do Tribunal Constitucional. Nos termos do artigo 284.° [corresponde hoje ao artigo 222.º] os treze membros são nomeados, directa ou indirectamente, mas em exclusivo, pela Assembleia da República (dez designados pela A. R. e três cooptados por estes) o que significa que a solução encontrada não tomou em linha de conta o sistema de governo adoptado pela própria Constituição; sistema esse que se fundamenta na idêntica proeminência (sob os perfis da legitimidade do mandato e do complexo de poderes) de um outro órgão de soberania — o Presidente da República, numa tensão e constante equilíbrio de poderes. Além de que a profusão de forças políticas que compõem o nosso sistema de partidos representados na Assembleia da República, transforma a questão de escolha numa batalha no contexto da conjuntura e da correlação de forças parlamentares no momento da designação, dando um cunho fortemente partidarizado ao acto de eleição de um órgão que pela sua natureza deveria assumir-se com uma áurea de independência e imparcialidade. É certo que os constituintes procuraram criar algumas defesas contra esse risco ao imporem que três dos conselheiros e os três cooptados sejam juízes de carreira, isto é, pessoas cujo estatuto profissional e institucional sempre lhes exigiu exercício de funções jurisdicionais, com a independência, imparcialidade e a garantia da irresponsabilidade pelas decisões tomadas; e, ainda, que a sua eleição seja feita no seio da AR por maioria agravada de dois terços. É igualmente certo que o período de mandato dos juízes é superior ao da própria legislatura e estes gozam do estatuto da inamobilidade (artigo 22.° da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro), sendo-lhes proibido desenvolver quaisquer actividades político-partidárias de carácter público. E não deixa de ser verdade que a composição e a forma de designação dos juízes não é critério fundamental para avaliar da capacidade do órgão central do sistema de justiça constitucional em julgar da validade das espécies normativas, sem apelo a critérios políticos ou influências, por pressão, de outros órgãos ou forças. Até porque, em França, se fez ressaltar a independência e neutralidade com que o Conselho Constitucional se desempenha das suas funções, apesar de não ser um órgão jurisdicional. Mas não parecerá irreal afirmar-se que o passo dado em frente pela supressão da feição política da tutela constitucional em que consistiu a extinção do Conselho da Revolução, deveria levar a uma solução que colocasse o Tribunal Constitucional mais distante e, por que não dizê-lo, mais independente dos órgãos que fiscaliza”.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Duas velhas

Fui de metro até perto do hospital. Durante alguns momentos andei a pé. O sol convidava mas o dia assustava. Não era motivo para isso, assustava porque não me sentia bem. Nada que tivesse comido ou punhalada que tivesse sofrido. Sentia-me cansado e até um pouco farto destas andanças. Os meios grandes provocam-me tristeza e empurram-me para as bandas da indiferença. Com uma pachorra difícil de descrever fui andando. Vi muita gente, a maioria amarelecida e desprovida de alegria. Havia qualquer coisa nos seus olhares. Não sei se era dor, se era falta de amor ou uma solidão fria a correr em veias esgotadas de vida. Duas velhas vinham na minha direção. Uma era mais velha do que a outra. A velha mais nova, obesa, descuidada, deslavada e com um cigarro na mão, dava o seu braço direito à mais velha, cuidada, com aspeto fino, cabelo penteado e ar distante. Trazia na mão esquerda uma mala, pequena, castanha. A mais nova, de ar deslavado e olhar empertigado, depois de ter aspirado uma nuvem de tabaco enegrecido, atestou-lhe com uma voz rouca de vida de fumo: - Já te disse mais do que uma vez. Pega lá na mala como deve ser! O tom. Sim, o tom, imperativo, frio a contrastar com o calor do cigarro, chamou-me a atenção. Uma dureza difícil de descrever. Assustei-me. Não havia chama de amor naquela chamada de atenção. Tentei tatear alguns restos. Mas como encontrá-los naquela voz dura, rouca e implacável? Olhei para a senhora mais velha, penteada e cuidada. Abrandou o passo e tremeu um pouco. Sem dizer nada colocou a mala no braço direito. As feições eram semelhantes. Mãe e filha. Pensei. O olhar da mãe dava sinais de querer começar a perder o sentido e o significado da vida. Cuidada e bem penteada, longe da deslavada da filha, que empunhava um cigarro, não sei se para queimar o passado da vida que levava a seu lado, causou-me muito pena. Ao dobrar as pernas, na atrapalhação da mudança de mão da mala para o braço direito, a filha sacudiu-a com brusquidão, e em silêncio desapareceram na esquina, enquanto eu passei o portão.

Grupo Excursionista Os Amigos de Paulo Bento

Para além do material de treino e estadia, com milhares de peças, incluindo calções de passeio e casacos de entrada em campo e mais uma lista interminável de artigos de conforto, o Grupo Excursionista de Paulo Bento não prescindiu de levar para o Brasil, via Estados Unidos, uma equipagem completa de cozinha, composta pelos chefs Hélio Loureiro e Luís Lavrador e uma enorme remessa de matéria-prima comestível, não fosse faltar algo na cansativa viagem: 200 kg de bacalhau graúdo, umas dezenas de quilos de chouriço de carne, de salpicão, de alheiras, de grão de bico seco, de feijão encarnado seco, presuntos, arroz carolino, garrafas de azeite e vinagre, marmelada, queijo da serra, de s. jorge e flamengo, orelha de porco, polvo congelado, pernil de porco, vinho do Porto, eu sei lá mais quê.
Não sei se levaram também fogão, fogareiro ou equipamento de churrasco, que podia faltar no Brasil.
Mais. Prevendo certamente a catadupa de lesões que iria atingir os atletas (alguns até partiram já lesionados…), não faltaram na comitiva malas com material de contenção e ortóteses, de emergência completa, com medicamentação de apoio, marquesas, carrinhos de transporte, kits de pequena cirurgia, aparelhos de reabilitação funcional, material de suporte a hidratação e aclimatização e suplementos alimentares.
E, como grupo excursionista prevenido vale por dois, nem faltou a remessa de largas dezenas de blusões para o frio, não fosse o arrefecimento global tomar conta da Amazónia e do Brasil tropical
Na lista não consta, mas estou certo de que seguiu também um estilista cabeleireiro, dada a variedade de penteados que diariamente exibiam. Barbeiro, com certeza é que não foi, que os atletas apareciam normalmente revestidos de bastos pelos na face.
A excursão correu muito bem, tão bem que os excursionistas até se esqueceram do motivo que os levou tão longe. Chegam amanhã e vão gozar merecidas férias. Espera-se que demorem por lá.

Eugénio de Andrade -"O Outro Nome da Terra"

As Amoras

O meu país sabe a amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

Contas Externas: que conclusões, no final de Abril?

1. Foi esta semana divulgada informação sobre a posição das contas externas até ao final de Abril (Boletim Estatístico do BdeP, edição de Junho).

2. Trata-se de um tema a que aqui damos atenção, com alguma regularidade, em razão da sua extrema relevância como indicador da saúde (ou da falta dela) da economia portuguesa.

3. Até 2010, como se sabe, este indicador revelava um estado da economia próximo de comatoso, embora algumas mentes delirantes (e também determinantes, na altura) considerassem, na esteira do famoso Dr. Pangloss, que nos encontrávamos no melhor dos mundos, destinados a ter um futuro admirável, com um défice da Balança Corrente superior a 10% do PIB...

4. A situação mudou radicalmente entre 2010 e 2013, tendo neste último ano sido já registados superavits com algum significado, por exemplo de 1,7% do PIB no conjunto das balanças de Bens e de Serviços e de 0,6% do PIB na balança Corrente.

5. No corrente ano, como também se sabe, a recuperação do consumo privado (sobretudo de bens duradouros) e do investimento tem gerado um aumento das importações de bens (+2,5% até Abril), ao mesmo tempo que a suspensão temporária das exportações de refinados do petróleo gerou uma quase estagnação das exportações de bens (+0,5% até Abril).

6. Desta conjugação resultou um agravamento do saldo negativo da balança de Bens, em € 373 milhões (de € 2.010 milhões até Abril de 2013 para € 2.383 milhões até Abril de 2014), compensado apenas parcialmente por uma melhoria de € 53 milhões na balança de Serviços.

7. Esta deterioração de € 320 milhões no conjunto Bens+Serviços, foi acompanhada de uma deterioração de € 168 milhões no défice dos Rendimentos e de € 348 milhões nas transferências correntes da União Europeia; tudo isto explica que, no final de Abril, a balança Corrente apresente um défice de € 816 milhões, que compara a um défice de € 32 milhões no final de Abril de 2013.

8. Em contraponto, verifica-se uma melhoria do saldo da balança de Capital, em € 360 milhões (de € 705 milhões até Abril de 2013 para € 1.065 milhões até Abril 2014), pelo que, no conjunto balança Corrente+Capital se apura em 2014 um superavit de € 249 milhões, inferior ao registado no período homólogo de 2013 (de € 673 milhões).

9. Com base nestes dados pode pois concluir-se que em 2014 se deverão voltar a registar excedentes nas contas externas, embora com expressão provavelmente inferior à de 2013...

10. ...e que será assim possível sustentar, sem grande dano, uma recuperação do consumo e (sobretudo) do investimento...mas será conveniente seguir este indicador com a maior atenção, para que não se perca o controlo...

quarta-feira, 25 de junho de 2014

O acto ilocutório rejeitativo

Num dos últimos exames de Português, o texto literário, que se esperava de Camões, Vieira ou outro clássico, foi substituído por uma entrevista de um jornalista a um escritor, naturalmente da esquerda pura e dura.  
E, não sei se no mesmo exame, requeria-se que os alunos classificassem o "acto ilocutório" constante de um texto. Que o IAVE, que faz o exame e propõe as correcções, qualificava como "acto ilocutório compromissivo" e a Associação dos Professores de Linguística considerava como   "acto ilocutório assertivo"
 Trocar clássicos por entrevistas jornalísticas é a prova de que a literatura vai perdendo terreno, explicação para que os alunos nunca ganhem gosto pela leitura e pela escrita, de mais a mais enredados entre actos ilocutórios declarativos ou performativos, directivos ou expressivos e mesmo compromissivos, que o TLEBES (Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário), que antes se chamava Gramática, profusamente estatuíu e derramou no desensino do português.   
E que tem regras tão absurdas e distinções tão capciosas que, perante a controvérsia, levaram o Ministério a aceitar como de ciência certa as duas qualificações acima mencionadas. 
Perante o ensino da língua apresentado de tal forma, claro que os alunos considerarão a disciplina como um acto ilocutório rejeitativo. E, naturalmente, optarão por ilocutoriedades mais assertivas, expressivas ou directivas. E, principalmente, compromissivas com outro tipo de aprendizagens mais performativas. 

O País silente

Há dias ouvi alguém a dizer num programa de rádio que, no regresso à sua aldeia natal depois de muitos anos dela afastado, o chocou sobretudo o silêncio. O silêncio plumbleo num dia de sol por não se ouvirem os gritos das crianças que preenchiam ainda a recordação daquele sítio. Tinham sido dali levadas, pela manhã, por uma carrinha da freguesia para o centro escolar na sede do concelho onde se concentram agora professores e crianças. 
Ao mesmo tempo que o PM português reclama da Europa políticas ativas de natalidade, a política caseira, há muito definida, opta pelo fecho das escolas do interior, um passo mais para a consumação do que muitos entendem inevitável e tem marcado as políticas de PS, PSD e CDS: o despovoamento das zonas rurais e a aposta em eixos de grandes e médias cidades.
A caminho dos 85% da população acantonada no litoral, o fecho das escolas, dos tribunais, dos serviços públicos essenciais, a obsolescência  inevitável de infraestruturas são mera consequência de políticas que só são contrariadas no discurso eleitoral ou quando a situação passa a oposição.
O empobrecimento do país tem vários caminhos. Uns mais visíveis que outros. Quem tem o poder de decidir preocupa-se muito com outras dimensões da democracia que não a democracia territorial. E, infelizmente, o desgaste do prestígio que em tempos teve o poder local também não contribui para travar o declínio.
O arrependimento virá um dia num país que seguramente terá menos recursos para apoiar a inversão das políticas de hoje.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Balada do tempo

À minha mãe, nos seus 89 anos

Pesas como chumbo, eu sinto. Sinto quando me tolhes os pés que deviam poder andar, sinto-te nas pernas dormentes de velhice, sinto nos ombros o teu braço paralisante. Sinto o teu deslizar lento, insuportavelmente lento, enquanto olho da janela as folhas das árvores, primavera, verão, outono, inverno, sempre a mesma janela, sempre a mesma paisagem, num ritmo confirmado e exasperante.
Tomo consciência de ti e estás velho, tão velho e trôpego como eu, já não corremos os dois numa fuga infinita, já ninguém nos procura nem reclama, agora esperamos um pelo outro mas no vazio, sem promessas e sem negaças, no vazio em que te anseio e me aborreces, no vazio em que te demoras e te acolho como a um inútil sem sentido. Mesmo assim quero-te, não me deixes, fica mais um pouco, não te esgotes, se te instigo é apenas porque o teu lento deslizar prolonga as minhas dores e me devolve o eco da minha solidão.
Mas não foi sempre assim. Durante toda a minha vida nunca me sobraste, antes tive que te partilhar com os outros. Primeiro, quando era criança ou muito jovem, não dava sequer pela tua existência, não te via, não te sentia, estavas ali, infinito e leve, eras como o ar, a energia ou os carinhos da minha mãe.
Quando os anos passaram e me tornei adulta vivia na dependência de ti, intrometias-te e impunhas-te, depois, arisco, fugias-me por mais que quisesse deter-te, sim, quantas vezes pedi que te demorasses um pouco ao meu lado, deixando-me saborear a tua existência, saciar-me na demora dos gestos e na fruição de cada momento, mas corrias tão depressa, acordava de manhã e contava as promessas no teu sorriso mas logo te sumias, ainda eu mal te vira. Sedutor que eras, impossível ignorar-te, impossível resistir-te, por isso confiei sempre, uma e outra vez, que ias voltar para recomeçarmos de novo e que tudo seria novo e eterno de cada vez que voltasses. Por isso te adiei tantas vezes, na ilusão do retorno, por isso te ignorei outras tantas, na certeza de te recuperar. No auge da minha vida fui muito generosa com os outros, pediam-me um pouco de ti e eu dava, ou simplesmente puxavam-te e eu deixava que fosses, às vezes era sôfrega de ti, sobrecarregava-te quando finalmente te alcançava e então parecia que te detinhas mas acabava sempre a ver-te fugir, via-te a correr à minha frente e eu, Espera!Espera! incapaz de te guardar só para mim, por pouco que fosse. Esbanjei-te, acho que foi isso, desperdicei o quinhão que me coube da tua existência, da liberdade que me trazias, das oportunidades com que acenavas dizendo, estou aqui, sou teu. E eu a deixar-te ir.
Eis-te de novo, como sempre, mas agora vejo-te bem, entregas-te, agora que já não sei o que fazer de ti. Ficaste a rondar-me, preguiçando, desde que a casa ficou vazia e a minha vida sossegou. O teu passo abrandou e acertou com o meu, numa carícia discreta que me abraçava docemente, firmemente. Ri-me ao princípio, surpreendida e encantada, inventei conversas e detalhei-te minuciosamente, saboreando a minha nova arte de te cativar junto a mim. Mas era um novo engano, esse amargo descobri também, com os dias longos e as noites intermináveis, sem outro respirar além do meu.
Ficas porque já não tens caminho para correr, poucos te disputam, menos te reconhecem, novos tempos vieram e tu, velho tempo, tempo meu, posto de lado, não serves, não entendes, diz-se que passaste e é bem feito, que fizeste tu senão correr apressado, prenhe de promessas e de enganos?, cumpriste alegrias, é certo, mas aí eras ainda mais veloz, lembro-me bem que te vingavas nas horas más, atrasando o teu ritmo como pingos resinosos que se agarram à casca que os segrega e repele.
Sobras para mim, finalmente, velho ardiloso. Pesas como chumbo, eu sinto. Mas fica, ainda assim, fica um pouco mais, demora-te, vê as árvores, olha comigo através da janela, seduz-me ainda, maldito, querido sedutor, embala-me devagarinho até ao fim do tempo que já passou.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

A qualidade é o caminho...

É uma excelente notícia. Parabéns à Nova School of Business and Economics pela marca de excelência alcançada no mestrado International Masters in Finances. Um dos melhores do mundo. É o resultado da qualidade da investigação produzida. Um resultado gerador de capacidade de contratar professores com nome internacional e de interessar mais alunos estrangeiros. É interessante olhar para o respectivo nível de empregabilidade: 95% ao fim de três meses de concluído o curso, a sexta posição no ranking.

Cristo sem braços...



Mergulhei sem querer no interior de uma zona que conheço relativamente bem. Lembro-me perfeitamente da minha primeira e grande viagem de camioneta da minha vida. Era pequeno, tão pequeno que provavelmente ninguém dava pela minha conta. Não me recordo se já tinha entrado na escola. Se andava deveria ser há muito pouco tempo, porque ainda não sabia juntar as letras. Só sei que fui numa camioneta velha, barulhenta e ronceira pela estrada de macadame. Recordo as curvas, voltas e mais voltas até chegar à ponte sobre o rio Mondego. Depois começou a subir, espirrando e tossindo por todo o lado. Olhava para trás e via a nuvem de pó que escondia o rio, as escarpas e as árvores. De lado conseguia ver muito bem. Fomos por aí acima, chegámos a Tábua ao fim de muito tempo. A viagem continuou num dia cinzento, frio e chuvoso até chegar a Midões. Uma viagem muito longa para a altura e que me permitiu ver novas regiões. O meu pai, que nunca parava de conversar sempre que encontrava alguém, lá me ia perguntando se tinha sede ou fome. Mesmo que tivesse que diferença é que fazia, não tinha nada à mão para mastigar, exceto uns biscoitos maravilhosos que trazia embrulhados num guardanapo. Mas se os comesse ficava com sede e eu não tolerava a sede. Por isso não os comi, com medo. Ouvia o meu pai, que falava com o motorista, um homens alto, magro e que era nosso vizinho, sobre o João Brandão, um bandido que assaltava e matava as pessoas pendurando algumas na ponte de Tábua. Não gostei nada da conversa e fiquei com medo de que ele andasse por ali. Perguntei-lhe onde é que ele estava. Sossegou-me dizendo que tinha morrido, dois de ter sido desterrado para África. Mesmo assim não fiquei com boa impressão das histórias que contavam a seu propósito. Até chegou a dizer-me que ia até Santa Comba onde encontrava refúgio numas cavernas que devia haver lá. - Onde? Perguntei. - Nas Hortas! - Nas Hortas? No pinhal das Hortas? - Sim, ou então no Montragão. Não sei porque razão é que ele dizia aquilo, às tantas para me impressionar, misturando a realidade com a fantasia, o que era motivo suficiente para que construísse as minhas próprias "histórias", mesmo naquela idade. Ainda hoje recordo muito das minhas construções e confabulações sobre tão misteriosa figura que desde muito novo me atraiu e que me levou mais tarde a documentar-me de outra maneira.
O que é certo é que nunca mais esqueci aquela localidade, o João Brandão e a minha primeira viagem "longa" de camioneta com todas as fantasias inerentes. Depois, mais tarde, passei muitas vezes por aquele sítio, mas nunca me deu para parar e a visitar. Hoje tive essa oportunidade. Fiquei muito admirado com os solares e casas apalaçadas. Curiosamente, a festa do Corpo de Deus, por supressão do feriado, passou para o domingo seguinte. A igreja, de dimensões razoáveis, estava aberta, muita gente espraiava-se pelo adro e também pelo templo, com muitas crianças vestidas à maneira. Deverão ter cumprido mais uma etapa na sua formação religiosa. 
Entrei no templo. Do lado esquerdo, numa capela lateral, estava pendurado um belo Cristo sem braços. Chamou-me a atenção pela beleza que irradiava. O meu primeiro pensamento foi para o mais famoso bandoleiro da Beira Alta. Deve ter estado naquele lugar e olhado para a escultura. Não sei o que terá sentido, e nem sei mesmo se rezou, eu não, não rezei, apenas admirei uma preciosidade e pus-me a imaginar onde estariam os seus braços, escondidos, atrás das costas, ou numa postura imaginária deixando a cada um a construção de um quadro pouco habitual. Fiquei a olhá-lo durante algum tempo, um tempo que mergulhou noutros tempos, no meu e no de outro, combinando tempos diferentes no mesmo tempo.

domingo, 22 de junho de 2014

O Costa do Rato ou o rato do Costa

Se não pode haver um Congresso para eleger Costa, por causa dos Estatutos, então que haja um Congresso para alterar os Estatutos para eleger Costa.
O homem é mesmo cheio de "ratice" e nada lhe escapa. Aumenta a riqueza para acabar com a crise e desmantela os Estatutos para acabar com Seguro.
Com tanta "ratice", seguramente que fará carreira no Rato.

sábado, 21 de junho de 2014

Linha do Dão



Graças à televisão, com os seus programas culturais de sábado à tarde, nomeadamente a "ruralização" da Avenida da Liberdade em Lisboa, que deve ter encantado a capital com um fenomenal piquenique, fiz o que devia, desliguei a televisão e saí de casa à procura de algo mais interessante. Não é difícil encontrar alternativas. Não fui muito longe porque o solstício do verão está com uma azia dos diabos. É típico quando muda de hábitos e de estação. Fui até Tondela. Conheço bem esta cidade e cada vez mais me encanto com a forma como está a ser tratada e se apresenta ao cidadão. Há muito tempo que desejava ver o museu. Ao entrar tive o meu primeiro choque. Que espaço tão agradável! Foi no preciso momento da queda violenta de água. Livrei-me de boa. Pensei. Em seguida percorri um museu equilibrado, elegante, distinto e rico em exposição e sobretudo em cultura da região. Não há dúvida, é possível encontrar pérolas onde se menos espera. No final, como é meu hábito adquiri uma pequena peça para marcar uma futura recordação. A par dessa jarrinha negra também comprei um livro. Escolhi-o porque me dizia muito, trata-se de uma obra sobre a "Linha do Dão". As minhas memórias mais antigas correm ao longo dessa linha a par de muitas histórias. Uma delas tem a ver com o facto de a primeira vez que vi as carruagens e as máquinas a vapor da linha estreita, que na estação ficavam lado a lado com as que circulavam na linha da Beira Alta, serem muito mais pequenas. Como a perceção dos volumes nas crianças é um fenómeno esquisito, devo ter pensado que seria um comboio de brincar. Chorei, bati o pé, porque queria levar o comboio para casa. - Para casa? Como? É tão grande. - Não é nada. É pequenino. Olha para o que está ao lado, é pequenino, não vês? - Está bem. Depois vê-se isso. Sempre a mesma frase para terminar diálogos inconvenientes. Naquela altura a minha nova casa ficava mesmo ao fim da linha. Tanto era assim que mais tarde dizia que a linha começava à minha porta e terminava em Viseu.
Tantas viagens, tantas histórias, tantas recordações. Agora tinha nas mãos um livro que contava a sua história. Fiquei a conhecer melhor, mas muito o que esteve na sua base, os problemas, as intrigas, os interesses e as vantagens "financeiras" inerentes à sua construção. Afinal não eram muito diferentes daquilo que hoje reina por aí, sempre o maldito "carcanhol" para encher os bolsos dos mais espertos. Deliciei-me com o livro que conta os primeiros anos de uma linha que terminou 99 anos depois. Na semana da sua morte anunciada fiz o que deveria fazer. Meti-me na automotora com o meu filho mais novo, louco por comboios, e disse:-lhe: - Vais fazer uma viagem histórica, a última viagem de um comboio. Tinha seis ou sete anos, idade suficiente para gravar certos acontecimentos. Lembro-me bem dessa viagem e de muitas outras.
Parabéns a Tondela pelo seu desenvolvimento e equipamentos culturais, a melhor forma de respeitar os interesses e os direitos dos cidadãos.
Ganhei a tarde, fiquei mais rico, lembrei-me de coisas passadas, aprendi o que não sabia e evitei a "agressão" televisiva.

Política de casino

"António Costa tem a solução para a crise, é apostar no crescimento. Eu tenho a solução para o aquecimento global, é apostar no arrefecimento. O Paulo Bento tem a solução para as derrotas de Portugal, é apostar nas vitórias. No fundo, este país é um país cheio de soluções".
João Pires da Cruz, habitual comentador do 4R, em comentário ao post O Ovo do Costa  
Brilhante! Apostemos, pois!

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Ciência política com décadas de atraso

Nos últimos dias, perspetivando a hipótese de constituição de uma frente de esquerda alternativa à coligação no poder, aberta pelo discurso de alguns políticos em  época de disputa de lideranças, têm-se sucedido análises de politólogos da nossa praça - quase todos, senão todos, alinhados bem à esquerda -, que previnem para os riscos de desvios futuros nas intenções do PS de praticar uma verdadeira governação anti-liberal. Agitam-se a recordar que o PS tem desiludido o eleitorado "de esquerda" que nele confia porque acredita numa governação fiel à sua pauta de princípios ideológicos, assistindo depois à rendição a um liberalismo (sobretudo económico) que não destoa do praticado pelo PSD e pelo CDS.
Os nossos cientistas políticos não percebem que o socialismo e a social democracia já não são o que eram no princípio da segunda metade do século passado. Tal como esquecem que na Europa os partidos socialistas e social democratas só vingaram quando se posicionaram ao centro, acompanhando as mudanças estruturais observadas na sociedade europeia, designadamente o crescimento das classes médias.
Enganam-se os nossos cientistas. Não foi Mário Soares o primeiro a meter o socialismo na gaveta nos idos de 1983, nem Guterres e Sócrates os continuadores no final do século passado e na primeira década deste. Antes, muito antes - em 1969 -, já o SPD na Alemanha tinha renunciado à sua matriz marxista seminal no célebre congresso de Bad Godesberg. E quando os socialistas franceses chegaram ao poder em 1981, depois de prometerem a nacionalização massiva dos principais setores a economia, foram políticas liberais que empreenderam exatamente sobre esses setores, estimulando a economia de mercado e lançando uma onda de desregulamentação que perdurou por uma década. Em 1995, foi a vez do Partido Trabalhista britânico abandonar a sua matriz, quebrar a ligação umbilical ao movimento sindical que já não o alimentava com eleitores, e aceitar que a sobrevivência do Estado Social em tudo depende da dinâmica da economia para criar riqueza. 
Portugal, nalgumas áreas das ciências sociais, sofre do problema endémico do atraso e de uma dificuldade de perceber o curso da História, prisoneiro que está de velhos maniqueísmos. Muitos anos nos separam já do momento em que a esquerda europeia aceitou a economia liberal, e a direita a necessidade da solidariedade social. Criar riqueza para melhor a distribuir é a ideologia que cativa mais eleitores, sendo uma evidência assinalada pelos melhores autores. Entre os partidos do centro que disputam esses eleitores as matizes ideológicas tendem a variar somente na "dose" de Estado para realizar as políticas e nas formas de redistribuição da riqueza gerada. O que, não sendo pouco, está a anos luz de distância das velhas clivagens ideológicas que ocupam as mentes dos novos gurus da ciência política caseira.
   

quinta-feira, 19 de junho de 2014

O ovo do Costa

Um certo Costa acaba de descobrir o ovo de Colombo para nos tirar da crise. O ovo consiste simplesmente na criação de riqueza. Simples e óbvio. E ainda ninguém tinha reparado!...
Criação de riqueza como contraponto à governamental opção de aumentar impostos, diz Costa. Chama-lhe mesmo terceira via que, só por si, logo indica rapidez. Cria-se riqueza e a crise logo desaparece. Uma terceira via toda simplex.
Temos estadista!...
PS: Reparei depois que Costa acrescentou que não exclui o aumento de impostos. Ora bolas: afinal uma medida alternante que não dispensa a alternada... Coisa de alterne?

Tribunal angelical

O TC anunciou rejeitou a aclaração ao acórdão que chumbou os cortes salariais na Função Pública,por considerar não haver "qualquer obscuridade ou ambiguidade" na decisão. E reafirmou que ela produz efeitos a partir de 31 de Maio.
Já se vinha sabendo que os grandes princípios geralmente invocados pelo TC tinham que ser compreendidos no contexto de uma geometria assaz variável ou, numa linguagem mais adequada, se subordinavam ao princípio mais geral do relativismo, tão do agrado dos nossos tempos. Assim aconteceu com a CES, tornada absurdamente constitucional em nome dos princípios da equidade e da igualdade, mas que discrimina violentamente activos e reformados. Uma decisão que violenta a Constituição e que em nada dignificou o Tribunal. 
Também agora o grande princípio da igualdade se relativizou face a um mais relevante princípio, o princípio da data, a mais recente inovação do TC: uma igualdade antes de 31 de Maio e outra igualdade depois de 31 de Maio. Antes, subsídios sem cortes; depois, subsídios com cortes. Claro que o TC não diz isto, angelicalmente limitou-se a reiterar a data. E lavou daí as mãos.

Saída limpa


Tenho amigos monárquicos que nunca conseguiram convencer-me das vantagens das monarquias. Compreendo a atração pela estética das velhas aristocracias, que arrasta a atenção de milhões em todo o mundo, o fascínio pelo espetáculo das novas cortes, pela imagética e glamour de príncipes e princesas. Mas continuo a não entender que, nos dias de hoje, existam democracias onde o poder, mesmo que seja meramente simbólico ou de representação, radique no privilégio sucessório. Entre mérito e hereditariedade, nada me diz que deva escolher outro que não o sistema que se baseie no primeiro, ainda que os sistemas partidários vigentes e a cultura do quanto pior melhor, tornem a meritocracia uma quimera.
Dito isto, sei da História recente de Espanha, o suficiente para reconhecer o papel fundamental de Juan Carlos na transição e na consolidação da democracia, no terreno difícil como foi o do pós-franquismo. Mas acentuei a admiração pelo Rei observando a enorme dignidade com que, chegada a hora, cedeu o seu lugar. O corpo, e porventura a mente, apresentam visíveis os sinais do que é a humanidade. Depõem definitivamente contra a divindade da realeza. Mas ao contrário dos exemplos do lado de cá, exemplos de lamentável exploração da decrepitude e a falência humanas de quem teve responsabilidades de chefiar o Estado, Juan Carlos soube ser e parecer, até ao fim e pese embora as fraquezas que lhe apontam, mais do que o Rei, um líder digno. A História reserva-lhe-à um trono de respeito.

terça-feira, 17 de junho de 2014

D. Lúcia


D. Lúcia tinha a sua venda de legumes e fruta no mercado municipal há muitos anos, desde que o marido morrera e ela decidira pegar na vida tal e qual ele a tinha deixado. Mesmo depois dos filhos criados não largou o negócio, tenho que me entreter, dizia ela, o que faria em casa a olhar para as paredes, eu nem gosto de televisão, aqui sempre converso e passa o tempo a correr.
Era uma das primeiras a chegar de manhã, fizesse frio ou calor, chuva ou sol, e quase a última a arrumar a banca de metal, à espera das clientes mais tardias, escusavam as coisas de ficar para o dia seguinte, dizia sempre a D. Lúcia, com o seu sorriso firme, a atrasar o momento de ir embora.
A sua figura esguia, de cabelo muito curto e branco, sempre vestida de negro, parecia fazer parte daquela paisagem de cor e movimento, a marcar a diferença, não, a marcar o propósito, a decisão de ocupar o seu lugar por direito próprio, sem ter que mudar nada de si própria.
Em contraste com as suas vizinhas de lugar, nunca falava alto e movia-se suavemente, os gestos medidos, o olhar atento a pesar a fruta na balança, limpando as mãos ao avental antes de rabiscar as contas a lápis, num bloco eterno que lhe saía do bolso.
Mas D. Lúcia sofria do coração, volta não volta tinham que a levar ao hospital, exames e mais exames e a conclusão era sempre a mesma, difícil continuar a adiar a operação. Mas ela, teimosa, quando lhe perguntavam pela data dizia que havia lista de espera, que estava constipada, que era Inverno, enfim, desfiava desculpas porque não queria arriscar a convalescença longa, morrer ainda é o menos, escandalizava ela as vizinhas de bancada, o pior é ficar em casa sem nada que fazer.
Mas no sábado passado a banca estava vazia. Não era vazia, não senhor, a banca estava deserta, um espaço livre sem vestígio da sua utilidade, nem balança, nem caixotes, nem raminhos de cheiro pendurados na janela, nem pilhas de sacos plásticos sempre arrumados num canto ao fim da manhã de domingo.
A Lúcia? A vendedeira do lado já está habituada à pergunta, as clientes voltam sempre no início do Verão, Sim, foi operada há um mês, foi ao engano, disseram-lhe que era só para por uma pilha, coisa de dias, mas foi mesmo de peito aberto, coitada, sim, correu muito bem, poucos dias depois já estava em casa, o médico diz que não podia ter sido melhor, com tanto adiamento. Ah, o lugar vazio, pois é, a filha veio cá e levou tudo, diz que não valia a pena manter a venda, era uma despesa com a licença, além disso a carrinha estava velha, a balança estava velha, a mãe vai nos 72 anos, seis meses em casa a recuperar, depois mete-se o Inverno, não vai voltar, para quê? É assim, decidiram assim, vai um ponto da vida que já não somos senhores de decidir nada, os filhos é que mandam. Sim, a operação correu bem mas a filha anda preocupada, diz que a mãe não quer comer, vira a cara e não diz palavra, não percebem aquela tristeza, pobrezinha.

domingo, 15 de junho de 2014

Uma Loja do terceiro mundo...

Desloquei-me há duas semanas à Loja do Cidadão das Laranjeiras em Lisboa para renovar o passaporte. A Loja do Cidadão dos Restauradores fechou. Encontrei um espaço próprio de um país do terceiro mundo. Um espaço sem condições para acolher as centenas de pessoas que em cada momento esperam e desesperam pela sua vez. Um serviço público de má qualidade, um mau exemplo, uma situação que já não é aceitável qualquer que seja a justificação. São horas de espera. As condições de acolhimento são verdadeiramente deprimentes. As pessoas estão amontoadas, a maior parte delas de pé, outras sentadas no chão, o número de cadeiras não é suficiente, a circulação no interior do espaço faz-se com dificuldade, a climatização é deficiente e muito mais haveria para dizer.
Esperei para cima de quatro horas, sem saber à partida qual seria o tempo de espera. Esta informação não está disponível. As pessoas são obrigadas a sujeitarem-se à burocracia. Tem que ser, afinal ninguém pode prescindir de documentos oficiais de identificação. Ainda tentei fazer uma marcação para um atendimento em hora pré-definida, o serviço está anunciado no site. O telefone tocou, mas ninguém atendeu.
Com que direito se exige que as pessoas tenham que faltar ao trabalho ou tenham que tirar um ou mais dias de férias para tratarem do cartão do cidadão? Como pode um serviço público gerar tantos custos económicos e sociais? Onde está a produtividade em nome da qual tantas medidas de austeridade têm sido tomadas? A que título um serviço público essencial desta natureza presta um tão péssimo exemplo do que não deve ser a administração pública? Um caso que não dignifica o Estado, que exige dos cidadãos uma paciência absurda. Ninguém ganha com este estado de coisas, confesso que fiquei envergonhada...

O melhor do mundo

Cristiano Ronaldo, o melhor do mundo, monopoliza por inteiro primeiras páginas, fotografias, aberturas de telejornal, entrevistas exclusivas, pedidos de comentários, como se para os media não houvesse mais vida para além da ronaldolatria. Assim a modos como, noutro contexto e noutro lugar, se invoca o Presidente Eterno e o Grande e Querido Líder
Tal se deve ao sucesso desportivo, dirão muitos. Mas não só e, sobretudo não só, direi eu.
Devido àquele, multinacionais globais, incluindo companhias aéreas, linhas de roupa interior, empresas de produtos alimentares, higiene capilar ou equipamento desportivo, e até um banco português, fizeram de Ronaldo o seu símbolo. O melhor do mundo deixou de ser um qualificativo pessoal, tornando-se um instrumento de marketing sujeito às suas regras. Os patrocinadores naturalmente promovem tal onda avassaladora de presença maciça nos media, já que o simples facto dessa presença se torna, por si só, uma poderosa forma de publicidade subliminar, levando à recordação dos produtos patrocinados e associando-os à qualidade de melhor do mundo. Uma publicidade eficaz e aparentemente gratuita. 
Aprentemente, porque instrumentalizados são muitos dos jornalistas, cabendo-lhes o papel de bons da fita ou de ingénuos, para gáudio dos mercenários, sempre disponíveis para confundir critério informativo com critério comercial , tanto mais bem pago quanto mais tingido de informação.
Afinal, o grande lema (mal) encapotado do actual jornalismo.
Nota: Obviamente que Ronaldo é um excelentíssimo profissional e merece, por isso, todos os elogios. Mas com conta, peso e medida e não, como muitos, a soldo, dizem, Ronaldo e mais dez. Elogio para um, vitupério para os outros todos normalmente só traz derrota.  

sábado, 14 de junho de 2014

Incompreensão inconstitucional

..."Não consigo compreender que...um juíz do Tribunal Constitucional consiga dizer que os portugueses não podem acreditar nem no Governo, nem no Parlamento, nem no Presidente da República, tendo, hoje, por único factor de confiança o Tribunal Constitucional..."
..."Não consigo compreender que o PS tenha aprovado uma moção de censura do PCP ao Governo, em cujos considerandos estava, entre outros, a necessidade de levar Portugal a sair do euro..."
"...Acresce que não consigo acreditar em D. Sebastião, o mais persistente e talvez o mais pernicioso dos nossos mitos. Levou-nos à derrota, sim, à derrota, em Alcácer-Quibir..."
Daniel Beça, no Expresso de 13 de Junho, Tempos de Desânimo

Eu também não consigo compreender!...E admito que seja uma incompreensão seguramente inconstitucional. 

Reposição de cortes, aumento de impostos, tudo ou nada? (actualização)

Regressada de férias, leio nos jornais que o governo vai avançar com novos cortes nos salários dos funcionários públicos em Agosto. Novos? Não, são afinal os cortes que estiveram em vigor de 2011 até 2013. Os cortes serão repostos. É o que a meu ver faz sentido. Isto mesmo expressei aqui há cerca de duas semanas atrás quando foi avançado o aumento de impostos para fazer face ao chumbo do Tribunal Constitucional. 
Há ainda uma outra perspectiva sobre as medidas dos cortes em torno dos salários da função pública. Parece-me fundamental que os funcionários públicos saibam com o que podem contar. Não é sustentável que sejam constantemente surpreendidos com cortes, anulação de cortes, novos cortes ou reposição de cortes, devolução de cortes, etc. Esta imprevisibilidade não é desejável, as pessoas precisam de programar as suas vidas, feitas de decisões que dependem, numa parcela significativa, do rendimento do trabalho. E o normal funcionamento da Administração Pública também o exige. E a credibilidade da política orçamental também.
Mas está a caminho uma nova tabela salarial da função pública. Ainda não se conhece como vai ser compatibilizada com os cortes salariais que serão, entretanto, repostos e a sua devolução gradual nos próximos anos.
Entretanto, aguarda-se a decisão do Tribunal Constitucional sobre os cortes nas pensões, numa versão semelhante aos cortes nos salários da função pública. Com efeito, o regime da Contribuição Extraordinária de Solidariedade que vigorou até 2013 foi substituído por outro mais gravoso, em vigor, com a alteração do limite a partir do qual os cortes se aplicam: 1.000 euros em 2014, contra 1.350 euros. Quando será pronunciado o acórdão é também uma incógnita...

Simplesmente Papa Francisco...


O Papa Francisco concedeu uma entrevista a Henrique Cymerman, transmitida ontem à noite na SIC Notícias. Estive à "conversa" com o nosso Caro Bartolomeu sobre esta magnífica entrevista, a propósito de um post que fiz sobre o encontro para a Paz realizado no Vaticano. É extraordinária a vocação do Santo Padre para fomentar a reunião dos homens e das nações, com gestos e pensamentos simples cheios do óbvio e de desejos partilhados por milhões de pessoas de todo o mundo. É difícil não concordar com a análise que o Papa Francisco faz sobre os excessos da “economia”, que tem repetido em várias ocasiões. Se tivesse que escolher uma das muitas reflexões que fez, escolheria "a política é uma das formas mais elevadas de amor”, pelo desafio e recado que encerra… 

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Perspectivas de compromisso político de médio/longo prazo: algumas, escassas ou nenhumas?

1. Na sua (2ª) alocução, durante as cerimónias do 10 de Junho, o PR insistiu, mais uma vez, na necessidade de um compromisso entre as principais forças políticas, com incidência no médio/longo praz, envolvendo os grandes objectivos das políticas económicas/sociais.

2. Compreende-se (e louva-se, até, como F. Sarsfield Cabral), a insistência do PR: um tal compromisso, por força da redução do risco político, deveria produzir um impacto bastante favorável nas expectativas (internas e externas) quanto ao desempenho futuro da economia nacional e, entre outros benefícios de mais curto prazo, talvez acelerasse a revisão em alta do “rating” atribuído á dívida portuguesa.

3. Nas circunstâncias presentes, todavia, em que se assiste a uma duríssima peleja no interior do principal partido da oposição, as perspectivas de um tal acordo são infelizmente baixíssimas: acossado por alas socráticas e soaristas, o actual líder, por muito boa vontade que lhe vá na alma, não tem qq espaço de manobra para aderir a tal iniciativa...se o fizesse, talvez estivesse a selar, desde já, o fim do seu consulado.

4. Mas, e quanto ao cenário pós-peleja no universo Crescimentista? Aqui as coisas ainda mais se complicam, pois, de duas, uma: ou o actual líder consegue manter-se no cargo (sendo também candidato a PM, por força das eleições previstas para o início do Outono) e, depois de sobreviver a uma duríssima refrega, o mais provável é que enverede por uma radicalização do discurso político para justificar a vitória...

5. ...ou o actual líder não sobrevive e é substituído pelo seu arqui-rival, apoiado pela artilharia socrática e soarista, o que significará, quase inevitavelmente, o retorno, em força, da filosofia socrática às tomadas de posição Crescimentistas.

6. E essa filosofia repele, instintiva e visceralmente, a adesão a qualquer iniciativa do actual PR, por maior que seja o benefício que o País pudesse retirar da mesma.

7. Assim, nas opções indicadas no título deste Post quanto às perspectivas de um compromisso de médio/longo prazo nos termos recomendados pelo PR, aponto para algo entre “escassas” e “nenhumas”, mas mais próximo do segundo termo.

8. Infelizmente? Poucas vezes terei tido tanta vontade de não ter razão, mas, como todos sabemos, as coisas são o que são e não o que desejamos que fossem...



quarta-feira, 11 de junho de 2014

Um homem sem préstimo

"Era o que mais faltava que, por indisposições de quem está no poder, as pessoas não se pudessem manifestar".
Mário Nogueira, dito professor, sindicalista profissional 
Perante um homem que desmaia, um homem que berra cala-se. Nogueira continuou a berrar. E a dúvida que se lhe pode pôr na política- ele presta-se à direita ou à esquerda?- fica desfeita: simplesmente ele é sem préstimo". 
Ferreira Fernandes no DN, O desmaio e o homem sem préstimo
Tudo, em poucas linhas.

Ai que vontade que tenho...

... de comentar uma entrevista dada por quem se apresenta como especialista em direito constitucional!
Não consigo, porém, ajustar as palavras à exigência do 4R.


Taxa de juro da dívida pública em mínimos de 9 anos...

1. No leilão de dívida pública ao prazo de 10 anos, realizado esta manhã, o Tesouro logrou colocar € 975 milhões, obtendo uma taxa de juro média de 3,25%: trata-se da taxa de juro mais baixa desde o início da era dos Grandes Estragos, que conduziria ao famoso resgate de Maio de 2011...

2. É curioso notar que esta taxa de juro se encontra já ao nível do custo médio dos financiamentos negociados com os credores oficiais o que, a manter-se, permite considerar o recurso ao financiamento em mercado como um sucedâneo quase perfeito do financiamento da chamada Troika...

3. É natural e até certo ponto compreensível que estes resultados constituam um factor de desapontamento para quantos esperavam, da parte dos mercados, uma atitude punitiva em resposta ao decantado chumbo do TC...

4. ...e encontrassem nessa reacção punitiva mais um argumento, de peso, a favor da proclamação de um “Estado de Emergência” político/social para que têm instado, sem cessar, o PR...

5. Alguns dirão que este resultado é a consequência das novas medidas anunciadas pelo BCE, na semana passada, que terão tido o condão de amaciar ainda mais os mercados no tocante às dívidas dos chamados periféricos do Euro, e que por exemplo explicam que a taxa de juro implícita na cotação da dívida pública de Espanha (yield), ao prazo de 10 anos, esteja a nível já inferior ao da dívida dos EUA para o mesmo prazo.

6. Não vou negar essa influência, que me parece razoável admitir, mas o problema é que declarar um tal “Estado de Emergência”, nestas circunstâncias, seria um acto absolutamente insano...

terça-feira, 10 de junho de 2014

Os donos da república

Que os partidos partners dos promotores da vergonhosa manifestação no decorrer do discurso do Presidente da República nas comemorações do Dia de Portugal, não a tenham condenado, é compreensível. Não se condena o que se estimula e dinamiza.
Que da parte do Partido Socialista não se tenha ouvido qualquer sentimento ou expressão discordante, também se compreende. A ética republicana que reivindicam só funciona quando a República é sua, porque o Presidente é um dos seus. Se é dos outros, pois que seja republicanamente enxovalhado.  

Os caprichosos meninos ricos

A Federação Portuguesa de Futebol irá pagar 400.000 euros a cada jogador, num total de mais de 9 milhões de euros, caso a selecção ganhe o Campeonato do Mundo de Futebol. Trata-se de um dos prémios mais elevados pagos pelas selecções participantes (o 3º maior prémio dos países europeus e o quinto no cômputo global). A título de comparação, países ricos como a França, a Alemanha e a Itália pagam bem menos, na ordem dos 300.000 euros a cada atleta.
O prémio previsto por Portugal, nove milhões de euros, é equivalente ao orçamento conjunto de 5 ou 6 clubes da nossa Primeira Liga de Futebol, Liga que se arrasta com salários em atraso e incumprimentos contratuais. 
Mas isso não invalida que uma Comissão Sindical presidida pelos senhores Cristiano Ronaldo, Bruno Alves, e Raúl Meireles tenham exigido tal contrapartida como condição da sua augusta presença. E que a Federação tenha acedido a aceder à sua divina vontade. 
Claro que a fixação do nível de salários dos melhores desportistas se insere num mercado dos mais perfeitos, onde a concorrência é efectiva, a lei da oferta e da procura atinge a plena validade e o mérito é soberano. Mas, no caso de uma selecção, um atleta não está no mercado, pois só pode actuar pela sua selecção, sendo-lhe vedado aceder a ofertas de outra. Por isso, face à situação do país e à situação económica dos clubes de futebol, um prémio de 400.000 euros é injustificável e assume a natureza de condenável pornografia pura e dura.  
Admirável é que quem tanto se rebela contra salários ditos milionários de 5.000 euros sujeitos a descontos de mais de 40% ou contra salários de banqueiros que não atingem, num ano, os 400.000 euros por um mês de trabalho na selecção, não tenha uma palavra sobre esta matéria. De partidos políticos, a organizações sindicais e a jornalistas que tanto invectivam quem possa ganhar acima da média. Nem um murmúrio, mesmo sabendo que o Estado continua a subsidiar a Federação entre dois a três milhões de euros anuais. Reles hipocrisia, sempre pronta a fazer o jogo dos caprichosos meninos ricos.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Para fazer a paz é preciso coragem...

Aconteceu ontem no Vaticano: um encontro histórico para a paz. O Papa Francisco reuniu o presidente de Israel, Shimon Peres, e o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, para em conjunto rezarem pela paz. O Santo Padre já nos habituou a gestos simples carregados de significado: "Para fazer a paz é preciso coragem, muita mais do que para fazer a guerra. É preciso coragem para dizer sim ao encontro e não à briga; sim ao diálogo e não à violência; sim às negociações e não às hostilidades; sim ao respeito dos pactos e não às provocações; sim à sinceridade e não à duplicidade. Para tudo isto, é preciso coragem, grande força de ânimo."

Estádio de Leiria custa € 500.000/mês à Câmara Municipal...

1. É notícia, hoje, mais um bom exemplo dos muitos “investimentos estratégicos” de cuja realização, com abundância notável ao longo dos últimos anos até ao rebentamento da crise financeira, o País se pode orgulhar - neste caso gerando um encargo líquido permanente de € 16.750/dia, € 500.000/mês, € 6 milhões/ano...

2. Por “investimento estratégico” pode entender-se aquele que, uma vez concluído e iniciada a fase de exploração, tem aptidão para gerar “cash-flows” negativos (custos superiores aos proveitos mesmo esquecendo as amortizações), por tempo indefinido, assim contribuindo para um desenvolvimento socialmente mais harmonioso, através do agravamento da carga fiscal...

3. São estes investimentos que “enchem o olho” aos denodados e simpáticos Crescimentistas: os quais muito apreciam repetir, até à saciedade, os benefícios associados à fase de concepção/construção (geração de empregos e de rendimento, efeitos a jusante/montante, etc)...

4. ... mas que esquecem, por necessidade lógica, os rendimentos negativos ou encargos que perduram até á eternidade e que alguém terá de pagar (os contribuintes, obviamente, normalmente por interposta pessoa, neste caso a Câmara Municipal).

5. A única solução para travar estes encargos permanentes sobre o erário público ocorre quando estas obras são deixadas ao abandono, sujeitas aquele processo de “upgrade” conhecido por vandalização...

6. Importa sublinhar que a realização deste tipo de “investimentos estratégicos” nunca suscitou, nem felizmente suscitará, a ninguém, quaisquer dúvidas de constitucionalidade...

Seara ao Constitucional. Já!...

Fernando Seara candidatou-se a Presidente da Liga de Futebol. Para não falhar, teve mesmo o enorme cuidado de o fazer em duas listas diferentes.
Mas, nada a temer, em caso de fracasso. É que ele também possui aquela capacidade suprema de juntar palavras por grosso sem nada expressar que o tornam candidato de peso a qualquer vaga ou mudança no Constitucional.
Se não, vejamos:
A mudança - ou a verificação de tendência para a mudança - obriga à compreensão e assunção do reconhecimento. Importa (i) reconhecer e assumir o processo de profunda mutação dos sistemas económicos, (ii) reconhecer e assumir a necessidade de conviver e extrair valor da nova equação da economia mundial pós-globalização, (iii) reconhecer, compreender, assumir e agir face à emergência histórica da questão estratégica fundamental da Lusofonia, (iv) reconhecer e confrontar a resolução imediata da sobrevivência/afirmação/desenvolvimento das empresas, (v) reconhecer, compreender e potenciar (criando) novas formas de geração de valor por via do processo de aprofundamento da relação empresa/Estado.
Uma proposta para a mudança traduz-se, antes de mais, no rótulo: o reconhecimento, a necessidade do reconhecimento.
Sem o reconhecimento não há mudança..." 
Fernando Seara, in Diário de Notícias 
Reconheçamos, pois, e mudemos o rótulo: Fernando Seara ao Constitucional. Já!...

domingo, 8 de junho de 2014

Cumbo do TC dá um Milhão a deputados...

1. Podia ler-se este título, com grande destaque de 1ª página, na edição de ontem de um afamado tabloide: a notícia servida por este título tem como pressuposto, que os deputados irão voltar a receber, a partir do corrente mês, a mesma retribuição que lhes foi abonada até 2010, antes do primeiro "hair-cut" aplicado aos funcionários públicos ainda na era socrática...
2. Muito provavelmente tal cenário não se confirmará, sendo quase certo que o Governo (que se meteu neste "sarilho" não se percebe muito bem porquê), através de uma proposta de OR, venha a repor os cortes aplicados até 2013, que não tiveram oposição do TC...
3. Sobre este ponto, permito-me remeter para o magnífico Post da nossa amiga Margarida C. Aguiar aqui editado há poucos dias.
3. Em qq caso, este exemplo serve bem para percebermos melhor os sólidos fundamentos da jurisprudência do TC, que considerou os cortes aplicados na lei do OE/2014 como excedendo os limites do razoável, impondo aos funcionários públicos em geral, deputados incluídos necessariamente, um sacrifício iníquo e desproporcionado, quando comparado aos sacrifícios dos trabalhadores do sector privado...
4. Seguindo este entendimento do TC é forçoso e lógico concluir que alguns ou mesmo muitos dos senhores deputados, por força da imposição desproporcionada e injusta da Lei do OE/2014, têm vindo a cair no desemprego, por despedimento ou outra causa, e não poucos foram mesmo forçados a emigrar, deixando suas famílias ao desamparo.
5. Na mesma linha interpretativa, era aliás visível, desde há algum tempo, o aspecto famélico, subnutrido, evidenciado por muitos dos protagonistas do hemiciclo de S. Bento, cujas vestes quase andrajosas também constituíam um atentado à dignidade comportamental que se exige dos representantes eleitos do Povo.
6. Em tão deploráveis condições, como poderiam os representantes do Povo exercer condigna e eficientemente o seu mandato democrático? Em circunstâncias tão penosas, certamente não poderíamos esperar muito do seu trabalho...
7. Se este País não é ainda uma Nave dos Loucos, convenhamos que já não faltará muito para lá chegar...

sábado, 7 de junho de 2014

Tribunal Imotivacional

"...nenhum critério densificador do significado gradativo de tal diminuição quantitativa de dotação e da sua relação causal com o início do procedimento de requalificação no conceito e específico órgão ou serviço resulta da previsão legal, o que abre caminho evidente à imotivação..."
(Naco de Acórdão do TC sobre rubricas do OE- Recolhido do artigo de Miguel Sousa Tavares, Imotivação,  no Expresso de 7 de Junho de 2014).
Ora aí está um naco de prosa verdadeiramente consonante com a Constituição!...
E absolutamente ifrustracional.

O esternocleidomastoideo

- Mas afinal o que vem a ser o esternocleidomastoideo?
- O quê? Então a senhora é fadista e não sabe?
- Eu não!...
- Olhe, eu também não! 


A profusão e desenvoltura com que os acórdãos do Tribunal Constitucional são interpretados, comentados, criticados ou aplaudidos lembram o episódio do esternocleidomastoideo, imortalizado no filme Canção de Lisboa. De repente, a anatomia desvendava-se e o esternocleidomastoideo passou a ser tratado por tu mesmo que ninguém soubesse ao certo do que se tratava.
Na grande maioria desses comentários invoca-se desde logo o "eu não li o texto, mas penso que..." ou ressalva-se "não sou jurista mas acho..." como se ler e compreender o teor do acórdão e saber direito, ao menos para entender a linguagem específica, fossem detalhes absolutamente secundários para tecer considerações sobre ele. Há até uns imaginativos que escolhem frases mais densas do texto e usam-nas para demonstrar que "aquilo" é incompreensível, imagine-se como é que vamos poder entender-nos, quem é que se lembraria de chamar esternocleidomastoideo a um simples músculo do pescoço?

Pensões, CES e CS...

Completamente de acordo com a medida e com a sua justificação. Vem agora o governo explicar que a Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) não se aplicará a partir de 2015 aos privados “porque o problema da sustentabilidade é nos sistemas públicos”. Mas é certo que a CES tem estado a ser aplicada às pensões privadas. Mas nunca é tarde para corrigir uma decisão. 
Com efeito, as pensões privadas resultam de poupança acumulada ao longo da vida activa dos trabalhadores, realizada por entidades privadas para complementar a pensão pública. Não faz qualquer sentido invocar a contenção orçamental e a redução da despesa pública, como foi feito, para justificar a aplicação da actual CES sobre pensões privadas. 
E concordo com a medida de não aplicar a nova Contribuição de Sustentabilidade às pensões privadas sobretudo porque é preciso aumentar a poupança privada para a reforma atendendo à redução da pensão pública. Com efeito, os desiquílibrios financeiros dos sistemas públicos de pensões têm vindo a ser resolvidos com recurso crescente a medidas de natureza restritiva que têm tido como resultado a redução dos benefícios. Vai ser cada vez mais necessário transferir rendimento gerado na vida activa para a reforma através da acumulação de poupança. Ora esta necessidade não se compadece com um quadro fiscal e um sistema de segurança social instável, em que as regras do jogo são alteradas a meio do caminho. 
A permanente alteração das regras fiscais é perturbadora para a decisão de constituir planos complementares de reforma. A confiança e a previsibilidade são elementos fundamentais para decisões desta importância, tanto mais que a componente privada das pensões será cada vez mais necessária num quadro de problemas financeiros dos sistemas públicos de pensões.
Portugal compara, aliás, muito mal com os países da OCDE. Apenas 3,3% dos trabalhadores portugueses recebem pensões através do 2º Pilar e apenas 5,1% investem em PPR. Em 2012, as pensões privadas representaram apenas 1,8% do total de pensões pagas pela Segurança Social e pela Caixa Geral de Aposentações. Números que mostram bem o "estado da arte".
Aguardemos pela aplicação da medida em 2015 e esperemos que outras medidas sejam tomadas para dinamizar a poupança para a reforma...

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Anjo



Olho para o quadro e a imagem não deixa qualquer dúvida, se houvesse anjos teriam de ter aquele olhar, aquela expressão pura e tranquilizadora. Se me tivessem dito em pequeno que os anjos tinham estas feições eu acreditava.
Não me lembro quando comecei a saber o que eram anjos. Dominava poucas palavras e conceitos, sabia o que era ter fome, sono e medo, mas não compreendia o que eram os anjos. Apontavam lá para cima, a sua casa, mas eu só via o azul do céu ou, então, nuvens brancas, escuras, brincalhonas, solitárias, rebeldes, e algumas deveriam ser mesmo más, porque assustavam-me. Eu perguntava se as nuvens eram os anjos. Não! Os anjos estão por cima e não se veem. Então se não se veem como é que sabes que existem? O silêncio das palavras era rapidamente cortado e a ladainha do costume vinha ao de cima. Os anjos têm asas. Ai têm! Então são pássaros. Não, não são pássaros, são seres criados por Deus para O servir e para nos guardar. Ah! Então são criados. Não, não são criados, são seres únicos e cada um de nós tem o seu anjo da guarda. Eu também tenho? Claro que tens. Mas eu não o vejo, nem o ouço. Pois não, não podes vê-lo e nem ouvi-lo. Mas ele vê-te e ouve tudo o que dizes. Tudo?! Sim. E quando faço asneiras também? Sim, sim, sobretudo quando fazes asneiras. E depois? O que é que ele vai fazer? Vai dizer ao Jesus. Para quê? Para saber as asneiras que fizeste. E depois? Depois o quê? Depois o que é que ele vai fazer. Ele quem? O Jesus. Sei lá, às tantas é capaz de não te dar nada no Natal. Não?! Então o anjo da guarda é um queixinhas. Assim não gosto dele. Mas ele é teu amigo e protege-te. Pois, mas assim não quero. Quando caio e faço uma ferida no joelho ele não me ajuda. Caio na mesma. De facto, os meus joelhos eram uma desgraça mais do que evidente e punham em causa a minha crença nos anjos da guarda. A conversa terminou naquele ponto. Já tinha reparado que era sempre assim quando o incómodo a atingia. Depois arranjava desculpas para mudar de conversa. O alívio era evidente ao mandar-me ir brincar para a rua. Ao sair ainda perguntei, o anjo da guarda também vai comigo, mãe? Vai-te embora meu malandro. Cala-te e vai brincar um pouco. Eu ia, mas depois acabava rapidamente por aperceber que o meu anjo da guarda não era muito dado a brincadeiras de crianças. Bastava esmurrar a perna e os joelhos para confirmar.
Ao ver este desenho fiquei com pena de não o ter visto na altura. Se me dissessem que era a cara de um anjo eu tinha mesmo acreditado.
Ainda vou a tempo...

quarta-feira, 4 de junho de 2014

A força do argumento!...

Qual Audi, qual carapuça!...Um Lamborghini daqueles último grito, daqueles que abrem as portas para cima é o prémio do novo concurso que vai premiar os contribuintes que não peçam factura.  Uma iniciativa de um grupo de empresários responsáveis, que sentem verdadeiramente os problemas ecológicos.
Temos que preservar a floresta e o seu valor ambiental, pois de cada vez que se emite uma factura cai uma árvore, dizem.